Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2094375-71.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeita Municipal de Bálsamo

Requerida: Câmara Municipal de Bálsamo

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda n. 16/2014 que altera os arts. 74, 76, 78, 80, 81 e 83 da Lei Orgânica do Município de Bálsamo. Iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Alterações de normas afetas ao regime jurídico dos servidores públicos. Ação procedente. Pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa sobre o regime jurídico dos servidores públicos. (arts. 5º e 24, § 2º, 4, CE/89).

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Emenda n. 16, de 07 de maio de 2014, do Município de Bálsamo, que alterou os artigos 74, 76, 78, 80, 81 e 83 da Lei Orgânica Municipal, sob alegação de violação ao arts. 5º, 25, 47 e 144 da Constituição do Estado (fls. 01/17).

2.                Concedida liminar (fl. 94/95), a Câmara Municipal manifestou-se pela constitucionalidade da norma (fls. 63/71), e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 79/81).

3.                É o relatório.

4.                Assim dispõe a impugnada norma:

“Altera os artigos 74, 76, 78, 80, 81 e 83 da Lei Orgânica do Município de Bálsamo. A Mesa da Câmara Municipal de Bálsamo, nos termos do §4°, do artigo 20, da Lei Orgânica do Município, promulga a seguinte Emenda ao seu texto:

Art. 1° - O artigo 74 da LOM passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 74 - São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo ou emprego público de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§1° - O servidor público estável perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei, assegurada ampla defesa.

§2° - Invalidada por sentença judicial a demissão do servidor estável, será ele reintegrado, e o eventual ocupante da vaga, se estável, reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade com remuneração proporcional ao tempo de serviço.

§ 3° - Extinto o cargo ou declarada a sua desnecessidade, o servidor estável ficará em disponibilidade, com remuneração proporcional ao tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em outro cargo.

§4° - Como condição para aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

"Art. 76 - Ao servidor público municipal, ocupante de cargo público (estatutário) ou de emprego público (celetista), é assegurado a percepção do adicional por tempo de serviço, concedido, no mínimo, por qüinqüênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício para o município, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no artigo 50, inciso XVI, desta Lei."

Art. 3° - O artigo 78 da LOM passa a vigorar com as seguintes alterações:

"Art. 78 - O servidor público efetivo, com mais de cinco anos de serviço público prestado para o município, poderá requerer até dois anos de afastamento, com prejuízo dos vencimentos, para cuidar de assuntos particulares, ficando o deferimento do pedido à critério do interesse da administração.

Parágrafo Único - O servidor somente poderá requerer novo afastamento para fins particulares após decorridos cinco anos de seu retomo ao trabalho, ficando o deferimento do pedido a critério de interesse da administração."

Art. 4° - O artigo 80 da LOM passa a vigorar com a seguinte alteração:

"Art. 80 - Lei do município poderá estabelecer a relação entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, obedecido, em qualquer caso, o disposto no artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal.”

 Art. 5° - O artigo 81 da LOM passa a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 81 - Os poderes Executivo e Legislativo publicarão anualmente os valores dos subsídios e das remunerações dos cargos e empregos públicos. "

Art. 6° - O artigo 83 da LOM passa a vigorar com a seguinte alteração:

"Art. 83 - Lei do município disciplinará a aplicação dos recursos orçamentários provenientes da economia com despesas correntes em cada órgão, autarquia e fundação, para aplicação no desenvolvimento de programas de qualidade e produtividade, treinamento e desenvolvimento, modernização, reaparelhamento e racionalização do serviço público, inclusive sob a forma de adicional ou prêmio de produtividade."

Art. 7° - Esta Emenda à LOM entrará em vigor na data de sua publicação.”

5.                    É insubsistente a alegação de falta de receita própria (art. 25, Constituição Estadual) posto que sua ausência apenas compromete a eficácia da norma no exercício financeiro de sua vigência.

