Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2089498-88.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Guarulhos

Requerida: Câmara Municipal de Guarulhos

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 7.258, de 15 de abril de 2014, do Município de Guarulhos, de iniciativa parlamentar. Organização administrativa. Instituição de programa de prevenção e punição da pichação em bens públicos e particulares e criação do disque-pichação. Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Reserva da Administração. Geração de despesa pública. Polícia administrativa. Imposição de multa por pichação. Iniciativa legislativa comum. Procedência parcial da ação. 1. Lei n. 7.258/14, do Município de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que institui programa de prevenção e punição em bens públicos e particulares e cria o “disque-pichação”, serviço de recebimento de denúncias desse comportamento (arts. 1º a 3º), e estabelece multa por pichação (art. 4º). 2. A instituição de programa confiando nova atribuição ao Poder Executivo e criando serviço específico, com geração de despesa, tal como se contém nos arts. 1º a 3º da lei local impugnada é matéria que se insere na reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, CE/89). 3. Quando lei de iniciativa parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176, I, CE/89, seja porque aquele exige a indicação de recursos para atendimento das novas despesas (que não estão previstas) seja porque é reservada ao Chefe do Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual. 4. Não é reservada ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa, nem se encontra na reserva da Administração, matéria relativa à polícia administrativa, como a previsão de sanção pecuniária (multa) por pichação de propriedade pública ou privada (art. 4º). 5. Procedência parcial da ação relativamente aos arts. 1º a 3º da Lei n. 7.258/14.

 

 

Douto Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Guarulhos impugna a Lei n. 7.258, de 15 de abril de 2014, do Município de Guarulhos, de iniciativa parlamentar, que institui programa de prevenção e punição em bens públicos e particulares e cria o “disque-pichação”, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, 25, 37, 47, II, XIV e XVII, 144, 174 e 176, I, da Constituição Estadual.

2.                Concedida a liminar, a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da lei vergastada, e a Câmara Municipal de Guarulhos defende sua constitucionalidade.

3.                É o relatório.

4.                Tem o seguinte teor a lei impugnada:

“Art. 1º. Fica instituído o Programa de Prevenção e Punição a Atos de Pichação dos Bens Públicos e de Terceiros no âmbito do Município de Guarulhos e cria o DISQUE-PICHAÇÃO, uma Central de Atendimento Telefônico, para o recebimento específico de denúncias contra atos de ‘pichadores’, bem como para informar a localização do bem público ou de terceiro ‘pichado’ da cidade de Guarulhos.

§ 1º. Tratando-se de próprios federais ou estaduais, a Prefeitura do Município de Guarulhos poderá celebrar convênios com os Governos da União e do Estado de São Paulo para a execução de serviços de limpeza ou de recomposição da pintura oficial danificada por pichação, sem prejuízo de aplicação da penalidade prevista no artigo 4º a seus infratores.

§ 2º. Para a execução dos serviços mencionados no § 1º, deverá ser dada preferência à mão-de-obra de pessoas encaminhadas judicialmente para prestação de serviços à comunidade, em cumprimento de medidas socioeducativas ou de pena restritiva de direitos, na forma estabelecida em sua regulamentação.

Art. 2º. Para a consecução do objetivo estabelecido no artigo 1º, o Município manterá um serviço telefônico (Disque-Pichação) à disposição da comunidade, a ser operacionalizado pela Guarda Civil Municipal, que servirá como um canal de denúncias para os cidadãos que presenciem algum ato dessa espécie.

Art. 3º. Não será exigida a identificação do cidadão que fizer uso do Disque-Pichação, sendo expressamente vedada a divulgação do nome de qualquer pessoa que formalizar alguma denúncia.

Art. 4º. Todo e qualquer ato de pichação impetrado contra o patrimônio municipal ou de terceiros sujeitará o seu causador a uma multa equivalente a 300 UFGs (trezentas Unidades Fiscais de Guarulhos), ou índice superveniente.

§ 1º. A aplicação e o pagamento da multa de que trata o caput não elidirá que o Município promova também as medidas judiciais reparatórias que o caso comportar.

§ 2º. Se o causador for menor de idade, deverão ser identificados seus responsáveis, informando às autoridades competentes, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei Federal nº 8.069, de 13/07/90) e procedendo-se, quanto à reparação de danos, nos termos da Legislação Civil.

Art. 5º. O Executivo regulamentará a presente Lei, no prazo de 90 (noventa) dias após a sua publicação.

Art. 6º. As despesas correrão por conta das disposições orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 7º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

5.                As disposições da Lei n. 7.258/14 podem ser agrupadas em normas relativas à organização administrativa (arts. 1º a 3º) e à polícia administrativa (art. 4º).

6.                A iniciativa legislativa reservada é matéria de direito excepcional, sendo impositiva sua interpretação restritiva que não permite dilatação nem presunção. Por outro lado, a produção normativa não pode transitar à margem das regras inerentes ao processo legislativo, cujas normas constitucionais centrais são de observância obrigatória (RT 850/180; RTJ 193/832).

7.                Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

8.                Fixadas estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).

9.                Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual.

10.              Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro. Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é fragmentado e estanque, pois, observa a doutrina que:

“O princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).

11.              Como consequência do princípio da separação dos poderes, a Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa, como dispor sobre a sua organização e seu funcionamento. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

12.              Também por decorrência do citado princípio da separação de poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro para evitar abusos e disfunções, a Constituição Estadual cuidou de precisar a participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a doutrina:

“É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’, ‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro ‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of powers).

(...)

A distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

13.             Assim, se em princípio a competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, matérias de natureza eminentemente administrativa são reservadas à iniciativa legislativa do Poder Executivo (arts. 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XIX, a).

14.              Esse desenho normativo de status constitucional – aplicável aos Municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual - permite assentar as seguintes conclusões: (a) a iniciativa legislativa não é ampla nem livre, só podendo ser exercida por sujeito a quem a Constituição entregou uma determinada competência; (b) ao Chefe do Poder Executivo a Constituição prescreve iniciativa legislativa reservada em matérias inerentes à Administração Pública; (c) há matérias administrativas que, todavia, escapam à dimensão do princípio da legalidade consistente na reserva de lei em virtude do estabelecimento de reserva de norma do Poder Executivo. A propósito, frisa Hely Lopes Meirelles a linha divisória da iniciativa legislativa:

“Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa e privativamente à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1997, 9ª ed., p. 431).

15.              A criação de órgãos, programas, e serviços públicos a cargo do Poder Executivo, adicionada à respectiva conferência de atribuições e competências, é matéria da reserva de iniciativa legislativa de seu Chefe, como proclama pacífica jurisprudência:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.835/2001 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INCLUSÃO DOS NOMES DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS INADIMPLENTES NO SERASA, CADIN E SPC. ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. INICIATIVA DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada” (STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).

III - Independência e Separação dos Poderes: processo legislativo: iniciativa das leis: competência privativa do Chefe do Executivo. Plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade de expressões e dispositivos da lei estadual questionada, de iniciativa parlamentar, que dispõem sobre criação, estruturação e atribuições de órgãos específicos da Administração Pública, criação de cargos e funções públicos e estabelecimento de rotinas e procedimentos administrativos, que são de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, e), bem como dos que invadem competência privativa do Chefe do Executivo (CF, art. 84, II)” (STF, ADI-MC 2.405-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 06-11-2002, DJ 17-02-2006, p. 54).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR. ORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA. As regras previstas na Constituição Federal para o processo legislativo aplicam-se aos Estados-membros. Compete exclusivamente ao Governador a iniciativa de leis que cuidem da estruturação e funcionamento de órgãos vinculados ao Poder Executivo (CF, artigos 61, § 1º, II, ‘e’; e 144, § 6º). Precedentes. Inconstitucionalidade da Lei 10890/01, do Estado de São Paulo. Ação julgada procedente” (STF, ADI 2646-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 23-05-2003, p. 30).

“CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR. Há o sinal do bom direito e o risco de manter-se com plena eficácia o quadro quando o diploma atacado resultou de iniciativa parlamentar e veio a disciplinar programa de desenvolvimento estadual - submetendo-o à Secretaria de Estado - a dispor sobre a estrutura funcional pertinente. Segundo a Carta da República, incumbe ao chefe do Poder Executivo deflagrar o processo legislativo que envolva órgão da Administração Pública - alínea ‘e’ do § 1º do artigo 61 da Constituição Federal” (STF, ADI-MC 2.799-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 01-04-2004, v.u., DJ 21-05-2004, p. 31).

“CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CRIAÇÃO DE ÓRGÃOS PÚBLICOS. INICIATIVA LEGISLATIVA RESERVADA. C.F., art. 61, § 1º, II, a, c e e, art. 63, I; Lei 13.145/2001, do Ceará, art. 4º; Lei 13.155/2001, do Ceará, artigos 6º, 8º e 9º, Anexo V, referido no art. 1º. I. - As regras do processo legislativo, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros. Precedentes do STF. II. - Leis relativas à remuneração do servidor público, que digam respeito ao regime jurídico destes, que criam ou extingam órgãos da administração pública, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. C.F., art. 61, § 1º, II, a, c e e. III. - Matéria de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda - C.F., art. 63, I - ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência de emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF. IV - ADI julgada procedente” (STF, ADI 2.569-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26).

16.              Ora, reproduzindo o art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, o art. 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual, confere exclusiva iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo para criação de órgãos da Administração Pública, compreendendo a descrição de suas atribuições e competências, programas e serviços públicos.

17.              Sem embargo da reserva de iniciativa legislativa também decorre do princípio da divisão funcional do poder a reserva da Administração Pública, pois, compete ao Poder Executivo o exercício de sua direção superior, a prática de atos de administração típica e ordinária e a disciplina de sua organização e de seu funcionamento (art. 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual).

18.              A instituição de programas destinados à execução de políticas públicas e a disciplina da prestação dos serviços públicos, executados direta ou indiretamente pelo poder público situa-se no domínio da reserva da Administração, espaço conferido com exclusividade ao Chefe do Poder Executivo no âmbito de seu poder normativo imune a interferências do Poder Legislativo, e que se radica na gestão ordinária dos negócios públicos, como se infere dos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, aplicável na esfera municipal por força de seu art. 144 e do art. 29 caput da Constituição Federal.

19.              A Constituição Paulista prevê no art. 47 competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

20.              A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo, enraizando-se no art. 84, II, da Constituição de 1988.

21.              Esses assuntos são privativos do poder normativo do Chefe do Poder Executivo, como já se decidiu:

“(...) 2. As restrições impostas ao exercício das competências constitucionais conferidas ao Poder Executivo, entre elas a fixação de políticas públicas, importam em contrariedade ao princípio da independência e harmonia entre os Poderes (...)” (STF, ADI-MC-REF 4.102-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 26-05-2010, v.u., DJe 24-09-2010).

“(...) O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. (...)” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

22.              Feita esta imprescindível digressão, e frisando, como acima exposto, que as disposições da Lei n. 7.258/14 podem ser agrupadas em normas relativas à organização administrativa (arts. 1º a 3º) e à polícia administrativa (art. 4º), a ação é parcialmente procedente.

23.              Com efeito, a instituição de programa confiando nova atribuição ao Poder Executivo e criando serviço específico, com geração de despesa, tal como se contém nos arts. 1º a 3º da lei local impugnada é matéria que se insere na reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos dos arts. 5º, 24, § 2º, 2 e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual. E se a tanto não bastasse, se, em linha de princípio, a falta de recursos orçamentários não causa a inconstitucionalidade de lei, senão sua ineficácia no exercício financeiro respectivo à sua vigência – porque “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01) –, quando lei de iniciativa parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176, I, da Constituição Estadual, seja porque aquele exige a indicação de recursos para atendimento das novas despesas (que não estão previstas) seja porque é reservada ao Chefe do Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual, conforme pronuncia o Supremo Tribunal Federal:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei do Estado do Amapá. 3. Organização, estrutura e atribuições de Secretaria Estadual. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes. 4. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Precedentes. 5. Ação julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 341, p. 35).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Do Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do Pólo Estadual da Música Erudita. 3. Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. 4. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. 7. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. 8. Ação julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 338, p. 46).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa, vez que o projeto de lei foi apresentado por um parlamentar, embora trate de matéria típica de Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na Administração Pública estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro. Afronta ao disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da Constituição do Brasil. 3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a elaboração da lei orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso III, da Constituição de 1988. 4. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais preceitos dá-se por arrastamento. 5. Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul” (RTJ 200/1065).

24.              Portanto, os arts. 1º a 3º da Lei n. 7.258/14 são incompatíveis com os arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, 47, II, XIV e XIX, a, 174, III e 176, I, da Constituição Estadual.

25.              Todavia, o art. 4º da Lei n. 7.258/14 não padece de inconstitucionalidade por não se incompatibilizar com qualquer um desses dispositivos.

26.              O que se contém no preceito em foco é a responsabilidade administrativa através da imposição de sanção pecuniária (multa) à prática do ilícito respectivo. Trata-se de matéria que, em essência, expressa a polícia administrativa, punindo a pichação em relação de natureza geral, calcada no ius imperii inerente ao poder público na disciplina da liberdade, e que não se encontra arrolada entre os assuntos que são reservados à iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo nem são da exclusiva competência normativa primária do Poder Executivo (reserva da Administração).

27.              Além disso, é disposição que não gera dispêndio público algum.

28.              De fato, os dispositivos de polícia administrativa pertencem à iniciativa legislativa comum ou concorrente por não estarem catalogados na iniciativa reservada que demanda expressa previsão e não se presume, merecendo interpretação restritiva.

29.              Neste sentido, trago à colação os seguintes arestos deste colendo Órgão Especial:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 345/2013, do município de Serrana, regulamentando a realização de feiras temporárias na cidade. Alegado vício de iniciativa e afronta à legislação tributária local.

1. ‘O contencioso de constitucionalidade, por via de ação direta, de lei municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual (art. 125, §2º, da Constituição Federal), sendo defeso o contraste com a legislação municipal’.

2. Não ocorre o alegado vício de iniciativa, em face da competência das Câmaras Municipais para a elaboração de leis dispondo sobre matérias de interesse local, não reservadas constitucionalmente ao chefe do Poder Executivo.

3. Lei impugnada que não padece dos vícios de iniciativa ou de natureza orçamentária, viabilizando até mesmo a ordem e o crescimento da economia local.

4. Julgaram improcedente a ação, cassando a liminar concedida” (TJSP, ADI0205756-5.2013.8.26.0000, Rel. Des. Vanderci Álvares, 06-08-2014, m.v.).

“Incidente de inconstitucionalidade. Lei n° 15.442, de 9 de setembro de 2011, do Município de São Paulo, que dispõe sobre a limpeza de imóveis, o fechamento de terrenos não edificados e a construção e manutenção de passeios, bem como cria o Disque-Calçadas; revoga as Leis n° 10.508, de 4 de maio de 1988, e n° 12.993, de 24 de maio de 2000, o art. 167 e o correspondente item constante do Anexo VI da Lei n° 13.478, de 30 de dezembro de 2002 - Projeto de iniciativa do Poder Legislativo - Sanção pelo Prefeito Municipal.

1. A competência para criação de lei que impõe obrigações a particulares, quanto à construção e manutenção de calçadas contíguas a seus imóveis, é concorrente do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Inocorrência de ofensa ao art. 24 da Constituição do Estado de São Paulo.

