Parecer
Processo nº 2189777-82.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito Municipal de
Sorocaba
Requeridos: Presidente da Câmara
Municipal de Sorocaba
Ementa:
1)
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº
10.899, de 7 de julho de 2014, do Município de Sorocaba, de iniciativa
parlamentar, que “Dispõe sobre a isenção do pagamento da inscrição nas competições
esportivas promovidas pela Prefeitura Municipal de Sorocaba e dá outras
providências”.
2) Sob
o pálio do art. 125, § 2º, CF/88, não é admissível o contraste da lei local
impugnada com a Constituição Federal ou normas infraconstitucionais, dado que o
exclusivo parâmetro da ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal é
a Constituição Estadual.
3) Lei que isenta as equipes desportivas do Município de Sorocaba do pagamento da inscrição nas competições esportivas promovidas pela Prefeitura Municipal. A concessão de isenção do pagamento de preço público por serviço executado direta ou indiretamente pela administração pública, é matéria reservada ao Poder Executivo (arts. 120 e 159, parágrafo único da Constituição Estadual).
4) A competência do órgão executivo para fixação da tarifa abrange alterações, isenções, subsídios etc., e, portanto, a outorga de isenção por ato normativo do Poder Legislativo, de iniciativa parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes, apresenta vício de iniciativa, estando, ainda, maculada pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos. (arts. 5º, 24, § 2, 25, 47, II, XIV, XIX, 120, 144 e 159, parágrafo único da Constituição do Estado).
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Sorocaba em face da Lei nº 10.899, de 7 de julho de 2014, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a isenção do pagamento da inscrição nas competições esportivas promovidas pela Prefeitura Municipal de Sorocaba e dá outras providências”.
Sustenta o requerente que a lei é inconstitucional por apresentar vício de iniciativa, violação ao princípio da separação dos poderes e ausência de indicação da respectiva fonte de custeio voltada a financiar os novos gastos públicos resultantes da medida. Daí a afirmação da violação dos arts. 2º, 61, § 1º, 63, I, e 84, II e III da Constituição Federal e arts. 5º; 24, § 5º, I; 25; 47, II; 120, 144 e 159 parágrafo único da Constituição Estadual.
Foi concedida a liminar para a suspensão do ato normativo impugnado (fls. 204/205).
Devidamente notificado (fl. 211), o Presidente da Câmara Municipal de Sorocaba apresentou informações defendendo a validade do ato normativo impugnado (fls. 220/226).
Citado (fl. 214), o Procurador Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 216/218).
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.
É o relato do essencial.
Inicialmente, oportuno consignar que o parâmetro
exclusivo do controle de constitucionalidade pela via abstrata, concentrada e
direta de lei ou ato normativo municipal é a Constituição Estadual, consoante
dispõe o art. 125, § 2º, da Constituição Federal, razão pela qual se afigura
inidôneo o seu contraste direto com a Constituição Federal.
Procede o pedido.
A Lei nº 10.899, de 7 de julho de 2014, do Município de Sorocaba, de iniciativa parlamentar, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após veto do Poder Executivo, tem a seguinte redação:
“Art. 1º As
equipes desportivas de Sorocaba ficam isentas do pagamento das inscrições nas
competições esportivas realizadas no município, cujo evento seja promovido pela
Secretaria Municipal de Esporte.
Art. 2º As
despesas com a execução da presente Lei correrão por conta de verba
orçamentária própria.
Art. 3º Esta
Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Na
questão em apreço, observa-se clara violação ao postulado da independência e
harmonia entre os Poderes, assim como vício de iniciativa legislativa (arts. 5º,
24, § 2º, 47, II, XIV e XIX, da Constituição Estadual).
Isso
porque, a concessão de isenção ao pagamento de preço público (tarifa) pela
prestação de serviço público comercial ou industrial, executado direta ou
indiretamente, é matéria reservada ao Poder Executivo, nos termos do que dispõe
o art. 120 e159, parágrafo único da Constituição Estadual.