6.                Com efeito, “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).

7.                Tampouco há ofensa ao art. 47, II e XIV, da Constituição Estadual. Remuneração de servidores públicos é matéria submetida à reserva formal de lei (legalidade absoluta) nos termos dos arts. 37, X e 61, § 1º, II, a, da Constituição Federal, premissa que se esparge a direitos e vantagens, não estando no âmbito da reserva da Administração traduzida no art. 47, II e XIV, da Constituição Estadual, que confere ao Chefe do Poder Executivo atribuições de governo sem interferência do Poder Legislativo.

8.                A Emenda n. 16/2014 ao alterar os artigos 74, 76, 78, 80 e 83 da Lei Orgânica do Município de Bálsamo dispôs sobre matérias concernentes ao regime de servidores públicos, visto que disciplinou a estabilidade dos servidores e as hipóteses de perda de cargo, estendeu aos ocupantes de emprego público o direito ao quinquênio e à sexta-parte, além de criar hipótese de licença para tratar de assuntos particulares.

9.                Assim, a norma instituída cuidou de assuntos inerentes ao regime jurídico dos servidores públicos, cuja iniciativa legislativa é reservada exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo consoante disposto no art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual – aplicável aos Municípios por obra de seu art. 144 – e que reflete o princípio da separação de poderes inscrito no art. 5º da Constituição do Estado.

10.              Com efeito, assim dispõe o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual – que reproduz o art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal:

“Art. 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição:

(...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

4 – servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”.

11.              Por regime jurídico dos servidores públicos deve-se compreender o “conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes” (STF, ADI-MC 766-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 03-09-1992, v.u., RTJ 157/460).

12.              Com efeito, é assente no Supremo Tribunal Federal que a regra do art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal, reproduzida no art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual, é de observância obrigatória para Estados e Municípios, por força do princípio da simetria, bem como que a lei que dispõe sobre a situação funcional de servidores públicos, seus direitos e vantagens, é da iniciativa legislativa reservada privativamente ao Chefe do Poder Executivo. Neste sentido, já se decidiu que:

“(...) 5. Tratando-se de criação de funções, cargos e empregos públicos ou de regime jurídico de servidores públicos impõe-se a iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo nos termos do art. 61, § 1º, II, da Constituição Federal, o que, evidentemente, não se dá com a Lei Orgânica” (RTJ 205/1041).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54, VI DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PIAUÍ. VEDAÇÃO DA FIXAÇÃO DE LIMITE MÁXIMO DE IDADE PARA PRESTAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO. OFENSA AOS ARTIGOS 37, I E 61, § 1º, II, C E F, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II da CF, que determinam a iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. 26.02.99, ADI 2.115, rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, rel. Min. Maurício Corrêa (...)” (RTJ 203/89).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 792, DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO QUE ALTERA PRECEITO DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO LEGISLATIVO ESTADUAL. PROJETO DE LEI VETADO PELO GOVERNADOR. DERRUBADA DE VETO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno [artigo 25, caput], impõe a observância obrigatória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. Precedentes. 2. O ato impugnado versa sobre matéria concernente a servidores públicos estaduais, modifica o Estatuto dos Servidores e fixa prazo máximo para a concessão de adicional por tempo de serviço. 3. A proposição legislativa converteu-se em lei não obstante o veto aposto pelo Governador. O acréscimo legislativo consubstancia alteração no regime jurídico dos servidores estaduais. 4. Vício formal insanável, eis que configurada manifesta usurpação da competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo [artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil]. Precedentes. 5. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional a Lei Complementar n. 792, do Estado de São Paulo” (STF, ADI 3.167-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 18-06-2007, v.u., DJe 06-09-2007).

