Parecer
Processo nº 2186816712014
Requerente: Prefeito do Município de Mauá
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Mauá
Constitucional. Administrativo. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei n. 4.900, de
21 de novembro de 2014, do Município de Mauá. Lei que “Torna obrigatória
afixação de placa nos postos de atendimento aos usuários do sistema público de
saúde no município de Mauá e dá outras providências”. Iniciativa Parlamentar. Iniciativa
reservada. Reserva da Administração. Separação de poderes. Procedência da ação.
1. A iniciativa parlamentar de lei local, que institui obrigação à
Administração Pública, é incompatível com a reserva de iniciativa legislativa
do Chefe do Poder Executivo e com a reserva da Administração, decorrentes do
princípio da separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e
XIX, a). 2. Quando lei de iniciativa
parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos
demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no
orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte
de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de
inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176,
I, CE/89, seja porque aquele exige a indicação de recursos para atendimento das
novas despesas (que não estão previstas) seja porque é reservada ao Chefe do
Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual. 3. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei n. 4.900, de 21 de novembro de 2014, do Município de Mauá, que “Torna obrigatória afixação de placa nos postos de atendimento aos usuários do sistema público de saúde no município de Mauá e dá outras providências”, sob alegação de violação aos arts. 5°, 25, 47, II, XI, XIV, 111, 144, 174, I, II, III e 176, I e III, da Constituição Paulista.
Concedida a liminar (fls. 28/29), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma contestada (fls. 37/39), transcorrido in albis o prazo para a Câmara Municipal de Mauá prestar informações.
É o relatório.
A ação é procedente.
Com efeito, a lei impugnada prevê, in verbis:
“Art. 1º Torna obrigatória a afixação de placa nos postos de atendimento aos usuários do sistema público de saúde no município de Mauá contendo a seguinte informação: 'o usuário do sistema público de saúde, tem direito a tratamento digno, humanizado, acolhedor e livre de qualquer discriminação. Parágrafo único – A placa deve ser afixada em local visível ao usuário, em tamanho e forma legível.
Art. 2º Fica o Poder Executivo, através da Secretaria de Saúde, responsável pela aplicação e fiscalização da presente lei.”
Invadiu,
assim, a esfera reservada privativamente à Administração para disciplina do
funcionamento de órgãos subordinados ao Chefe do Poder Executivo.
É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.
Também prevê no art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão, que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo.
A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.
Pois, de um lado, ela viola o art. 47, incisos II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa legislativa lhe é reservada.
Neste
sentido, a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE
ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder
Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição
de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo
federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas
de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso,
20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento
pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o
serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e
determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações
orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à
administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de
iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de
recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da
Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação
procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida
Guilherme, v.u., 22-04-2009).
E,
como exposto, invade a denominada reserva de Administração, consoante já
decidido:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
Ademais, por uma lado, a falta de recursos
orçamentários não causa, a priori, a
inconstitucionalidade de lei, mas tão-somente a sua ineficácia no exercício
financeiro respectivo à sua vigência – porque “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância
por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua
inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro
respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01).
Por outro lado, quando lei de iniciativa
parlamentar cria atribuição ao Poder Executivo ou a seus órgãos, demandando
diretamente a realização de despesa pública não prevista no orçamento para
atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte de cobertura,
inclusive, para os exercícios seguintes, ela também padece de
inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176,
I, da Constituição Estadual, conforme pronuncia o E. Supremo Tribunal Federal:
“1.Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei do
Estado do Amapá. 3. Organização, estrutura e atribuições de Secretaria
Estadual. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Precedentes. 4. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução
da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Precedentes. 5. Ação julgada
procedente” (LEXSTF v. 29, n. 341, p. 35).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Do
Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do Pólo Estadual da Música Erudita. 3.
Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. 4.
Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6.
Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. 7.
Matéria de iniciativa do Poder Executivo. 8. Ação julgada procedente” (LEXSTF
v. 29, n. 338, p. 46).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS
MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE
INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa, vez que o projeto de lei foi
apresentado por um parlamentar, embora trate de matéria típica de
Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na Administração Pública
estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois
Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro. Afronta ao
disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da Constituição do Brasil.
3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a elaboração da lei
orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso III, da Constituição
de 1988. 4. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da lei
atacada implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos
seus demais preceitos dá-se por arrastamento. 5. Pedido julgado procedente para
declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.238/94 do Estado do Rio Grande do
Sul” (RTJ 200/1065).
Face
ao exposto, opino pela procedência da ação por violação aos artigos 5º, 24, §
2º, 2, 25, e 47, II, XIV e XIX, a,
174, III e 176, I, da Constituição do Estado.
São Paulo, 06 de fevereiro de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aaamj/ts