Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 2125648-68.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Alumínio

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Alumínio

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 1737, de 02 de junho de 2014, do Município de Alumínio. Vedação ao nepotismo.

2)      Parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a constituição estadual (art. 125, § 2º, CF), razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas da Lei Orgânica do Município

3)      Ato normativo que cria hipóteses de infração político-administrativa. Alegação de invasão de competência legislativa reservada à União. Crimes de responsabilidade próprios cuja definição está a cargo do legislador federal. Desrespeito à repartição das competências legislativas e, em consequência, ao princípio federativo, autorizando o reconhecimento da inconstitucionalidade por violação dos arts. 1º e 144 da Constituição Bandeirante. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade do artigo 1º da lei local impugnada.

4)      Inconsistência da alegação de afronta ao artigo 47, inciso II, da Constituição Estadual e do artigo 37 da Constituição Federal. Lei local cuja correta interpretação exclui os Diretores de Departamento, que ostentam a qualidade de agente político, semelhantes aos Secretários Municipais, da vedação de serem nomeados para o cargo quando parentes ou cônjuges do Prefeito, Vice Prefeito, Presidente da Câmara e Vereadores. Ausência de afronta à Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Alumínio, tendo como alvo a Lei Municipal nº 1.737, de 02 de junho de 2014, de Alumínio, que, “disciplina a proibição do nepotismo no âmbito do Município de Alumínio”.

2.                Sustenta o requerente, em síntese, a existência de inconstitucionalidade por: (a) invasão da competência normativa da União, alegando ofensa ao artigo 22, inciso I, da Constituição Federal; (b) desrespeito à Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal; (c) ofensa ao artigo 37 da Constituição da República, uma vez que a lei conteria proibições excessivas; (d) violação ao artigo 47, inciso II, da Constituição Estadual, pois, inserindo-se o cargo de diretor municipal no rol dos cargos políticos, o ato normativo impugnado seria incompatível com o dispositivo segundo o qual compete ao Governador exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual; (e) afronta à Lei Orgânica do Município; (e) ofensa ao princípio do Estado de Direito, que exigiria que “as normas legais sejam formuladas de forma clara e precisa, permitindo que os seus destinatários possam prever e avaliar as consequências jurídicas de seus atos”.

3.                A medida liminar requerida foi indeferida, sob o argumento de que a lei impugnada não vedaria que Diretores de Departamento, situados na categoria de Agentes Políticos e, portanto, não atingidos pela vedação do nepotismo, sejam cônjuges ou parentes do Prefeito (fls. 136/142).

4.                Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado, reputando-o de interesse meramente local (fls. 152/154).

5.                O Presidente da Câmara Municipal de Alumínio prestou informações, sustentando a constitucionalidade da lei local objurgarda (fls. 156/162).

6.                É a síntese necessária.

7.                O parecer é pela parcial procedência da ação.

8.                A Lei nº 1737, de 02 de junho de 2014, tem a seguinte redação:

“Art. 1º A não observância à presente lei constitui infração político administrativa, nos termos da Lei Orgânica do Município de Alumínio.

Art. 2º Fica proibida a nomeação e manutenção em empregos públicos de livre nomeação, nos poderes Legislativo e Executivo do Município de Alumínio do cônjuge e parente das pessoas que ocupem os cargos e empregos públicos a seguir elencados: (g.n.)

I - Prefeito

II - Vice Prefeito

III - Presidente da Câmara

IV - Vereadores

V - Diretores de Departamento

§ 1º - Também ficam proibidas nomeações recíprocas, mediante ajustes, entre o Legislativo e Executivo do Município de Alumínio.

§ 2º - A proibição de que trata o caput deste Artigo, estender-se-á para qualquer emprego público, independente de sua nomenclatura.

§ 3º - Infringe também a presente Lei, o agente público que tendo o dever legal de respeitar a legislação municipal aceita ou se mantém no emprego ou cargo.

