Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2110775-63.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva

 

 

 

 

 

                                               Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Complementar nº 695, de 28 de março de 2014, de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “define requisito mínimo do candidato ao cargo de supervisor de ensino no município de Catanduva e dá outras providências”.

2)      Preliminar. Indispensabilidade de citação do Procurador-Geral do Estado (art. 90, §2°, Constituição Estadual). A defesa da Constituição, no processo abstrato, não pode ser realizada com ofensa ao procedimento que nela mesma está previsto.

3)      Mérito. Servidor Público. Regime Jurídico. Estabelecimento de requisitos para o provimento do cargo Supervisor de Ensino. Violação à reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo decorrente do princípio da separação de poderes. Lei Municipal, de iniciativa parlamentar, que estabelece requisitos para o provimento do cargo de Supervisor de Ensino é incompatível com a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo para disciplina do regime jurídico dos servidores públicos (arts. 5º e 24, § 2º, 4, CE/89) .

4)      Alegação inconsistente de ofensa ao artigo 25 da Constituição estadual, visto que a lei complementar não criou nova despesa.

5)      Ofende o princípio da razoabilidade a lei local que exige, para o provimento do cargo de supervisor de ensino, a residência, por no mínimo 05 anos, no município. Inconstitucionalidade da lei local por violação do artigo 111 da Constituição Estadual.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo como alvo a Lei Complementar nº 695, de 28 de março de 2014, de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “define requisito mínimo do candidato ao cargo de supervisor de ensino no Município de Catanduva e dá outras providências”.

Sustenta o autor, em apertada síntese, desrespeito ao princípio da separação de poderes, porquanto a iniciativa, em se tratando de lei que versa sobre o regime jurídico dos servidores públicos, é reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal. Aduz, ainda, violação ao artigo 25 da Constituição Estadual, uma vez que a lei complementar teria criado despesa sem a indicação da correspondente receita.

Processada a ação, concedeu-se medida liminar que determinou a suspensão do ato normativo impugnado (fl. 16).

Em vista das reiteradas manifestações de ausência de interesse na defesa dos atos normativos impugnados nas ações diretas de inconstitucionalidade propostas perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, deixou-se de determinar a citação do Procurador-Geral do Estado (fl. 16).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações, sustentando a constitucionalidade do ato normativo (fls. 21/23).

É a síntese necessária.

PRELIMINAR

Não foi determinada a citação do Procurador Geral do Estado, providência que, com a devida vênia, deve ser tomada.

A não observância dessa diretriz implica nulidade do feito, visto que o art. 90, § 2º, da Constituição Paulista determina de forma expressa a citação do Procurador-Geral do Estado para oficiar no feito, defendendo o ato normativo impugnado.

Note-se que tal disposição reproduz a regra prevista no art. 103, § 3º da CF, que determina a citação do Advogado-Geral da União para a defesa do ato normativo no processo objetivo em trâmite no STF.

Em relação ao referido dispositivo, a Suprema Corte tem, reiteradamente, averbado a indispensabilidade da aludida intervenção (ADI 3.413, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 1º-6-2011, Plenário, DJE de 1º-8-2011; ADI 1.616, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 24-5-2001, Plenário, DJ de 24-8-2001; ADI 3.916, rel. min. Eros Grau, julgamento em 3-2-2010, Plenário, DJE de 14-5-2010; ADI 242, Rel. Min. Paulo Brossard, julgamento em 20-10-1994, Plenário, DJ de 23-3-2001; ADI 3.522, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 20-10-1994, Plenário, DJ de 12-5-2006).

Assim, insista-se, ainda que o Procurador Geral de Estado, atuando como curador do ato normativo, venha a oferecer manifestação ineficaz quanto à defesa do ato, declinando, literalmente, desse exercício, sua convocação ao processo é imprescindível, sob pena de mácula instransponível do processo objetivo, destinado ao controle de constitucionalidade da lei.

Pedimos vênia para anotar que a defesa da Constituição, no processo abstrato, não pode ser realizada com ofensa ao procedimento que nela mesma está previsto.

Roga-se, portanto, que seja determinada a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, sob pena de ofensa ao art. 103, § 3º da CF, regra reproduzida no art. 90, § 2º da Constituição Paulista.

MÉRITO

No mérito, a ação é procedente.

A lei complementar nº 695, de 28 de março de 2014, do Município de Catanduva, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1 – Para o cargo de Supervisor de Ensino a ser preenchido através de concurso público de provas e títulos ou através de concurso interno, o candidato deverá, além de outros atributos, ter sido Diretor de Escola Pública ou possuidor de um dos seguintes Títulos: Diploma de Mestrado ou Doutorado, na área de Educação; Certificado de conclusão de Curso de Especialização na Área de Educação, destinado a licenciados, criado e aprovado nos termos de normas específicas do Conselho Estadual de Educação e  com base na experiência de Docente de, no mínimo, três anos de efetivo exercício, e, que tenham cinco anos de residência, no mínimo, na cidade de Catanduva, devidamente comprovados.

Art. 2 – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

Postulado básico da organização do Estado é o princípio da separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o art. 144 da mesma Carta Estadual. Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro.

A Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal, comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro. Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas e ordinárias da função administrativa. Em essência, a separação ou divisão de poderes:

“consiste um confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes (...). A divisão de Poderes fundamenta-se, pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).

Decorrente do princípio da divisão funcional do poder é explícito que as regras acerca do regime jurídico dos servidores públicos são da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (arts. 5º e 24, § 2º, 4, Constituição Estadual), sendo interditado seu tratamento por lei de iniciativa parlamentar ou pela lei orgânica municipal (RTJ 167/355).

Deveras, em se tratando de processo legislativo, é princípio que as normas do modelo federal são aplicáveis e extensíveis por simetria às demais órbitas federativas. Neste sentido pronuncia a jurisprudência:

“as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“(...) I. - As regras básicas do processo legislativo federal são de observância obrigatória pelos Estados-membros e Municípios. (...)” (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

“(...) 2. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno - artigo 25, caput -, impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo. O legislador estadual não pode usurpar a iniciativa legislativa do Chefe do Executivo, dispondo sobre as matérias reservadas a essa iniciativa privativa. (...)” (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008).

“(...) I. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as regras básicas do processo legislativo da Constituição Federal, entre as quais as que estabelecem reserva de iniciativa legislativa, são de observância obrigatória pelos estados-membros. (...)” (RT 850/180).

“(...) 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a obrigatória observância de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre as matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. (...)” (RTJ 193/832).

Esse concerto, como se sabe, advém do caráter compulsório das regras do processo legislativo federal (arts. 2º e 61, § 1º, II, a e c, Constituição Federal) no âmbito estadual e municipal (STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).

Destarte, a iniciativa legislativa da lei local é incompatível com o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual, que decorre do princípio da separação de poderes contido no art. 5º da Constituição Estadual, e que reproduz o quanto disposto no art. 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal, aplicável aos Municípios por obra de seu art. 144.

Cumpre observar, ainda, que a lei local impõe restrição desproporcional para o provimento do cargo de Supervisor de Ensino, não se afigurando razoável o requisito de residência, por no mínimo 05 anos, no município de Catanduva.

A lei complementar local, portanto, é ainda incompatível com o artigo 111 da Constituição Estadual.

Para rematar, registre-se que é inconsistente a alegação de violação ao artigo 25 da Constituição Estadual, já que ao definir requisitos para o provimento do cargo de supervisor de ensino, a lei complementar não criou nova despesa.

Posto isso, aguarda-se seja julgada procedente a ação.

 

São Paulo, 03 de setembro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

  mao