Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2149175-49.2014.8.26.0000

Requerente: Associação Mariliense de Transporte Urbano – AMTU Marília

Requeridos: Presidente da Câmara Municipal de Marília

                  Prefeito do Município de Marília

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.602, de 01 de abril de 2014, do Município de Marília, de iniciativa parlamentar, que altera o inciso II, art. 37 da Lei 7.166/2010, que dispõe sobre desconto do serviço de transporte coletivo urbano a estudantes e professores da urbe.

2)      A concessão de desconto ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo (art. 120, CE).

3)      O parâmetro constitucional ao prever a competência do órgão executivo competente para fixação da tarifa inclui alterações, isenções e congêneres, de sorte que a outorga de desconto por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes, apresenta vício de iniciativa e resta eivada de inconstitucionalidade, ainda, em razão da ausência de fonte de custeio para a cobertura de novel gasto público (art. 5º, 24, §2º, 25, 47, II, XIV, XIX, 120, 144 e 159, parágrafo único, Constituição Estadual). Procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Mariliense de Transporte Urbano – AMTU/Marília, em face da Lei nº 7.602, de 01 de abril de 2014, do Município de Marília, de iniciativa parlamentar, que alterou a redação do art. 37, inciso II da Lei nº 7.166/2010, a qual dispõe sobre o serviço de transporte coletivo urbano na municipalidade, estendendo o desconto de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da tarifa do aludido transporte a todos os estudantes das escolas constituídas na urbe, públicas ou privadas, e aos professores em exercício no Município (fls. 1/20).

Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, invasão de competência, violação ao princípio da separação dos poderes e ausência de indicação da respectiva fonte de custeio voltada a financiar os novos gastos públicos resultantes da medida (arts. 5º; 24, §2º; 25; 47, II, XIV, XIX; 120 e 144 da Constituição Estadual).

Após a concessão da liminar (fl. 342/343), o Presidente da Câmara Municipal de Marília apresentou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado, sustentando sua higidez à luz dos arts. 15, 39 e 41, I a IV, todos da Lei Orgânica do Município de Marília (fls. 365/368).

Posteriormente, o alcaide também se manifestou acerca do diploma objurgado, conforme se depreende da leitura das informações de fls. 372/374.

Regularmente citado, o Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 381/383).

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

É o relato do essencial.

De proêmio, insta consignar que as informações ofertadas pelo alcaide da municipalidade não merecem guarida.

Isso porque é assente na jurisprudência pátria o entendimento segundo o qual é defeso o exame abstrato de inconstitucionalidade, perante o Tribunal de Justiça do Estado, com fulcro em preceitos contidos em leis infraconstitucionais.

Por força do art. 125, § 2º, da Lei Fundamental de 1988, o contraste da norma municipal impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual, salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da Magna Carta (ou se trate de norma de observância obrigatória), revela-se inadmissível. Nesse sentido, confira-se o posicionamento do E. Supremo Tribunal Federal:

“FUNÇÃO CONSTITUCIONAL DO INSTRUMENTO RECLAMATÓRIO (RTJ 134/1033 - RTJ 166/785) - COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA PARA EXERCER O CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - A “REPRESENTAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE” NO ÂMBITO DOS ESTADOS-MEMBROS (CF, ART. 125, § 2º) - A QUESTÃO DA PARAMETRICIDADE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS, DE CARÁTER REMISSIVO, PARA FINS DE CONTROLECONCENTRADO DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS, PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - DOUTRINA - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O único instrumento jurídico revestido de parametricidade, para efeito de fiscalização concentrada de constitucionalidade de lei ou de atos normativos estaduais e/ou municipais, é, tão-somente, a Constituição do próprio Estado-membro (CF, art. 125, § 2º), que se qualifica, para esse fim, como pauta de referência ou paradigma de confronto, mesmo nos casos em que a Carta Estadual haja formalmente incorporado, ao seu texto, normas constitucionais federais que se impõem à observância compulsória das unidades federadas. Doutrina. Precedentes. - Revela-se legítimo invocar, como referência paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo, que, inscrita na Constituição Estadual, remete, diretamente, às regras normativas constantes da própria Constituição Federal, assim incorporando-as, formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento constitucional do Estado-membro. - Com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da expressa referência a elas feita, o “corpus” constitucional dessa unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se, como parâmetro de confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2º da Constituição da República, a própria norma constitucional estadual de conteúdo remissivo. Doutrina. Precedentes.” (Rcl 10.500 AgR/SP; Min. Celso de Mello. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Julgamento: 22/06/2011. DJe 28/09/2011).