“PROJETO - INICIATIVA - SERVIDOR PÚBLICO - DIREITOS E OBRIGAÇÕES. A iniciativa é do Poder Executivo, conforme dispõe a alínea ‘c’ do inciso II do § 1º do artigo 61 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - SERVIDOR DO ESTADO - EMENDA - AUMENTO DE DESPESA. Resultando da emenda apresentada e aprovada aumento de despesa, tem-se a inconstitucionalidade, consoante a regra do inciso I do artigo 63 da Constituição Federal. PROJETO - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO EXECUTIVO - EMENDA - POSSIBILIDADE. Se de um lado é possível haver emenda em projeto de iniciativa do Executivo, indispensável é que não se altere, na essência, o que proposto, devendo o ato emanado da Casa Legislativa guardar pertinência com o objetivo visado. PROJETO - COMPETÊNCIA DO EXECUTIVO - EMENDA - PRESERVAÇÃO DE DIREITO ADQUIRIDO. Emenda a projeto do Executivo que importe na ressalva de direito já adquirido segundo a legislação modificada não infringe o texto da Constituição Federal assegurador da iniciativa exclusiva. LICENÇA-PRÊMIO - TRANSFORMAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER EM OBRIGAÇÃO DE DAR - ALTERAÇÃO NORMATIVA - VEDAÇÃO - OBSERVÂNCIA. Afigura-se constitucional diploma que, a um só tempo, veda a transformação da licença-prêmio em pecúnia e assegura a situação jurídica daqueles que já tenham atendido ao fator temporal, havendo sido integrado no patrimônio o direito adquirido ao benefício de acordo com as normas alteradas pela nova regência” (RTJ 194/848).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 109, de 08 de abril de 1994, do Estado de Rondônia. (...) - No mérito, já se firmou o entendimento desta Corte no sentido de que, também em face da atual Constituição, as normas básicas da Carta Magna Federal sobre processo legislativo, como as referentes às hipóteses de iniciativa reservada, devem ser observadas pelos Estados-membros. Assim, não partindo a lei estadual ora atacada da iniciativa do Governador, e dizendo ela respeito a regime jurídico dos servidores públicos civis, foi ofendido o artigo 61, § 1º, II, ‘c’, da Carta Magna. Ação direta que se julga procedente, para declarar-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 109, de 08 de abril de 1994, do Estado de Rondônia” (STF, ADI 1.201-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 14-11-2002, v.u., DJ 19-12-2002, p. 69).

13.              O colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo perfilha esse entendimento e vem pronunciando a inconstitucionalidade de normas semelhantes:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei do Município de Taubaté (Lei Complementar n. 282 de 2.5.2012) que sofreu emendas parlamentares que trataram de matérias atinentes à jornada de trabalho, ao regime de concessão de licença e à remuneração dos servidores de autarquia municipal. Configurado o excesso do poder de emendar, na medida em que as alterações introduzidas referem-se à matéria de iniciativa do Chefe do Executivo. Inconstitucionalidade formal e

desrespeito à separação de poderes. Afronta aos artigos 5o; 24, §2° e 144 da Constituição Bandeirante. Ação procedente, modulados os efeitos em relação aos ocupantes de cargos de eletricista nível I e mecânico de manutenção de máquinas e equipamentos, os quais, diante da boa-fé, não serão condenados à devolução dos valores a maior porventura recebidos.” (ADI 0190756-49.2012.8.26.0000, Rel. Des. Enio Santarelli Zuliani, j. 08-05-2013).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Município de Águas de São Pedro - Lei Municipal n° 1.608, de 28 de outubro de 2011, que ‘Autoriza a ampliação da licença maternidade às Servidoras Públicas Municipais de Águas de São Pedro e dá providências’ - Iniciativa parlamentar - Lei concernente ao regime público dos servidores municipais - Iniciativa privativa do Chefe do Executivo - Violação da regra da separação de poderes - Violação dos artigos 5; 24, § 2º, item 4; 25; 47, II e XIV e 144 da Constituição do Estado de São Paulo - Precedentes - Inconstitucionalidade reconhecida - Ação procedente” (ADI 0049652-69.2012.8.26.0000, Rel. Des. De Santi Ribeiro, v.u., 29-08-2012).

14 .             Diante o exposto, opino pela procedência da ação para declarar a incompatibilidade da Emenda n. 16/2014 à Lei Orgânica do Município de Bálsamo com os arts. 5º e 24, § 2º, 4, da Constituição do Estado de São Paulo.

                   São Paulo, 24 de setembro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

mao/crm