Art. 3º - Para fins desta lei considera-se:

I - Emprego público de livre nomeação: aquele que, independente de sua denominação, tem como requisito de provimento a livre nomeação pelo Prefeito, Presidente da Câmara ou por quem mais goze desta prerrogativa, para exercício e atribuição de direção, chefia ou assessoramento.

II - Parente: a pessoa que mantém laços familiares, consanguíneos, por adoção ou por afinidade, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.

III - Cônjuge: a pessoa que mantém relações afetivas com a outra, independente de sexo, de coabitação e da existência de vínculos formais.

Art. 4º - Cabe a qualquer cidadão que comprove domicílio eleitoral no Município de Alumínio a denúncia de situação contrária à presente Lei.

§ 1º - Protocolada na Secretaria Legislativa da Câmara Municipal, obedecendo, portanto as regras regimentais será recebida e lida no expediente de sessão ordinária salvo se, esta se realizar no mesmo dia do protocolo, independente de horário.

§ 2º - O procedimento de denúncia de que trata este artigo obedecerão as normais gerais de direito e ao regimento interno, complementado se necessário.

Art. 5º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando disposições em contrário.”

 

9.                Por primeiro, cumpre observar que o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual, consoante dispõe o art. 125, § 2º, da Constituição Federal, razão pela qual se afigura inidôneo o seu contraste com normas da Lei Orgânica do Município.

10.              Feita essa observação com o objetivo de afastar do presente exame a alegação de violação da Lei Orgânica do Município de Alumínio, há de se reconhecer que o autor tem razão quando alega a inconstitucionalidade do artigo 1º da lei impugnada por invasão da competência normativa da União prevista no artigo 22, inciso I, da Constituição Federal, in verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”

11.              Prefeitos cometem crimes comuns e crimes de responsabilidade.

12.              Crimes comuns são os previstos na legislação penal.

13.              Crimes de responsabilidade são aqueles definidos no Decreto-lei nº 201/67, subdividindo-se em impróprios (definidos no art. 1º, apenados com restrição de liberdade) e em próprios (definidos no art. 4º, sancionados com a perda do mandato).

14.              Os crimes próprios são infrações político-administrativas, que devem ser apreciadas pela Câmara dos Vereadores e que, na tradição do direito brasileiro, são denominados crimes de responsabilidade (MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, p. 283). 

15.              A questão, inclusive, foi pacificada pelo E. STF, que editou a respeito a súmula nº 722, do seguinte teor: “São da competência legislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.  

16.              Vários foram os precedentes que justificaram a edição da mencionada súmula, em Sessão Plenária do E. STF, de 26/11/2003 (cf. DJ de 9/12/2003, p. 1; DJ de 10/12/2003, p. 1; DJ de 11/12/2003, p. 1.).  Entre tais julgados, podemos ressaltar os seguintes: ADI 1628 MC, DJ de 26/9/1997, RTJ 166/147; ADI 2050 MC, DJ de 1º/10/1999, RTJ 171/807; ADI 2220 MC, DJ de 7/12/2000, RTJ 176/199; ADI 1879 MC, DJ de 14/5/2001, RTJ 177/712; ADI 2592, DJ de 23/5/2003; ADI 1901, DJ de 9/5/2003.

17.              Em cada um desses precedentes ficou claro o posicionamento da Suprema Corte no sentido de que cabe ao legislador federal tipificar as infrações político-administrativas e traçar as normas para o respectivo processo e julgamento.

18.              Deste modo, a legislação municipal que trata de tais temas é inconstitucional, devendo seu vício ser reconhecido por esse E. Órgão Especial, em sede de controle concentrado de normas.

19.              Necessário recordar que, de conformidade com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

20.              Desse dispositivo se extrai que os princípios estabelecidos pela Constituição Federal são de observância obrigatória pelos Estados e Municípios.

21.              A mesma ideia pode ser extraída do art. 29, caput, da Constituição Federal, que determina que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado, e os seguintes preceitos”.

22.              A repartição constitucional de competências entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios é um dos elementos que, de modo concreto, delimita e caracteriza o princípio federativo, sendo certo que este é um dos princípios fundamentais ou estabelecidos pela Constituição Federal, ditando, pois, o exato perfil do Estado Brasileiro.