Ou seja, tratando-se de processo objetivo, não é possível, também, defender em sede abstrata a higidez da norma à luz da legislação infraconstitucional (por exemplo, a Lei Orgânica do Município de Marília). Nesse sentido, confira-se a jurisprudência:

“A Constituição da República, em tema de ação direta, qualifica-se como o único instrumento normativo revestido de parametricidade, para efeito de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o STF. (...). O controle normativo abstrato, para efeito de sua válida instauração, supõe a ocorrência de situação de litigiosidade constitucional que reclama a existência de uma necessária relação de confronto imediato entre o ato estatal de menor positividade jurídica e o texto da CF. Revelar-se-á processualmente inviável a utilização da ação direta, quando a situação de inconstitucionalidade – que sempre deve transparecer imediatamente do conteúdo material do ato normativo impugnado – depender, para efeito de seu reconhecimento, do prévio exame comparativo entre a regra estatal questionada e qualquer outra espécie jurídica de natureza infraconstitucional, como os atos internacionais – inclusive aqueles celebrados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho – OIT” (STF, ADI-MC 1.347-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 05-10-1995, v.u., DJ 01-12-1995).

 

“Ação direta de inconstitucionalidade. Ato estatal e conteúdo de norma infraconstitucional. Precedente da Corte. 1. A pretensão de cotejo entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outra norma infraconstitucional não enseja ação direta de inconstitucionalidade, na linha de precedentes da Corte. 2. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-ADI 3.790-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, 29-11-2007, v.u., DJe 01-02-2008).

Portanto, não procede argumentação do Prefeito tende a sustentar a lisura da norma vergastada a partir da Lei Orgânica do Município de Marília, vez que, conforme já esposado, o parâmetro exclusivo do controle de constitucionalidade de lei municipal é a Constituição Estadual, sendo irrelevante para o seu desate o direito infraconstitucional.

No mérito, o pedido deve ser julgado procedente.

A Lei nº 7.602, de 01 de abril de 2014, do Município de Marília, de iniciativa parlamentar, que dá nova redação ao inciso II, art. 37 da Lei nº 7.166/2010, a qual dispõe sobre desconto no serviço de transporte coletivo urbano a estudantes e professores de escolas públicas e privadas, tem a seguinte redação:

“Artigo 1º: O inciso II no artigo 37, da Lei n. 7166, de 17 de agosto de 2010, passa a vigorar com a seguinte redação:

I – (...)

II – Oferecer passagens aos estudantes que cursem em estabelecimentos de ensino ou escolas regularmente constituídas, públicas ou privadas, de qualquer natureza, localizadas no Município de Marília e aos professores em exercício no Município, com desconto de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da tarifa, em grupos de 60 (sessenta) passagens mensais para cada interessado, mediante apresentação da carteirinha de estudante ou professor.”

Na questão em apreço, observa-se clara violação ao postulado da independência e harmonia entre os Poderes, assim como vício de iniciativa legislativa (arts. 5º, 24, §2º, 47, II, XIV e XIX, da Constituição Estadual).

Isso porque, a concessão de desconto ao pagamento de preço público (tarifa) pela prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo, nos termos do que dispõe o art. 120 da Constituição Estadual.

Ao prever no texto constitucional a competência do órgão executivo para fixação da tarifa, o que inclui alterações, isenções e congêneres, a outorga de qualquer desconto por ato normativo oriundo do Poder Legislativo, cuja iniciativa seja parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º, assim como padece de vício de iniciativa legislativa, ex vi do disposto nos arts. 24, §2º, e 47, II, XIV, XIX, todos da Carta Bandeirante.

Com efeito, imperioso ressaltar que o Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da Administração).

Assim, quando o Poder Legislativo edita lei estabelecendo hipóteses de desconto tarifário no transporte urbano coletivo, como ocorre no caso sub judice, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo, no caso em análise representados pela concessão de desconto tarifário nos serviços de transporte urbano coletivo. A atuação legislativa impugnada equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a garantia constitucional da separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

A importância da reserva da Administração é bem aquilatada pelo Supremo Tribunal Federal:

 “RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

Em casos similares ao examinado, este egrégio Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar com teor similar ao conscrito na lei objurgada:

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei do Município de Andradina, de iniciativa parlamentar, que concedeu isenção de tarifa de água e esgoto a aposentados - Violação à separação de Poderes - Matéria referente à tarifa e preço público pela remuneração dos serviços que é de competência do Executivo (art. 120, da CE) - Vício de iniciativa caracterizado - Ação procedente, para reconhecer a inconstitucionalidade da Lei 2.733, de 19 de setembro de 2011, do Município de Andradina. (TJSP, ADI 0256692-55.2011.8.26.0000, Rel. Des. Enio Zuliani, v.u., 23-05-2012).

 

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 5.448, de 6 de dezembro de 2012, do município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que instituiu a "carteira de transportes para professores". 1. Norma que dispõe sobre forma e modo de execução do programa que instituiu, sem definir a fonte orçamentária para tanto. 2. Vício de iniciativa, a configurar invasão de competência do chefe do Poder Executivo, incidindo igualmente no óbice da ausência de previsão orçamentária. 3. Ofensa, igualmente, aos princípios da isonomia e razoabilidade, na medida em que favorece determinada categoria de funcionários, em detrimento de outras em igualdade de condições laborais. 4. Ofensa à Constituição do Estado de São Paulo, especialmente os seus artigos 25, 47, II, XIV, XIX, "a", 120 e 144. 5. Julgaram procedente a ação, para declarar a inconstitucionalidade da Lei 5.448, de 6 de dezembro de 2012, do Município de Sumaré. (TJSP, ADI 014088091.2013.8.26.0000, Rel. Des. Vandeci Álvares, v.u., 15-01-2014).