Ao
prever no texto constitucional a competência do órgão executivo para fixação da
tarifa, o que inclui alterações, isenções e congêneres, a outorga de qualquer desconto
ou isenção por ato normativo oriundo do Poder Legislativo, cuja iniciativa seja
parlamentar, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º,
assim como padece de vício de iniciativa legislativa, ex vi do disposto nos arts. 25, § 2º, e 47, II, XIV, XIX, todos da
Carta Bandeirante.
Com
efeito, imperioso ressaltar que o Executivo não deve sofrer indevida
interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção,
organização e execução das atividades da Administração).
Assim, quando o Poder Legislativo edita lei estabelecendo hipóteses de isenção do pagamento da inscrição nas competições esportivas promovidas pela Prefeitura Municipal, como ocorre no caso sub judice, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe
primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento,
organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.
De
outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar
leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
O diploma
impugnado invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, pois envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução
de atos de governo, no caso em análise representados pela isenção do
pagamento da inscrição nas competições esportivas promovidas pela Prefeitura Municipal. A atuação legislativa
impugnada equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a
garantia constitucional da separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo
pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a
harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º)
extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
A importância da reserva da Administração é bem aquilatada pelo Supremo Tribunal Federal:
“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE
PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a
ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva
competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o
Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos
emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder
Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de
poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido
editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas
atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada,
subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional
do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e
importa em atuação ultra vires do
Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar
dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF,
ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ
14-12-2001, p. 23).
Em casos similares ao examinado, este egrégio Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar com teor similar ao conscrito na lei objurgada:
“Ação direta
de inconstitucionalidade - Lei do Município de Andradina, de iniciativa
parlamentar, que concedeu isenção de tarifa de água e esgoto a aposentados -
Violação à separação de Poderes - Matéria referente à tarifa e preço público
pela remuneração dos serviços que é de competência do Executivo (art. 120, da
CE) - Vício de iniciativa caracterizado - Ação procedente, para reconhecer a
inconstitucionalidade da Lei 2.733, de 19 de setembro de 2011, do Município de
Andradina. (TJSP, ADI 0256692-55.2011.8.26.0000,
Rel. Des. Enio Zuliani, v.u., 23-05-2012).
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n" 5.448, de 6 de
dezembro de 2012, do município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que
instituiu a "carteira de transportes para professores". 1. Norma que
dispõe sobre forma e modo de execução do programa que instituiu, sem definir a
fonte orçamentária para tanto. 2. Vício de iniciativa, a configurar invasão de
competência do chefe do Poder Executivo, incidindo igualmente no óbice da
ausência de previsão orçamentária. 3. Ofensa, igualmente, aos princípios da
isonomia e razoabilidade, na medida em que favorece determinada categoria de
funcionários, em detrimento de outras em igualdade de condições laborais. 4.
Ofensa à Constituição do Estado de São Paulo, especialmente os seus artigos 25,
47, II, XIV, XIX, "a", 120 e 144. 5. Julgaram procedente a ação, para
declarar a inconstitucionalidade da Lei 5.448, de 6 de dezembro de 2012, do
Município de Sumaré. (TJSP, ADI 014088091.2013.8.26.0000, Rel. Des. Vandeci Álvares,
v.u., 15-01-2014).
Por fim, relevante anotar que ao instituir isenção do pagamento das inscrições nas competições esportivas realizadas no município, cujo evento seja promovido pela Secretaria Municipal de Esporte, em benefício das equipes desportivas de Sorocaba, a lei impugnada gera novas despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes específicas de receita para tanto, o que de per si ofende o art. 25 da Carta Paulista.
Diante
do exposto, aguarda-se seja dada procedência ao pedido para declaração da
inconstitucionalidade da Lei nº 10.899, de 7 de julho de 2014, do
Município de Sorocaba.
São Paulo, 15 de janeiro de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca