Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo nº 2114527-43.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Catanduva
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade, proposta pelo Chefe do Poder Executivo, em da Emenda nº 33, de 18 de junho de 2014, à Lei Orgânica do Município de Catanduva, decorrente de iniciativa parlamentar, que prevê a isenção do IPTU, ITCMD e ISS, para portadores de moléstias graves que preencherem determinadas condições.
2) Alegada usurpação da competência privativa do Chefe do Poder Executivo e necessidade de indicação de recursos para geração de despesa. Precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, em matéria tributária, a iniciativa das leis, inclusive benéficas, é concorrente.
3) Benefício fiscal. Exigência de “lei específica”. Necessidade de edição de lei que regulamente exclusivamente a matéria (art.163 §6º da Constituição do Estado).
4) Parecer pela procedência do pedido.
Colendo Órgão
Especial,
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Catanduva em face da Emenda nº 33, de 18 de junho de 2014, à Lei Orgânica do Município de Catanduva, decorrente de iniciativa parlamentar, que prevê a isenção Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU, do Imposto de Transmissão de Propriedade “Inter Vivos” - ITBI e do Imposto de Serviço de Qualquer Natureza - ISSQN, para portadores de moléstias graves que preencherem determinadas condições.
Sustenta o autor que o dispositivo legal, de iniciativa parlamentar, invade a seara privativa do Poder Executivo Municipal, por tratar de matéria tributária e provocar modificação do orçamento com a redução de receitas sem indicação de contrapartida necessária. Outrossim, alega a necessidade de lei específica para a outorga de isenção. Daí, apontar a violação dos arts. 5º, 25, 144 e 160, §6º da Constituição Estadual.
O
pedido de medida liminar foi deferido para suspender a eficácia do diploma
normativo impugnado (fl.15/16).
Citado regularmente a fl. 28/29, o Procurador Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 22/24).
Notificado a fl. 26, o Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 31/34.
É a síntese do ocorrido nos autos.
A Emenda nº 33, de 18 de junho de 2014, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Assembleia Legislativa, depois de rejeitado o veto do Prefeito, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 127, da Lei Orgânica do Município de Catanduva, tem a seguinte redação:
“Art.127 -......................................
§ 1º - Ficam isentos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto de Transmissão de Propriedade “inter vivos” e de Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) os portadores de moléstia grave, consideradas como tal as doenças profissionais incapacitantes, desde que deferida a aposentadoria pela invalidez por órgão da previdência social, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose-multipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, Parkison, mal de Alzeimer, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíde deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, desde que comprovadas com base em conclusão médica especializada, e que possuam uma única propriedade.
§ 2º - A isenção de que trata o parágrafo anterior dependerá de requerimento anual, onde o interessado deverá comprovar que seu rendimento mensal, em 1º de janeiro do exercício, não ultrapassa 3 (três) salários mínimos.”
A legislação impugnada tem natureza de norma tributária benéfica. De forma majoritária, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem declarado a constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar que instituem benefícios fiscais, pois versam sobre matéria tributária.
Colhe-se,
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -
Cuida-se de ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Ilustre
Prefeito do Município de Ocauçu, Estado de São Paulo, por meio da qual se
questiona a adequação constitucional da Lei Complementar Municipal nº 06, de 09
de setembro de 2013, que “dispõe sobre a isenção do imposto Predial e
Territorial Urbano e das taxas de Serviços Urbanos e dá outras providências.”
CONSTITUCIONALIDADE - A Constituição de 1988 não veda a iniciativa do Poder
Legislativo em legislar sobre matéria tributária. A circunstância de as leis
que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente
federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do
executivo. Por sua vez, a concessão de isenção tributária por meio de lei de
iniciativa do Poder Legislativa também não represente nenhum vício de
inconstitucionalidade Precedentes. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
IMPROCEDENTE.” (ADIN nº 2011272-69.2014.8.26.0000, de 14 de maio
de 2014, r. Des. Roberto Mac Cracken).
Tal orientação apoia-se no fato de que, em matéria tributária, a competência legislativa é concorrente (art. 61 da Constituição Federal e art. 24 da Constituição Estadual).
Desse modo, não haveria inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nem violação ao princípio da tripartição dos poderes, na lei que institui benefício fiscal, pois a norma não estaria versando sobre matéria orçamentária, nem aumentando a despesa do município.
E essa é a tese que prevalece no Supremo Tribunal Federal.
“O
texto normativo impugnado dispõe sobre matéria de caráter tributário, isenções,
matéria que, segundo entendimento dessa Corte, é de iniciativa comum ou
concorrente; não há, no caso, iniciativa [parlamentar] reservada ao Chefe do
Poder Executivo. Tem-se por superado, nesta Corte, o debate a propósito de
vício de iniciativa referente à matéria tributária” (ADI 3.809/ES, j. 14.6.07.
Disponível em www.stf.gov.br. Acesso em 15 out. 2008, g.n.).
Os seguintes julgados comprovam essa assertiva:
“EMENTA:
I. Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato
Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os
aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição
destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores Estado:
inconstitucionalidade declarada. II. Ação direta de inconstitucionalidade:
conhecimento. 1. À vista do modelo dúplice de controle de constitucionalidade
por nós adotado, a admissibilidade da ação direta não está condicionada à
inviabilidade do controle difuso.
“EMENTA:
CONSTITUCIONAL. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE FIXA MULTA AOS ESTABELECIMENTOS
QUE NÃO INSTALAREM OU NÃO UTILIZAREM EQUIPAMENTO EMISSOR DE CUPOM FISCAL.
PREVISÃO DE REDUÇÃO E ISENÇÃO DAS MULTAS
Ademais, a lei impugnada não prevê a criação de novos encargos ao erário, não havendo como reconhecer o apontado vício de inconstitucionalidade material por violação ao teor dos artigos 25 da Constituição Bandeirante.
No entanto, a inconstitucionalidade decorre da violação do disposto no art. 163 § 6º da Constituição Estadual (dispositivo que reproduz o art.150 § 6º da Constituição Federal), pelo qual:
“qualquer subsídio ou isenção, redução de
base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos
a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser concedidos mediante lei estadual
específica, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o
correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art.155,
§2º, XII, ‘g’, da Constituição Federal”.
A exigência de lei específica significa, em outras palavras, que o diploma deve tratar exclusivamente da matéria, ou seja, do benefício fiscal.
A propósito da hipótese de renúncia fiscal que interessa ao caso em exame, ou seja, a isenção, Roque Antônio Carrazza traça sua distinção, anotando que “isenção, como vimos de ver, é uma limitação do âmbito de validade de uma norma jurídica tributária que impede que o tributo nasça. Ou, se preferirmos, é a nova configuração que a lei dá à norma jurídica tributária, que passa a ter seu âmbito de abrangência restringido, impedindo, assim, que o tributo nasça (evidentemente naquela hipótese descrita na lei isentiva). Faz desaparecer o tributo já nascido e só pode ser concedida por lei da pessoa política tributante” (Curso de direito constitucional tributário, 22ª ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p.861).
De outro lado, Leandro Paulsen, invocando excerto doutrinário da lavra de Tércio Sampaio Ferraz Júnior a respeito do sentido da expressão “lei específica” contida no art.150 §6º da CF/88, averba que “esta lei deve ser específica. Específica opõe-se a genérico (...) ... diz-se que o preceito é genérico ou porque se dirige a todos os destinatários (generalidade pelo sujeito) ou porque sua matéria consiste num tipo abstrato (generalidade pelo objeto). Em contraposição, o específico o será também pelo sujeito (individuação do destinatário) ou pelo objeto (singularização da matéria). A exigência de lei específica significa, nesse sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição da facti species normativa, i. é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto. (...) a lei específica, segundo o §6º do art.150 da Constituição, deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente os correspondentes tributo ou contribuição.” (‘A noção de lei específica no art.150 §6º, a CF, e a recepção dos Decretos-leis 2163/84 e 1184/71’, em RDT 70, p.181-188)”, apud Leandro Paulsen, Direito Tributário, 9ªed., 2ª tir., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007, p.267, g.n.).
Aliás, a exigência de lei específica para fins de renúncia fiscal já foi pacificada há muito pelo Pretório Excelso, como se infere da ementa do seguinte julgado:
"Inconstitucionalidade, por
contrariar o processo legislativo decorrente do art. 150, § 6º, da Constituição
Federal (onde se exige a edição de lei ordinária específica), bem como do
princípio da independência dos Poderes (art. 2º), a anistia tributária
concedida pelo art. 34, e seus parágrafos, do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, de 1989, do Estado de Santa Catarina." (ADI 155, Rel. Min.
Octavio Gallotti, julgamento em 3-8-98, DJ de 8-9-
É possível extrair da exigência de lei específica
para a concessão de benefícios fiscais, que a Constituição busca evitar a
aprovação, sem maiores cuidados e critérios, de benesses que sejam iníquas e
lesivas ao erário. Em função disso, entre outras coisas, é que o sistema
constitucional fixa limites formais à sua concessão. Deste modo, exigindo-se
lei específica, haverá a certeza de que a matéria será efetivamente analisada
no âmbito do legislativo, e não aprovada como que por descuido, no meio de
outros dispositivos, de um projeto de lei, que não guardem relação direta com o
tema.
Como é possível afirmar, com amparo em excerto
extraído da ADI 3260/RN, rel. Min. Eros Grau, (j. 29.3.2007), o que o art.150 §
6º da CF veda é a “a oportunista
introdução de norma de isenção fiscal no contexto de lei que cuide de matéria
de natureza diversa”.
Esta, precisamente, foi a hipótese verificada no
caso em exame, visto que através da Emenda nº 33, foram introduzidas normas de
isenção fiscal no corpo de Lei Orgânica Municipal que, notoriamente, não trata
exclusivamente de matéria tributária.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta de inconstitucionalidade.
São Paulo, 29 de agosto de 2014.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca/crms