Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2124050-79.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Sorocaba

Requerida: Câmara Municipal de Sorocaba

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.887, de 25 de junho de 2014, do Município de Sorocaba. Iniciativa parlamentar. Subordinação à manifestação do Conselho Municipal de Saúde de projetos de emenda à Lei Orgânica Municipal e de projetos de lei, resolução e decreto legislativo que tratem de matéria de matéria referente à saúde. Processo legislativo. Separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Ação Procedente. 1. As normas constitucionais centrais do processo legislativo federal são de observância simétrica pelos demais entes federativos. 2. A atribuição de órgãos administrativos subordinados ao Chefe do Poder Executivo é matéria de sua iniciativa legislativa reservada. 3. Intromissão de órgão subordinado ao Poder Executivo e estranho ao Poder Legislativo no processo legislativo caracteriza ofensa à divisão funcional do poder. 4. Ação procedente.

 

 

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

 

 

 

1.                O Prefeito do Município de Sorocaba ajuíza ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei n. 10.887, de 25 de junho de 2014, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar, que subordina à manifestação do Conselho Municipal de Saúde projetos de emenda à Lei Orgânica Municipal e de projetos de lei, resolução e decreto legislativo que tratem de matéria de matéria referente à saúde, arguindo sua incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 47, II, e 144, da Constituição Estadual (fls. 01/19). Concedida a liminar (fl. 136), a douta Procuradoria-Geral do Estado absteve-se de sua defesa (fls. 142/144). Nas informações a Câmara Municipal de Sorocaba pede a improcedência da ação alegando que a lei impugnada mantém sintonia com as atribuições do Conselho Municipal de Saúde descritas no art. 3º da Lei n. 3.623, de 28 de junho de 1991, na redação dada pela Lei n. 5.396, de 18 de junho de 1997 (fls. 151/157).

2.                é o relatório.

3.                Não vinga escudar-se a constitucionalidade da lei local na própria legislação municipal. O exclusivo parâmetro no contencioso de constitucionalidade de lei municipal é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal). Qualquer alegação fundada em norma infraconstitucional, não merece cognição, tendo em vista que é “inviável a análise de outra norma municipal para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012). Está assentado que “a pretensão de cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outra norma infraconstitucional não enseja ação direta de inconstitucionalidade” (STF, AgR-ADI 3.790-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, 29-11-2007, v.u., DJe 01-02-2008).

4.                Por isso, a alegação de que a lei impugnada mantém sintonia com as atribuições do Conselho Municipal de Saúde descritas no art. 3º da Lei n. 3.623, de 28 de junho de 1991, na redação dada pela Lei n. 5.396, de 18 de junho de 1997, é improfícua.

5.                As normas constitucionais do processo legislativo federal são de observância simétrica para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.; STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33; STF, ADI 1.594-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008; RT 850/180; RTJ 193/832).

6.                O Conselho Municipal de Saúde é órgão integrante do Poder Executivo. Suas atribuições pertencem ao domínio da organização administrativa, dependendo de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, nos termos dos arts. 5º e 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual. A jurisprudência abona essa conclusão:

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Competência do relator para negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível. Lei municipal de iniciativa parlamentar. Introdução de matéria no conteúdo programático das escolas das redes municipal e privada de ensino. Criação de atribuição. Professor. Curso de formação. Regime do servidor. Aumento de despesa. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Prerrogativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes. 1. É competente o relator (arts. 557, caput, do Código de Processo Civil e 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal) para negar seguimento ‘ao recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior’. 2. Ofende a Constituição Federal a lei de iniciativa parlamentar que cria atribuições para órgãos públicos e que trata do provimento de cargos e do regime jurídico dos servidores públicos, uma vez que, no caso, cabe ao chefe do Poder Executivo, privativamente, a deflagração do processo legislativo. 3. É pacífica a jurisprudência da Corte no sentido de padecer de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que, ao tratar de tema relativo a servidores públicos, acarreta aumento de despesa para o Poder Executivo. 4. Agravo regimental não provido” (STF, AgR-RE 395.912-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 06-08-2013, v.u., DJe 20-09-2013).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR N. 239/02 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. DISPOSIÇÕES CONCERNENTES A ÓRGÃOS PÚBLICOS E A ABERTURA DE CRÉDITO SUPLEMENTAR. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO FORMAL. 1. A Constituição do Brasil, ao conferir aos Estados-membros a capacidade de auto-organização e de autogoverno (artigo 25, caput), impõe a observância compulsória de vários princípios, entre os quais o pertinente ao processo legislativo, de modo que o legislador estadual não pode validamente dispor sobre matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Executivo. 2. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente” (RTJ 195/19).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N.º 11.830, DE 16 DE SETEMBRO DE 2002, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. ADEQUAÇÃO DAS ATIVIDADES DO SERVIÇO PÚBLICO ESTADUAL E DOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PÚBLICOS E PRIVADOS AOS DIAS DE GUARDA DAS DIFERENTES RELIGIÕES PROFESSADAS NO ESTADO. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 22, XXIV; 61, § 1.º, II, C; 84, VI, A; E 207 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. No que toca à Administração Pública estadual, o diploma impugnado padece de vício formal, uma vez que proposto por membro da Assembleia Legislativa gaúcha, não observando a iniciativa privativa do Chefe do Executivo, corolário do princípio da separação de poderes. Já, ao estabelecer diretrizes para as entidades de ensino de primeiro e segundo graus, a lei atacada revela-se contrária ao poder de disposição do Governador do Estado, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento de órgãos administrativos, no caso das escolas públicas; bem como, no caso das particulares, invade competência legislativa privativa da União. Por fim, em relação às universidades, a Lei estadual n.º 11.830/2002 viola a autonomia constitucionalmente garantida a tais organismos educacionais. Ação julgada procedente” (RTJ 191/479).