2. A imposição, ao Poder Executivo, do dever de fiscalizar o cumprimento da lei não significa violação ao princípio constitucional da separação de poderes e não implica criação de despesas sem a respectiva fonte de receita, uma vez que a fiscalização é inerente ao exercício regular do poder de polícia pelo Executivo, em relação ao cumprimento de todo o complexo das posturas municipais. Ausência de ofensa aos arts. 2°, 61, § 1°, I, b, da CF e 5°, 25, 47, I e 144 da Constituição Estadual.

3. A imposição de obrigação a particulares, quanto à construção e à manutenção de calçadas contíguas a seus imóveis, não constitui responsabilização de natureza civil, o que significaria vício de inconstitucionalidade por invasão de competência exclusiva da União. Ausência de ofensa ao art. 23, I, da CF.

4. A criação do ‘disque-calçadas’ não implica despesas adicionais àquelas próprias da Ouvidoria Municipal. Ademais esse serviço poderá restringir-se a atendimento eletrônico, conforme previsto na lei, inserindo-se, assim, no amplo serviço de informática do Poder Executivo.

5. A tabela de multa anexa à lei, com valor por metro de testada do imóvel, não viola o princípio da razoabilidade, não tendo caráter confiscatório, nem mesmo pela previsão de cumulação a cada trinta dias, critério necessário e que vem sendo adotado desde a Lei n° 10.508, de 4 de maio de 1988.

Incidente de inconstitucionalidade improcedente” (TJSP, II 0008436-60.2014.8.26.0000, Rel. Des. Itamar Gaino, 04-06-2014, m.v.).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade Lei nº 5.515, de 25 de fevereiro de 2014, do Município de Catanduva Determinação de criação de área reservada a instalação de rampas ou plataformas para aceso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, nas arquibancadas e camarotes, nos eventos abertos com montagem temporária.

1 - A legislação que determina que os responsáveis por eventos realizados no município criem área reservada a instalação de rampas ou plataformas para acesso de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, nas arquibancadas e camarotes, nos eventos abertos com montagem temporária, não padece de qualquer inconstitucionalidade, uma vez que somente estabelece obrigação para particulares.

2 - O dever de fiscalização do cumprimento de normas é conatural aos atos administrativos e não tem o efeito de autorizar presunção de geração de novas despesas ao Município.

Ação improcedente” (TJSP, ADI 20626-47.2014.8.26.0000, Rel. Des. Itamar Gaino, 30-07-2014, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei nº 4.208, de 7 de fevereiro de 2014, que obrigou a existência de pavimentação permeável em estacionamentos abertos de veículos, no âmbito do Município de Atibaia - Inocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei deflagrado pelo Legislativo Municipal, haja vista que a norma editada não regula matéria estritamente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, § 2°, 47, incisos XVI e XVII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 14 daquela mesma Carta - Previsão legal que apenas tratou de tema de interesse geral da população local, pertinente ao uso e ocupação do solo urbano, inserido, portanto, na competência legislativa comum dos poderes Legislativo e Executivo - Ato normativo impugnado, ademais, que não acarreta nova despesa aos cofres públicos e nem sequer implica em atribuição à Administração Municipal, obrigando apenas aos particulares - Precedente desta Corte - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente” (TJSP, ADI 205495-10.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, 30-07-2014, v.u.).

30.              Por fim, não se verifica ofensa aos arts. 24, § 2º, 1 e 37 da Constituição do Estado. O primeiro preceito trata da criação e extinção de cargos, funções e empregos públicos e respectiva remuneração e o segundo expressa que “o Poder Executivo é exercido pelo Governador do Estado, eleito para um mandato de quatro anos, podendo ser reeleito para um único período subsequente, na forma estabelecida na Constituição Federal”, temas que sequer foram tangenciados pela lei local impugnada.

31.              Opino pela procedência parcial da ação para declarar a incompatibilidade dos arts. 1º a 3º da Lei n. 7.258, de 15 de abril de 2014, do Município de Guarulhos, com arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, 47, II, XIV e XIX, a, 174, III e 176, I, da Constituição Estadual.

                  

São Paulo, 28 de agosto de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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