Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2110830-14.2014.8.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva

Requeridos: Presidente da Câmara e Prefeito Municipal de Catanduva

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 5.499, de 10 de dezembro de 2013, de Catanduva, fruto de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a substituição gradual da frota de ambulâncias e da Guarda Municipal do Município de Catanduva e dá outras providências”.

2)      Violação da regra da separação de poderes, ou seja, da denominada “reserva de administração”. Precedentes. Contrariedade aos artigos 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Paulista.

3)      Inexistência de ofensa ao art. 25 da Constituição do Estado. Hipótese que poderia exclusivamente conduzir à eficácia da lei apenas para exercício financeiro sucessivo, e não à declaração de sua inconstitucionalidade.

4)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Senhor Prefeito Municipal de Catanduva, tendo como alvo a Lei Municipal nº 5.499, de 10 de dezembro de 2013, de Catanduva, fruto de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a substituição gradual da frota de ambulâncias e da Guarda Municipal do Município de Catanduva e dá outras providências”.

Assinala a inconstitucionalidade por vício de iniciativa, quebra do princípio da separação de poderes e não indicação de recursos para fazer frente às novas despesas.

Aponta a ofensa aos artigos 5º, 25, 47, II e XIV e 144 da Constituição do Estado de São Paulo. Registra ainda a ofensa à Constituição Federal bem como a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei Orgânica do Município.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 15/16).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 22/25).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 48/50).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: LIMITES DA COGNIÇÃO DO TRIBUNAL EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL

Cumpre registrar que, tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição do Estado, não podem ser examinadas as alegações de conflito entre a lei impugnada e outras leis municipais, estaduais ou federais, bem como entre ela e a Constituição Federal.

Em outros termos, apenas a Constituição do Estado é parâmetro válido, no âmbito do processo objetivo perante o Tribunal de Justiça, para exame da inconstitucionalidade ou não da lei municipal.

Nesses limites será feira a análise da alegada inconstitucionalidade.

MÉRITO

A Lei Municipal nº 5.499, de 10 de dezembro de 2013, fruto de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a substituição gradual da frota de ambulâncias e da Guarda Municipal do Município de Catanduva e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica autorizada a substituição gradual da frota de ambulâncias e da Guarda Municipal do Município de Catanduva por veículos zero km movidos a combustíveis renováveis.

Art. 2º. Os veículos (ambulâncias e viaturas da guarda municipal) em circulação não poderão ter mais do que cinco (5) anos de uso, a contar de seu primeiro emplacamento.

Art. 3º. Para cumprimento do disposto nesta lei, os veículos movidos a combustíveis renováveis destinados à substituição deverão possuir qualidade, no mínimo, similar a dos modelos equivalentes movidos a combustíveis derivados do petróleo.

Art. 4º. Esta lei entra em vigor no prazo de 60 (sessenta) dias, a partir da data de sua publicação.

(...)”

 

Pois bem.

O que se observa do texto da lei hostilizada é que ela verdadeiramente adotou nítida deliberação de cunho administrativo, estabelecendo a necessidade de renovação da frota de ambulâncias e veículos da guarda municipal, fixando limites temporais para tais providências, bem ainda indicando as características dos veículos a serem utilizados.

Trata-se de ato normativo que veicula deliberação administrativa, incluindo-se, portanto, no campo da denominada “reserva de administração”, que é manifestação do princípio da separação de poderes, limitando-se a iniciativa, dessa forma, ao próprio Chefe do Poder Executivo.

A propósito da chamada “reserva de administração” já afirmou o STF, em julgados cuja essência, mutatis mutandis, aplica-se ao caso ora examinado, o que segue:

“(...)

“O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.” (RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)

Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do chefe do Poder Executivo Distrital na condução da administração pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público.” (ADI 3.343, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 1º-9-2011, Plenário, DJE de 22-11-2011.)

(...)” (g.n.)

É inequívoca, portanto, a contrariedade aos artigos 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Despicienda a alegação do requerente de contrariedade ao art. 25 da Constituição Paulista, visto que a falta dos recursos levaria apenas à impossibilidade de execução da lei no próprio exercício financeiro, e não à sua inconstitucionalidade, como já assentou o STF (ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.499, de 10 de dezembro de 2013, de Catanduva.

 

São Paulo, 27 de outubro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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