Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 2110862-19.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Catanduva
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.511, de 19 de dezembro de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “Autoriza o policiamento nas escolas da rede municipal de ensino conforme especifica”.
2) Limites à cognição judicial no processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis. Precedentes do E. STF. A ofensa à legislação infraconstitucional não é suficiente para deflagrar o processo objetivo de controle de constitucionalidade. Ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.
3) Violação dos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista. Encontra-se na reserva da administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a organização e regulamentação dos serviços públicos.
4)
Parecer pela procedência do pedido.
Colendo Órgão
Especial
Senhor Desembargador
Relator
Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo a Lei nº 5.511, de 19 de dezembro de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, que “Autoriza o policiamento nas escolas da rede municipal de ensino conforme especifica”.
Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, violar o princípio da separação de poderes e por criar despesas sem previsão de receita. Daí a alegação de violação dos arts. 5º, 25 e 144, da Constituição Estadual e art. 67, VI, da Lei Orgânica Municipal (fls. 01/10).
A liminar foi deferida, para a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado, fls. 14/15.
Devidamente notificado (fls. 16/17), o Presidente da Câmara Municipal apresentou informações a fls. 21/24, defendendo a validade do ato normativo impugnado.
Citado regularmente (fl. 19), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 57/59).
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria Geral de Justiça.
DA ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO
DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL
Inicialmente oportuno consignar que o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste direto com normas da Lei Orgânica Municipal.
Já se consolidou o entendimento, inclusive no Supremo Tribunal Federal que a ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional.
Por este motivo, passa-se a análise tão só de eventual contraste dos atos normativos impugnados com a Constituição Estadual.
DO ATO NORMATIVO
IMPUGNADO
A Lei Municipal nº 5.511, de 19 de dezembro de 2013, do Município de Catanduva, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, tem a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica o Município de
Catanduva autorizado disponibilizar nas Escolas da Rede Municipal de Ensino, a
presença de pelo menos um elemento da Guarda Municipal, nos horários de entrada
e saída de estudantes independente de período.
Art. 2º - Os Guardas Municipais serão
escalados em regime de revezamento, de modo que não fiquem afeitos a
determinados unidades escolares.
Art. 3º - Ao Guarda Municipal caberá
entre outras funções próprias, fiscalizar e zelar pela boa ordem da entrada e
saída dos alunos, bem como inspecionar e vigiar o patrimônio da Escola.
Art. 4º - As despesas com a execução
da presente Lei, correrão por conta de dotações orçamentárias próprias,
suplementadas se necessário.
Art. 5º - O Executivo regulamentará
esta Lei no prazo de 90 dias.
Art. 6º - Esta Lei entrará em vigor
na data de sua publicação.”
DAS
INCONSTITUCIONALIDADES
O ato normativo impugnado é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por violar o princípio federativo e o da separação de poderes, previstos nos arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição do Estado, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:
“(...)
Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras
atribuições previstas nesta Constituição:
(...)
II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior
da administração estadual;
(...)
XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da
competência do Executivo;
(...)
XIX - dispor, mediante decreto, sobre:
a) organização e funcionamento da administração estadual, quando não
implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
A matéria disciplinada pela Lei
encontra-se no âmbito da atividade administrativa do Município, cuja
organização, funcionamento e direção superior cabe ao Prefeito Municipal, com
auxílio dos Secretários Municipais.
A disponibilização nas escolas da rede municipal de ensino, de um integrante da guarda municipal, nos horários de entrada e saída de estudantes, é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.
Trata-se de atividade
nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha
política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas
aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da
administração.
Não se trata, evidentemente, de
atividade sujeita a disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode
por meio de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o
legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.
Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, autorizando o policiamento nas escolas da rede municipal de ensino, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e oportunidade da criação e regulamentação dos serviços em benefício dos cidadãos. Trata-se de atuação administrativa que fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.
A inconstitucionalidade,
portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na
Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a, e 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De
outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.
Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
A
matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de
administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX
da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria
típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder
Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do
art. 47, XIX, da Constituição Estadual.
Assim,
a lei, ao instituir condições da prestação de serviço público, de um lado,
viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção
da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.
Por
fim, importante ressaltar que não se verifica violação ao art. 25 da
Constituição Estadual, uma vez que as providências administrativas criadas pelo
ato normativo não geram novas despesas para Administração Pública.
Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.511, de 19 de dezembro de 2013, do Município de Catanduva.
São Paulo, 11 de agosto de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca/dcm