23.              Traçando esse parâmetro, é viável afirmar que o princípio federativo, por força do art. 1º e 18º da CR/88, por remissão do art. 144 da Constituição do Estado, bem ainda por expressa previsão no art. 1º da própria Carta Bandeirante, é de observância obrigatória, permitindo o controle abstrato de normas no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado.

24.              Atos normativos que violam a repartição constitucional de competências desrespeitam não apenas regras relativas à divisão do poder de editar normas infraconstitucionais, mas desautorizam diretamente uma das opções fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, o próprio princípio federativo.

25.              Nesse ponto, é relevante anotar que esse Tribunal de Justiça acolhe, com tranquilidade, a tese de que é possível declarar a inconstitucionalidade de lei municipal por violação do princípio da repartição de competências estabelecido na Constituição Federal, como comprova a ADI 130.227.0/0-00, j. 21.08.07, rel. Des. Renato Nalini. Do voto do Des. Walter de Almeida Guilherme se extrai definitiva lição sobre o tema:

“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I, denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito...’.

26.              Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.

27.              O artigo 1º da lei local impugnada é, portanto, incompatível com o artigo 144 da Constituição Estadual.

28.              Quanto às demais alegações do Senhor Prefeito Municipal, a razão não lhe assiste.

29.              De fato, conforme argutamente ponderado pelo eminente relator em sua decisão que indeferiu a liminar, “O objetivo principal da medida pleiteada pelo proponente é de imediato retirar a eficácia da Lei Municipal nº 1.737, de 2 de junho último, no que concerne aos Diretores de Departamento”.

30.              Ora, sabe-se que, em pequenos municípios, como é o caso do de Alumínio, não há, na estrutura administrativa do Poder Executivo, Secretários Municipais, cujas funções, no mais das vezes, são exercidas pelos chamados Diretores de Departamento.

31.              Não obstante a nomenclatura do cargo, os Diretores de Departamento – forçoso convir - agem e funcionam como verdadeiros Secretários Municipais, tratando-se de agentes políticos de livre escolha do Prefeito Municipal.

32.              E uma vez que a natureza do cargo é de agente político, inarredável a conclusão de que os Diretores não são atingidos pela vedação imposta pela Súmula Vinculante 13 do C. Supremo Tribunal Federal.

33.              Se isso não bastasse, como bem observado pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator, a atenta leitura e a boa interpretação da lei não permitem concluir que os Diretores de Departamento, situados na categoria de Agentes Políticos, que atuam como auxiliares diretos do Prefeito, como se Secretários Municipais fossem, estejam abrangidos pelas valorosas vedações instituídas pelo ato normativo impugnado.

34.              Com efeito, a lei proíbe a nomeação e manutenção em empregos públicos de livre nomeação, do cônjuge e parente das pessoas que ocupem os cargos e empregos públicos de Prefeito, Vice Prefeito, Presidente da Câmara, Vereadores e Diretores de Departamento.

35.              Por outras palavras, os Diretores de Departamento, tal como o Prefeito, Vice Prefeito, Presidente da Câmara e Vereadores não podem nomear como seus subalternos cônjuges ou parentes, o que não quer dizer não possam eles ser nomeados sendo cônjuges ou parentes do Prefeito.

36.              Assim, são inconsistentes as alegações de que a norma local ofendeu os artigos 47, inciso II, da Constituição Estadual, o artigo 37 da Constituição Federal e o Estado Democrático de Direito.

37.              Posto isso, e considerando que a vedação ao nepotismo, que decorre dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade (art. 37, caput da CR; art. 111 da Constituição Paulista), possui eficácia plena e imediata, o que, em tese, não impede que o legislador municipal imponha ainda maiores restrições à nomeação de parentes para cargos em comissão e funções de confiança, o parecer é no sentido da parcial procedência da ação, unicamente para declarar inconstitucional o artigo 1º da lei municipal impugnada.

São Paulo, 09 de outubro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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