Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2091269-04.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Guaiçara

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Guaiçara

 

 

 

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1.043, de 19 de agosto de 1986, do Município de Guaiçara que “Dispõe sobre a complementação de aposentadoria a servidores não optantes do FGTS”.

2)      Preliminar. Irregularidade na representação processual. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório com poderes específicos.

3)      Benefício previdenciário instituído por lei anterior ao atual regime constitucional. Impossibilidade de impugnação em sede de processo abstrato de controle de normas. A situação de incompatibilidade se resolve pela revogação tácita, tornando desnecessária a realização do controle de constitucionalidade. Pela extinção do processo sem resolução do mérito por carência da ação.

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 1.043, de 19 de agosto de 1986, do Município de Guaiçara que “Dispõe sobre a complementação de aposentadoria a servidores não optantes do FGTS”.

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por ter criado benefício previdenciário sem a fonte de custeio. Daí a alegação de violação à Constituição Federal de 1967, aos arts. 144 e 218 da Constituição Estadual e do art. 195 da Constituição Federal de1988.

O pedido de liminar foi indeferido (fls. 169/170).

Citado regularmente (fl. 182), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 175/177).

Devidamente notificado (fls. 179), o Presidente da Câmara Municipal prestou informações a fls. 184/186.

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria Geral de Justiça.

PRELIMINARMENTE

A petição inicial é assinada digitalmente apenas por procurador do município (fl. 14), com mandato outorgado pelo Município de Guaiçara (fl. 15/16).

A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de poderes especiais, ou, no mínimo, subscrição conjunta da petição inicial.

Ademais, há decisão registrando que:

“É de exigir-se, em ação direta de inconstitucionalidade, a apresentação, pelo proponente, de instrumento de procuração ao advogado subscritor da inicial, com poderes específicos para atacar a norma impugnada” (STF, ADI-QO 2187-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 24-05-2000, m.v., DJ 12-12-2003, p. 62).

Este Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

No caso dos autos, figurou no polo ativo o Prefeito Municipal, porém a inicial foi assinada por procurador do Município.

Assim sendo, requeiro seja o autor intimado para regularização de sua representação processual ou subscrição da petição inicial, no prazo legal, sob pena de indeferimento, aviando, desde já, nas hipóteses de inércia ou recusa, a extinção sem resolução do mérito.

DA CARÊNCIA DA AÇÃO

Caso seja regularizada a representação processual, carece ao autor direito de ação, por falta de interesse de agir.

A Lei nº 1.043, de 19 de agosto de 1986, do Município de Guaiçara que “Dispõe sobre a complementação de aposentadoria a servidores não optantes do FGTS” é anterior à Constituição Estadual Paulista de 1989.

E, como se sabe, é pacífico o entendimento, especialmente na jurisprudência do STF, pelo qual a incompatibilidade de lei com norma constitucional superveniente é questão que se resolve pela revogação tácita da norma infraconstitucional, o que inviabiliza o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade.

Nesse sentido:

“(...)

A ação direta de inconstitucionalidade não se revela instrumento juridicamente idôneo ao exame da legitimidade constitucional de atos normativos do Poder Público que tenham sido editados em momento anterior ao da vigência da Constituição sob cuja égide foi instaurado o controle normativo abstrato. A fiscalização concentrada de constitucionalidade supõe a necessária existência de uma relação de contemporaneidade entre o ato estatal impugnado e a Carta Política sob cujo domínio normativo veio ele a ser editado. O entendimento de que leis pré-constitucionais não se predispõem, vigente uma nova Constituição, à tutela jurisdicional de constitucionalidade in abstrato – orientação jurisprudencial já consagrada no regime anterior (RTJ 95/980 – 95/993 – 99/544) – foi reafirmado por esta Corte, em recentes pronunciamentos, na perspectiva da Carta Federal de 1988. A incompatibilidade vertical superveniente de atos do Poder Público, em face de um novo ordenamento constitucional, traduz hipótese de pura e simples revogação dessas espécies jurídicas, posto que lhe são hierarquicamente inferiores. O exame da revogação de leis ou atos normativos do Poder Público constitui matéria absolutamente estranha à função jurídico-processual da ação direta de inconstitucionalidade. (ADI 74, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 7-2-1992, Plenário, DJ de 25-9-1992.) No mesmo sentido: ADI 4.222-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de 14-2-2011.

(...)

Constituição. Lei anterior que a contrarie. Revogação. Inconstitucionalidade superveniente. Impossibilidade. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. (ADI 2, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 6-2-1992, Plenário, DJ de 21-11-1997.) No mesmo sentido: RE 343.801-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 20-3-2012, Segunda Turma, DJE de 26-6-2012; ADI 4.222-MC, Rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-2-2011, DJE de 14-2-2011; ADI 888 Rel. Min. Eros Grau, decisão monocrática, julgamento em 6-6-2005, DJ de 10-6-2005. Vide: ADI 2.158 e ADI 2.189, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 15-9-2010, Plenário, DJE de 16-12-2010.

(...)” (g.n.)

Dessa forma, o ato normativo impugnado não pode ser objeto de exame em sede de ação direta de inconstitucionalidade

Importante ainda ressaltar que a ação direta de inconstitucionalidade no plano estadual tem escopo limitado, e consiste, exclusivamente, em instrumento de verificação quanto à existência de compatibilidade entre a lei e a Constituição do Estado.

Assim, impossível adoção de dispositivos da Constituição Federal, da legislação federal, bem como da Lei Orgânica do Município, como parâmetros para o controle abstrato.

Esse sistema decorre do art. 125, § 2º da Constituição Federal, pelo qual “cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (...)” 

Diante do exposto, regularizada a representação processual, deve ser extinto o processo sem resolução do mérito em razão da carência da ação.

            

 São Paulo, 01 de agosto de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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