Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2137757-17.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Serrana

Objeto: inconstitucionalidade da Lei nº 1.639, de 28 de abril de 2014, do Município de Serrana

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 1.639, de 28 de abril de 2014, do Município de Serrana. Remuneração de servidor público. Gratificação. Iniciativa parlamentar. Violação ao princípio de separação dos poderes. Iniciativa reservada. Procedência. 1. A instituição, alteração, extensão ou extinção de vantagem pecuniária aos servidores públicos é matéria inserida na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 1 e 4, Constituição Estadual). 2. Inexistência de ofensa da lei objurgada ao art. 47, II e XIV da CE, ante a necessária observância ao princípio da reserva legal no que tange à edição de norma disciplinadora de regime de servidores públicos (art. 111, CE).

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei nº 1.639, de 28 de abril de 2014, de iniciativa parlamentar, do Município de Serrana, que concede a servidores públicos adicional de insalubridade, sob alegação de contrariedade aos arts. 5º; 24, § 2º, 4; e 47, II e XIV, todos da Constituição Estadual (fls. 01/08).

2.                Concedida liminar (fl. 20/21), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 34/36), e foram prestadas informações pelo presidente da Câmara Municipal defendendo a constitucionalidade da lei impugnada (fls. 30/32).

3.                É o relatório.

4.                Ante os fatos apresentados no curso desta exordial, a ação deve ser julgada procedente.

5.                A lei local contestada é de iniciativa parlamentar, vício que a macula ab ovo, porquanto a matéria em comento se encontra na iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo, ex vi do disposto no art. 24, § 2º, 1 e 4, vez que institui adicional de insalubridade a servidores públicos pertencentes à Administração direta e indireta.

6.                Acerca da temática alhures, cumpre consignar que a instituição de vantagem pecuniária e sua disciplina, devida aos servidores públicos, é matéria inserida na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 1 e 4, Constituição Estadual).

7.                Neste sentido, se pronuncia em coro a jurisprudência:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 740/2003, do Estado do Amapá. Competência legislativa. Servidor Público. Regime jurídico. Vencimentos. Acréscimo de vantagem pecuniária. Adicional de Desempenho a certa classe de servidores. Inadmissibilidade. Matéria de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo. Usurpação caracterizada. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, alínea ‘a’, da CF, aplicáveis aos estados. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar, conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores públicos” (STF, ADI 3.176-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 30-06-2011, v.u., DJe 05-08-2011).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, ‘a’ e ‘c’ c/c artigos 2º e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente” (STF, ADI 1.353-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 16-05-2003, p. 89).

8.                Nesse diapasão, a inobservância da aludida iniciativa legislativa insculpida no texto constitucional demonstra a descabida ingerência do Parlamento em matéria cuja deflagração fora outorgada exclusivamente ao Chefe do Executivo, fato este que denota ofensa ao consagrado princípio da separação de poderes (art. 5º, CE).

9.                Por fim, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei objurgada em face do art. 47, II e XIV da CE, conforme ventilado pelo autor em sua peça inaugural.

10.              Isso porque, embora a iniciativa de ato normativo desse jaez seja da competência exclusiva do Chefe do Executivo local (art. 24, §2º, 1 e 4), tal fato não afasta a exigência de edição de lei em sentido estrito para regulamentar a matéria.

11.              Acaso houvesse ofensa ao citado artigo, estar-se-ia sustentando a capacidade autônoma do Prefeito em instituir normas à mingua de ato legislativo anterior, o que não se permite desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que sepultou a possibilidade de edição do malfadado Decreto autônomo, em razão da observância imperiosa do princípio da reserva legal no trato de questões públicas, dentre as quais se inclui o regime de servidores e vantagens por eles percebidas (art. 37, CF; art. 111, CE).

12.              Isto posto, opino pela procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 1.639, de 28 de abril de 2014, do Município de Serrana, por sua incompatibilidade com o art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 03 de outubro de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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