Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 2189858-31.2014.8.26.0000
Requerente:
Prefeito do Município de Quatá
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Quatá
Ementa:
1)
Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 72,
incisos I, VI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXIII e parágrafo
único e artigo 172, caput, e incisos
I e II, todos da Lei Orgânica do Município de Quatá, que definem infrações
político-administrativas do Prefeito Municipal e regulamentam aspectos do procedimento,
prevendo o afastamento preventivo do Prefeito Municipal a partir do recebimento
da denúncia.
2) Dispositivos que tipificam infrações político-administrativas praticadas por Prefeito Municipal e disciplinam aspectos relativos ao respectivo processo de cassação. Tema da alçada federal. Ofensa à regra da repartição constitucional de competências associada diretamente ao princípio federativo (art. 1º e art. 144 da Constituição Estadual). Súmula Vinculante n° 46 do Supremo Tribunal Federal.
3) Procedência do pedido.
Colendo Órgão
Especial,
Senhor Desembargador
Relator:
Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade, tendo como alvo o artigo 72, incisos I, VI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXIII e parágrafo único e o artigo 172, caput, e incisos I e II, todos da Lei Orgânica do Município de Quatá, que definem infrações político-administrativas do Prefeito Municipal e regulamentam aspectos do procedimento, prevendo o afastamento preventivo do Prefeito Municipal a partir do recebimento da denúncia.
Sustenta a requerente que os dispositivos legais impugnados são inconstitucionais por usurparem a competência privativa da União para legislar sobre crimes de responsabilidade (art. 22, inc. I, da Constituição Federal de 1988 c/c art. 144, da Constituição Paulista) e violarem as garantias fundamentais ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, inc. LV, da Constituição Federal de 1988 c/c art. 144, da Constituição Paulista).
Indeferido o pedido de liminar para a suspensão da eficácia dos dispositivos legais impugnados. (fls. 113/117).
O Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 125/127).
Devidamente citado o Presidente da Câmara Municipal (fl. 129), transcorreu “in albis” o prazo para sua manifestação.
Nestas condições, vieram os autos para manifestação desta Douta Procuradoria-Geral de Justiça (fls. 131).
É
o relatório.
A
ação deve ser julgada procedente.
De
fato, os dispositivos legais impugnados inovaram a ordem jurídica, prevendo
modalidades de infrações político-administrativas não contempladas pelo
Decreto-Lei n° 201/67, e disposições de ordem procedimental a respeito da
apuração e julgamento dos crimes de responsabilidade de Prefeito Municipal.
Usurpou-se,
assim, a competência legislativa privativa da União para dispor sobre crimes de
responsabilidade (art. 22, inc. I, CF/88), regra esta de observância
obrigatória pelos Municípios, por força do art. 144, da Constituição Paulista.
A
questão é inclusive objeto do enunciado da Súmula Vinculante n° 46, do E. STF, fruto
da recente conversão da Súmula n° 722, in
verbis:
“A definição dos crimes de responsabilidade e o
estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da
competência legislativa privativa da União.”
Vários
foram os precedentes que justificaram a edição das mencionadas súmulas,
Em
cada um desses precedentes ficou claro o posicionamento da Suprema Corte no
sentido de que cabe ao legislador federal tipificar as infrações
político-administrativas, e traçar as normas para o respectivo processo e
julgamento.
É
assente também que as normas federais anteriores à Constituição de 1988 que
tratam da matéria foram recepcionadas pela Carta Magna, ao menos na parte em
que não são com ela incompatíveis.
Dessa
forma, a Lei nº 1.079/50 define quais são as infrações, e disciplina o processo
e julgamento, nos casos de crimes de responsabilidade (infrações
político-administrativas) cometidos pelo Presidente da República e Ministros de
Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-Geral da República,
Governadores e Secretários de Estado.
O
Decreto-lei nº 201/67, por seu turno, define e regula o processo atinente aos
crimes de responsabilidade cometidos por Prefeitos Municipais e por Vereadores.
Ademais,
no que diz respeito à obrigação de observância pelos Municípios dos princípios
constitucionais estabelecidos, não se encontra apenas no art. 144 da
Constituição Paulista. O art. 29, caput,
da Constituição Federal igualmente prevê que “O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com
interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da
Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do
respectivo Estado, e os seguintes preceitos (g.n.).”
Relevante
anotar que quando do julgamento da ADI 130.227.0/0-00 em 21.08.07, rel. des.
Renato Nalini, esse E. Tribunal de Justiça acolheu a tese no sentido da possibilidade
de declaração de inconstitucionalidade
de lei municipal por violação do
princípio da repartição de competências estabelecido pela Constituição
Federal. É relevante trazer excerto de voto do i. Desembargador Walter de
Almeida Guilherme, imprescindível para a elucidação da questão:
“(...) Ora, um dos princípios da Constituição Federal – e de
capital importância – é o princípio federativo, que se expressa, no Título I,
denominado ‘Dos Princípios Fundamentais’, logo no art.1º: ‘A República
Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se
Sendo a organização federativa do Estado brasileiro um princípio fundamental da República do Brasil, e constituindo elemento essencial dessa forma de estado a distribuição de competência legislativa dos entes federados, inescapável a conclusão de ser essa discriminação de competência um princípio estabelecido na Constituição Federal.
Assim, quando o referido art. 144 ordena que os Municípios, ao se organizarem, devem atender os princípios da Constituição Federal, fica claro que se estes editam lei municipal fora dos parâmetros de sua competência legislativa, invadindo a esfera de competência legislativa da União, não estão obedecendo ao princípio federativo, e, pois, afrontando estão o art. 144 da Constituição do Estado (...)” (trecho do voto do i. des. Walter de Almeida Guilherme, no julgamento da ADI 130.227.0/0-00).
Destarte,
ostentam vício de inconstitucionalidade,
por violação ao princípio federativo
– não observância das regras associadas à repartição constitucional de
competências - normas contidas na legislação municipal (Lei Orgânica) e
Regimento Interno da Câmara Municipal que conceituam infrações
político-administrativas e regulam o respectivo processo e julgamento.
Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto no art. 1º e no art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo.
Diante do exposto, opina-se
pela procedência da ação.
São Paulo, 28 de abril de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
aca/ts