“(...) III - Independência e Separação dos Poderes: processo legislativo: iniciativa das leis: competência privativa do Chefe do Executivo. Plausibilidade da alegação de inconstitucionalidade de expressões e dispositivos da lei estadual questionada, de iniciativa parlamentar, que dispõem sobre criação, estruturação e atribuições de órgãos específicos da Administração Pública, criação de cargos e funções públicos e estabelecimento de rotinas e procedimentos administrativos, que são de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II, e), bem como dos que invadem competência privativa do Chefe do Executivo (CF, art. 84, II). (...)” (STF, MC-ADI 2.405-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 06-11-2002, m.v., DJ 17-02-2006, p. 54).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa, vez que o projeto de lei foi apresentado por um parlamentar, embora trate de matéria típica de Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na Administração Pública estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro. Afronta ao disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da Constituição do Brasil. 3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a elaboração da lei orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso III, da Constituição de 1988. 4. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais preceitos dá-se por arrastamento. 5. Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul” (RTJ 200/1065).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE ORIGEM PARLAMENTAR. ORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO. VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA. As regras previstas na Constituição Federal para o processo legislativo aplicam-se aos Estados-membros. Compete exclusivamente ao Governador a iniciativa de leis que cuidem da estruturação e funcionamento de órgãos vinculados ao Poder Executivo (CF, artigos 61, § 1º, II, ‘e’; e 144, § 6º). Precedentes. Inconstitucionalidade da Lei 10890/01, do Estado de São Paulo. Ação julgada procedente” (STF, ADI 2646-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 23-05-2003, p. 30).

“CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CRIAÇÃO DE ÓRGÃOS PÚBLICOS. INICIATIVA LEGISLATIVA RESERVADA. C.F., art. 61, § 1º, II, a, c e e, art. 63, I; Lei 13.145/2001, do Ceará, art. 4º; Lei 13.155/2001, do Ceará, artigos 6º, 8º e 9º, Anexo V, referido no art. 1º. I. - As regras do processo legislativo, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros. Precedentes do STF. II. - Leis relativas à remuneração do servidor público, que digam respeito ao regime jurídico destes, que criam ou extingam órgãos da administração pública, são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo. C.F., art. 61, § 1º, II, a, c e e. III. - Matéria de iniciativa reservada: as restrições ao poder de emenda - C.F., art. 63, I - ficam reduzidas à proibição de aumento de despesa e à hipótese de impertinência de emenda ao tema do projeto. Precedentes do STF. IV - ADI julgada procedente” (STF, ADI 2.569-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 19-03-2003, v.u., DJ 02-05-2003, p. 26).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.835/2001 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. INCLUSÃO DOS NOMES DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS INADIMPLENTES NO SERASA, CADIN E SPC. ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA DE ESTADO DA FAZENDA. INICIATIVA DA MESA DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da Administração Estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de Decreto do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e e art. 84, VI, a da Constituição federal). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada” (STF, ADI 2.857-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30-08-2007, v.u., DJe 30-11-2007).

7.                Além disso, a norma impugnada ofende a autonomia dos Poderes Executivo e Legislativo do Município ao incluir entre os atores do processo legislativo e condicionando a vontade destes a órgão que é subalterno ao próprio Poder Executivo e estranho ao Poder Legislativo.

8.                Caracteriza-se, portanto, agressão ao princípio da divisão funcional do poder (separação de poderes).

9.                Face ao exposto, opino pela procedência da ação.

                   São Paulo, 19 de setembro de 2014.

 

 

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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