Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 2140689-75.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Chavantes

Requeridos: Presidente da Câmara Municipal de Chavantes

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 127, de 25 de junho de 2012, de chavantes. gratificação por assiduidade. violação aos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade e da razoabilidade. 1.  A concessão de gratificação a servidores públicos que considera como critério objetivo atributo intrínseco ao exercício de qualquer função pública, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público. 2. Constituição Estadual: artigos 111 e 128.

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

  Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito Municipal de Chavantes impugnando os arts. 43, 44 e 45 da Lei Complementar n. 127, de 25 de junho de 2012, de Chavantes, por violação ao art. 111 da Constituição Estadual, em especial aos princípios da isonomia, da moralidade e da razoabilidade (fls. 01/09).

Foi indeferida a liminar (fls. 129/130).

A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma contestada (fls. 140/142).  

O Presidente da Câmara Municipal apresentou informações e documentos, defendendo a constitucionalidade dos atos normativos impugnados (fl. 144/290).

O Prefeito Municipal de Chavantes interpôs agravo regimental em face da decisão que indeferiu o pedido liminar (fls. 292/297), recurso o qual foi desprovido (fls. 303/306).

É o relatório.

A ação merece procedência.

As vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

 Se tradicional ensinança assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

Ademais, oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo) que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, e compreende as seguintes espécies: “de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).        

        Patente a inconstitucionalidade dos arts. 43, 44 e 45 da Lei Complementar n. 127, de 25 de junho de 2012, do Município de Chavantes, que instituem uma gratificação mensal de assiduidade aos profissionais do magistério, aos quais são atribuídas as funções de ministrar aulas e planejar a educação básica.

         O art. 44 da lei impugnada estabelece que os critérios para a concessão da gratificação serão os constantes no Anexo V. Assim prevê o mencionado Anexo:

ANEXO V

CRITÉRIOS PARA A CONCESSÃO DE GRATIFICAÇÃO

Critério: Assiduidade

Porcentual Mensal

Base de Aplicação

Aos professores pertencentes à rede de Ensino Municipal

%

Sob o piso do quadro de servidores municipais na função exercida

Número de faltas

-

-

0

10%

-

Acima de 01

0%

-

 

De fato, o legislador estabeleceu como critérios para concessão de gratificação a assiduidade. Todavia, tal aspecto nada mais é do que atributo intrínseco ao exercício de qualquer função pública, não podendo, assim, ser considerado como critério para concessão da vantagem ora impugnada.

Qualquer que seja a fonte doutrinária adotada, entretanto, para o estudo da matéria, é possível chegar-se à percepção de que se não há uma razão peculiar, que vá além do simples exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de adicional ou gratificação.

Isso equivale, na prática, à fixação de benefício sem indicação de fundamento, e contraria, ademais, o disposto no art. 128 da Constituição do Estado, pelo qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, bem como os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

Desta forma, os dispositivos impugnados, ao criarem a gratificação mensal de assiduidade, valendo-se de atributo intrínseco ao desempenho de função pública, expõem a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário.

           Ademais, conferem indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheios aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos, conforme alude o artigo 128 da Constituição Bandeirante.

A instituição da gratificação por assiduidade aqui discutida não se conforma com a moral administrativa e com o interesse público.

A necessidade de verificar se a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos. No entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

Bem observa Wellington Pacheco Barros, destacado Professor e Desembargador:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

Acrescenta o citado jurista, que gratificação é “a vantagem pecuniária, de conteúdo precário, concedida ao servidor público como forma de contraprestação pelo exercício a mais daquele que lhe é atribuído pelo seu cargo”.

No caso em tela não há qualquer contraprestação especial ou extraordinária para que haja incidência e justificativa para a gratificação.

A instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

As gratificações criadas pelos atos normativos impugnados não atendem a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço, servindo apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados dos profissionais do magistério.

           Assim, fica evidente a transgressão aos princípios da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público cunhados nos artigos 111 e 128 da Constituição Paulista.

           Face ao exposto, opino pela procedência da ação.

 

São Paulo, 9 de dezembro de 2014.

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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