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei n° 7.158/24.02.2010, do Município de Presidente Prudente, de iniciativa parlamentar e promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal após ser derrubado o veto do alcaide, que ‘Acrescenta mais um inciso no artigo 1º e dá nova redação ao § 1º do mesmo artigo da Lei Municipal n° 6.213 que regulamenta o passe gratuito aos portadores de deficiência’ - reserva-se exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo Municipal a iniciativade leis que, como a ora impugnada, disponham sobre o serviço de transporte coletivo, porquanto é dele, e privativa, a atribuição de disciplinar os serviços públicos municipais. inconstitucionalidade que também brota do ato normativo vergastado por não prever a fonte dos recursos que pagarão o transporte gratuito aos passageiros de que trata - violação dos artigos 5º, 25, 37, 47, II, 144, 174, I, II e III e 176, I, da Constituição Estadual – ação procedente” (TJSP, ADI 0142417-30.2010.8.26.0000, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 26-10-2011).

É conveniente se apropriar das considerações constantes de voto do eminente Desembargador Walter de Almeida Guilherme:

(....) Nesse sentido, a questão central da controvérsia assim se oferece: poderia lei de iniciativa parlamentar estabelecer que são beneficiadas com isenção do pagamento de tarifa no transporte coletivo urbano e referentemente a outras atividades do Poder Público de Mococa todas as pessoas que nela são mencionadas?

Já vimos que a Constituição Federal determina que a lei sobre concessão ou permissão de serviços públicos disporá, entre outras matérias, sobre política tarifária.

No âmbito da expressão política tarifária cabe evidentemente a estipulação da remuneração pela execução do serviço, incumbindo ao Poder Público fixar a tarifa a ser paga pelos usuários. Trata-se de preço público e, portanto, fica a sua fixação sob a competência do concedente. Adite-se que a fixação das tarifas é o verdadeiro molde do princípio do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão. Exatamente por isso, como escreve Hely Lopes Meirelles, em Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, SP, 1993, pág. 346, é necessária a sua revisão periódica para compatibilizá-la com os custos dos serviços, as necessidades de expansão, a aquisição de equipamentos e o próprio lucro do concessionário.

A esse respeito, por exemplo, como notado por José dos Santos Carvalho Filho, em Manual de Direito Administrativo, Editora Lúmen Júris, 2007, pág. 331, a Lei Federal n° 9.074/1995, ‘Para evitar que maus administradores instituam, de maneira descriteriosa, benefícios tarifários, dispôs que sua estipulação fica condicionada à previsão, em lei, da origem dos recursos ou da concomitante revisão da estrutura tarifária do concessionário ou permissionário, tudo com o objetivo de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A lei foi mais adiante: tais benefícios só podem ser atribuídos a uma coletividade de usuários, sendo vedado expressamente o beneficio singular, fato que configuraria em iniludível conduta ilegal, caracterizadora do desvio de finalidade’. Não estou a dizer, com isso, que o benefício instituído pelas leis ora impugnadas em favor das pessoas nelas referidas não é criteriosa ou cria um favor individual. O que impende observar, todavia, é que, impondo a Constituição Federal que lei exista a regrar o regime de concessão ou permissão de serviços públicos e que cabe a ela dispor sobre política tarifária, isto é, regular a fixação de tarifas, tratando, portanto, também de isenções e vantagens, essa lei, no Estado de São Paulo, por força do inciso XVIII do artigo 47 de sua Constituição, é de iniciativa exclusiva do Governador e, em razão da simetria obrigatória com esse modelo e aquele da Constituição Federal ao cuidar do processo legislativo, no Município, a iniciativa é exclusiva do Prefeito” (TJSP, ADI 9030457-47.2009.8.26.0000, m.v., 16-03-2011).

Ademais, registre-se que a lei impugnada é incompatível, ainda, com o artigo 159, parágrafo único, da Constituição Estadual, segundo o qual “os preços públicos serão fixados pelo Executivo, observadas as normas gerais de Direito Financeiro e as leis atinentes à espécie”.

Por fim, relevante anotar que ao instituir desconto de 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da tarifa do transporte coletivo urbano a todos os estudantes das escolas constituídas na municipalidade, públicas ou privadas, e aos professores em exercício no ente, a lei impugnada gera novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto, o que de per si ofende o art. 25 da Carta Paulista.

Diante do exposto, aguarda-se seja dada procedência ao pedido para declaração da inconstitucionalidade da Lei nº 7.602, de 01 de abril de 2014, do Município de Marília.

 

São Paulo, 17 de outubro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

aca/bfs