Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 2126303-40.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Campinas

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 7.390, de 21 de dezembro de 1992, de Campinas, fruto de iniciativa parlamentar, que “Cria o Jardim Botânico Municipal, com o objetivo de preservar e prover a botânica sistemática existente, e dá outras providências”.

2)      Violação da reserva de iniciativa do Poder Executivo para a criação de órgão na Administração Pública (art. 24, § 2º, n. 2 da Constituição Paulista).

3)      Violação da regra da separação de poderes, ou seja, da denominada “reserva de administração”. Precedentes. Contrariedade aos artigos 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Paulista.

4)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Senhor Prefeito Municipal de Campinas, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.390, de 21 de dezembro de 1992, fruto de iniciativa parlamentar, que “Cria o Jardim Botânico Municipal, com o objetivo de preservar e prover a botânica sistemática existente, e dá outras providências”.

Assinala a inconstitucionalidade por vício de iniciativa, quebra do princípio da separação de poderes.

Aponta a ofensa aos artigos 5º, 24, § 2º, n. 2, 25, 47, II, XI e XIV, 111, 144, 174, I, II e III, 176, I, 180, II e 191, todos da Constituição do Estado de São Paulo. Registra ainda a ofensa à Constituição Federal bem como a dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei Orgânica do Município.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 43/44).

A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls. 77/79), limitando-se a relatar o processo de aprovação do projeto de lei.

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls. 68/70, 75).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: LIMITES DA COGNIÇÃO DO TRIBUNAL EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL

Cumpre registrar que, tratando-se de ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em face da Constituição do Estado, não podem ser examinadas as alegações de conflito entre a lei impugnada e outras leis municipais, estaduais ou federais, bem como entre ela e a Constituição Federal.

Em outros termos, apenas a Constituição do Estado é parâmetro válido, no âmbito do processo objetivo perante o Tribunal de Justiça, para exame da inconstitucionalidade ou não da lei municipal.

Nesses limites será feira a análise da alegada inconstitucionalidade.

MÉRITO

A Lei Municipal nº 7.390, de 21 de dezembro de 1992, fruto de iniciativa parlamentar, que “Cria o Jardim Botânico Municipal, com o objetivo de preservar e prover a botânica sistemática existente, e dá outras providências”, cuja cópia se encontra às fls. 21/24, cuidou de criar órgão público, definir seu campo de atuação e suas atribuições.

Pois bem.

O que se observa do texto da lei hostilizada é que ela verdadeiramente cuidou de criar órgão público, definir seu campo de atuação e suas atribuições.

Nesse sentido, nítida a ofensa ao art. 24, § 2º, n. 2 da Constituição do Estado de São Paulo (reprodução do art. 61, § 1º, II, “e” da CF), pois houve criação de órgão público por lei de iniciativa parlamentar.

A jurisprudência do STF é clara nesse sentido, conforme os precedentes abaixo transcritos, aplicáveis ao caso mutatis mutandis:

“(...)

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei alagoana 6.153, de 11-5-2000, que cria o programa de leitura de jornais e periódicos em sala de aula, a ser cumprido pelas escolas da rede oficial e particular do Estado de Alagoas. Iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo estadual para legislar sobre organização administrativa no âmbito do Estado. Lei de iniciativa parlamentar que afronta o art. 61, § 1º, II, e, da CR, ao alterar a atribuição da Secretaria de Educação do Estado de Alagoas. Princípio da simetria federativa de competências. Iniciativa louvável do legislador alagoano que não retira o vício formal de iniciativa legislativa.” (ADI 2.329, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 14-4-2010, Plenário, DJE de 25-6-2010.)

"Ação direta de inconstitucionalidade. EC 35/2005 do Estado do Rio de Janeiro, que cria instituição responsável pelas perícias criminalística e médico-legal. Inconstitucionalidade formal: matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Violação, pelo poder constituinte decorrente, do princípio da separação de poderes, tendo em vista que, em se tratando de emenda à Constituição estadual, o processo legislativo ocorreu sem a participação do Poder Executivo." (ADI 3.644, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 12-6-2009.)

"Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.835/2001 do Estado do Espírito Santo. Inclusão dos nomes de pessoas físicas e jurídicas inadimplentes no Serasa, Cadin e SPC. Atribuições da Secretaria de Estado da Fazenda. Iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa. Inconstitucionalidade formal. A Lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da administração estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de decreto do chefe do Poder Executivo (...). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada." (ADI 2.857, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30-8-2007, Plenário, DJ de 30-11-2007.)

  "Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue (COFISAN), órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.

"Lei do Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do Pólo Estadual da Música Erudita. Estrutura e atribuições de órgãos e secretarias da administração pública. Matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Ação julgada procedente." (ADI 2.808, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 24-8-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006.)

(g.n.)

"Lei de iniciativa do Ministério Público. (...) O texto normativo criou novo órgão na administração pública estadual, composto, entre outros membros, por dois Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro. Afronta ao disposto no art. 61, § 1º, II, alínea e, da Constituição do Brasil." (ADI 603, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 17-8-2006, Plenário, DJ de 6-10-2006.)

 "Lei 10.238/1994 do Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do programa estadual de iluminação pública, destinado aos Municípios. Criação de um conselho para administrar o programa. (...) Vício de iniciativa, vez que o projeto de lei foi apresentado por um parlamentar, embora trate de matéria típica de administração. O texto normativo criou novo órgão na administração pública estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro." (ADI 1.144, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 16-8-2006, Plenário, DJ de 8-9-2006.)

"Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou órgão da administração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana de São Paulo-CTM): inconstitucionalidade." (ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-2002, Plenário, DJ de 7-6-2002.)

Não bastasse isso, trata-se nitidamente de ato normativo que veicula deliberação administrativa, ao delimitar os espaços físicos em que funcionará o órgão por ela criado.

Nesse passo, é possível afirmar que invadiu a lei o campo da denominada “reserva de administração”, que é manifestação do princípio da separação de poderes, limitando-se a iniciativa, dessa forma, ao próprio Chefe do Poder Executivo.

A propósito da chamada “reserva de administração” já afirmou o STF, em julgados cuja essência, mutatis mutandis, aplica-se ao caso ora examinado, o que segue:

“(...)

“O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.” (RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)

Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do chefe do Poder Executivo Distrital na condução da administração pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público.” (ADI 3.343, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 1º-9-2011, Plenário, DJE de 22-11-2011.)

(...)” (g.n.)

É inequívoca, portanto, a contrariedade aos artigos 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

Despicienda a alegação do requerente de contrariedade ao art. 25 da Constituição Paulista, visto que a falta dos recursos levaria apenas à impossibilidade de execução da lei no próprio exercício financeiro, e não à sua inconstitucionalidade, como já assentou o STF (ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003).

Impossível, ademais, acolher-se a alegação de ofensa aos artigos 174, I, II e III, 176, I, 180, II e 191 da Constituição do Estado de São Paulo.

O diploma sob exame não se enquadra no âmbito da legislação orçamentária, não havendo ofensa ao artigo 174, I, II e III da Constituição Paulista.

Não se cuida, por outro lado, de legislação que tenha criado programa de governo, sendo inviável afirmar-se a inconstitucionalidade, em função disso, pela alegada contrariedade ao art. 176, I da Constituição Paulista.

Também não se trata de lei que tenha alterado o zoneamento ou criado programa ambiental, razão pela qual não se pode acolher a alegação de ofensa aos artigos 180, II e 191 da Constituição Paulista.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.390, de 21 de dezembro de 1992, de Campinas, pelos motivos anteriormente averbados.

São Paulo, 18 de novembro de 2014.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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