Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2133878-02.2014.8.26.0000

Requerente: Associação dos Agentes de Fiscalização de Guarulhos

Requerido: Presidente da Câmara Municipal e Prefeito Municipal de Guarulhos

 

 

Ementa:

 

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Inciso II do art. 1º da Lei nº 7.264, de 08 de maio de 2014, do Município de Guarulhos, que determinou o parcelamento do reajuste geral dos vencimentos dos servidores municipais, cuja referência salarial seja superior a R$ 2.500,00.

2.      A revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo deve ter identidade de datas e índices. Violação dos arts. 115, XI e 144 da Constituição Estadual.

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Agentes de Fiscalização de Guarulhos, tendo como alvo o inciso II do art. 1º da Lei nº 7.264, de 08 de maio de 2014, do Município de Guarulhos, que determinou o parcelamento do reajuste geral dos vencimentos dos servidores municipais, cuja referência salarial seja superior a R$ 2.500,00.

A liminar foi deferida com efeito ex tunc para suspender a vigência e a eficácia do dispositivo legal impugnado.

Regularmente notificado a fls. 48, o Prefeito Municipal apresentou informações a fls. 64/71, oportunidade em que levantou a preliminar de perda do objeto, em virtude de ter a lei já produzidos seus efeitos, postulando a extinção do processo com base no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. No mérito, sustentou a validade do ato normativo questionado.

O Presidente da Câmara Municipal, notificado a fls. 46, apresentou informações a fls. 57/62, asseverando a validade do dispositivo impugnado. Em linhas gerais, considerou que o fracionamento dos índices da revisão anual não afronta a Constituição Estadual, pois o momento de apuração do índice de reajuste remuneratório a ser concedido aos servidores públicos municipais foi único, na mesma data.

Citado regularmente (fl. 55), o douto Procurador Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 50/52)

Nestas condições, vieram os autos para manifestação final.

DA PRELIMINAR

A preliminar de carência de ação pela falta de interesse de agir (perda do objeto), deve ser afastada, uma vez que inconsistente.

Embora o dispositivo legal impugnado tenha já produzido seus efeitos em relação à atualização dos vencimentos dos servidores públicos, a questão reside na constitucionalidade do estabelecimento de datas distintas para a vigência da revisão salarial anual, o que importa em tratamento diferenciado e prejudicial à parte do funcionalismo municipal.

Por este motivo, presente o interesse de agir.

NO MÉRITO

O inciso II do artigo 1º da Lei Municipal nº 7.264, de 08 de maio de 2014, do Município de Guarulhos, prevê o seguinte:

“Art. 1º Os salários, vencimentos, proventos de aposentadoria, subsídios e pensões, vigentes em 30 de abril de 2014 dos cargos e empregos públicos da Administração Direta e Indireta e da Câmara Municipal de Guarulhos, em atendimento ao disposto no artigo 37, X, da Constituição Federal e do que lhe corresponde na Lei Orgânica do Município de Guarulhos ficam reajustados em 6,78% (seis inteiros e setenta e oito centésimos percentuais), com vigência e aplicação da seguinte forma:

I - os salários, vencimentos, proventos de aposentadorias, subsídios e pensões devidos em abril de 2014 baseados em referências salariais de até R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) a aplicação do índice dar-se-á de forma integral com vigência a partir de 1º de maio de 2014;

II - os salários, vencimentos, proventos de aposentadorias, subsídios e pensões devidos em abril de 2014 baseados em referências salariais superiores a R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) a aplicação do índice dar-se-á de forma parcelada, como segue:

a) 3,78% (três inteiros e setenta e oito centésimos percentuais) sobre salários, vencimentos, proventos de aposentadorias, subsídios e pensões devidos em abril de 2014 com vigência a partir de 1º de maio de 2014; e,

b) 3,0% (três inteiros pontos percentuais) sobre salários, vencimentos, proventos de aposentadorias, subsídios e pensões devidos em abril de 2014 com vigência a partir de 1º de agosto de 2014”

 O ato normativo impugnado contraria frontalmente os arts. 115, XI e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal e que estabelecem o seguinte:

“Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI - a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”.

No que diz respeito à revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos tratada pela Lei Municipal nº 7.264, de 08 de maio de 2014, de Guarulhos, verifica-se da exposição de motivos do respectivo Projeto de Lei que há alusão à reposição salarial, reposição da inflação, tendo como objetivo restituir o poder aquisitivo dos vencimentos percebidos pelos servidores.

Assim como a Constituição Federal, a Constituição Estadual assegura aos servidores públicos o direito à revisão geral anual da remuneração sem qualquer distinção em relação às datas e índices adotados (art. 115, XI, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal).

Ainda que os índices referentes à revisão anual da remuneração (6,78%) dos servidores públicos tenham sidos idênticos, não se pode dizer o mesmo em relação à respectiva vigência.

Para os servidores com piso salarial de até R$ 2.500,00, o índice de 6,78%, além de concedido integralmente, teve vigência a partir de 1º de maio de 2014, enquanto que para os servidores com piso salarial superior àquele valor, estabeleceu-se fracionamento da incidência do índice de reposição salarial, sendo 3,78% com vigência a partir de 1º de maio de 2014 e 3,0% com vigência a partir de 1º de agosto de 2014.

A garantia constitucional da revisão anual na mesma data exige não só identidade da data base da categoria para fins de recuperação do valor da remuneração, mas também a vigência temporal idêntica para a percepção dos novos vencimentos.

Desta forma, a vigência diferenciada dos fracionamentos contraria a norma constitucional na medida em que os servidores não contemplados com a integralidade do reajuste receberão nos meses de maio, junho e julho remuneração inferior àquela que teriam direito se observada a regra constitucional.

A revisão geral anual, como se infere do art. 115, XI, da Constituição Estadual, é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos.

Lícito, portanto, concluir a incompatibilidade do inciso II do artigo 1º da Lei Municipal nº 7.264/2014, em razão do tratamento não isonômico conferido aos servidores públicos em relação à vigência da recomposição salarial decorrente da revisão anual.

Importante ressaltar que, com a declaração da inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado, ficará assegurada a revisão anual no índice integral estabelecido no caput do art. 1º da Lei Municipal nº 7.264/2014, cuja vigência será a da publicação da lei (08 de maio de 2014) - o que é benéfico aos servidores excluídos da incidência do índice a partir de 1º de maio, haja vista impossibilidade do Poder Judiciário em sede de controle abstrato de constitucionalidade atuar como legislador positivo.

Diante do exposto, aguarda-se a integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso II do artigo 1º da Lei nº 7.264, de 08 de maio de 2014, do Município de Guarulhos.

 

                 São Paulo, 21 de outubro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

 

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