Parecer
Processo nº 2186842-69.2014.8.26.000
Requerente: Prefeito do Município de Mauá
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Mauá
Constitucional. Administrativo. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei nº 4.909, de 12
de dezembro de 2013, do Município de Mauá. Instituição da “Semana Municipal de
Orientação e Prevenção à Gravidez na Adolescência” no âmbito do Município de
Mauá. Iniciativa Parlamentar. Iniciativa reservada. Reserva da Administração.
Separação de poderes. Procedência da ação. 1. A iniciativa
parlamentar de lei local, que institui campanha de conscientização no
Município, impondo a participação do Poder Executivo em sua organização, é
incompatível com a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder
Executivo e com a reserva da Administração, decorrentes do princípio da
separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XIX, a). 2. Quando lei de iniciativa
parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos
demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no
orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte
de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de
inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176,
I, CE/89, seja porque aquele exige a indicação de recursos para atendimento das
novas despesas (que não estão previstas) seja porque é reservada ao Chefe do
Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual. 3. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial,
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade,
movida pelo Prefeito Municipal, tendo por
objeto a Lei nº 4.909, de 12 de dezembro de 2013, do Município de Mauá, que “Institui a ‘SEMANA MUNICIPAL DE ORIENTAÇÃO E
PREVENÇÃO À GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA’, no âmbito do município, e dá outras
providências”, sob alegação de violação aos arts. 5°, 25, 47, II, XI e XIV,
111, 144, 174, I, II e III, e 176, I e III, da Constituição Paulista.
Concedida a liminar (fl. 30), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou
da defesa da norma contestada (fls. 41/43) e transcorreu in albis o prazo para que a Câmara Municipal de Mauá prestasse
informações (fl. 44).
É o relatório.
A ação é procedente.
A lei em foco, ao instituir a semana municipal de
orientação e prevenção à gravidez na adolescência, no âmbito do Município de
Mauá, invadiu a esfera da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder
Executivo porque obriga a participação do Poder Executivo em sua organização.
Além disso, a lei impugnada invadiu a esfera
reservada privativamente à Administração para disciplina do funcionamento de
órgãos subordinados ao Chefe do Poder Executivo.
É ponto pacífico que “as regras do processo
legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF,
ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
Como desdobramento particularizado do princípio da
separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do
Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada
do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art.
144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da
administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende
a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública
direta.
Também prevê no art. 47 (aplicável na órbita
municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder
Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder
Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que
compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua
alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
A alínea a do
inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de
dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração
estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de
órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV
estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a
prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder
Executivo.
A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo
divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da
Constituição Estadual.
Pois, ao estabelecer atribuições ao Poder Executivo,
de um lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da
administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria
essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art.
24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja
iniciativa legislativa lhe é reservada.
Neste sentido, a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA
PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F,
art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II
e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito
Santo.
I. - É de
iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação,
estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art.
61, § 1°, II, e, art. 84, II e
VI.
II. - As regras do
processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes
do STF.
IV - Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009)
E como exposto, invade a denominada reserva de
Administração, consoante já decidido:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
E se a tanto não bastasse, se, em linha de princípio,
a falta de recursos orçamentários não causa a inconstitucionalidade de lei,
senão sua ineficácia no exercício financeiro respectivo à sua vigência – porque
“inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por
determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua
inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro
respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01) -, quando lei de iniciativa parlamentar
cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos demandando
diretamente a realização de despesa pública não prevista no orçamento para
atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte de cobertura
inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de
inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176,
I, da Constituição Estadual, seja porque aquele exige a indicação de recursos
para atendimento das novas despesas (que não estão previstas) seja porque é
reservada ao Chefe do Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento
anual, conforme pronuncia o Supremo Tribunal Federal:
“Ação direta de
inconstitucionalidade. 2. Lei do Estado do Amapá. 3. Organização, estrutura e
atribuições de Secretaria Estadual. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do
Poder Executivo. Precedentes. 4. Exigência de consignação de dotação
orçamentária para execução da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo.
Precedentes. 5. Ação julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 341, p. 35).
“Ação Direta de
Inconstitucionalidade. 2. Lei Do Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do
Pólo Estadual da Música Erudita. 3. Estrutura e atribuições de órgãos e
Secretarias da Administração Pública. 4. Matéria de iniciativa privativa do
Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6. Exigência de consignação de
dotação orçamentária para execução da lei. 7. Matéria de iniciativa do Poder
Executivo. 8. Ação julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 338, p. 46).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL.
INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS
MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE
INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa, vez que o projeto de lei foi
apresentado por um parlamentar, embora trate de matéria típica de
Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na Administração Pública
estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois Secretários
de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro. Afronta ao disposto no
artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da Constituição do Brasil. 3. O texto
normativo, ao cercear a iniciativa para a elaboração da lei orçamentária,
colide com o disposto no artigo 165, inciso III, da Constituição de 1988. 4. A
declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da lei atacada implica
seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais
preceitos dá-se por arrastamento. 5. Pedido julgado procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei n. 10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul” (RTJ
200/1065).
Por fim, a constatação de eventual
violação ao art. 111 da CE/89, sob o fundamento de eventual prejuízo às
receitas orçamentárias da saúde e educação, demandaria o exame de questões de
fato, o que é vedado em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Face ao exposto, opino pela procedência da ação para
declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 4.909, de 12 de dezembro de 2013, do
Município de Mauá, por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, e 47, II, XIV e
XIX, a, 174, III e 176, I, da
Constituição do Estado.
São Paulo, 04 de fevereiro
de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aaamj/dcm