Parecer
Processo n. 2193944-45.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Cândido Rodrigues
Requerida: Câmara Municipal de Cândido Rodrigues
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 1.466, de 14 de agosto de 2014, do Município de Cândido Rodrigues. Servidor público. Remuneração. Alteração do valor do vale-alimentação e imposição de correção anual com identidade de índice e de período da revisão geral anual do funcionalismo público. Iniciativa parlamentar. Violação ao princípio de separação dos poderes. Iniciativa reservada. Procedência. 1. A instituição, alteração, ou extinção de vantagem pecuniária aos servidores públicos, e sua disciplina, são matérias inseridas na reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 2º, 1 e 4, CE/89), sendo inconstitucional a Lei n. 1.466, de 14 de agosto de 2014, de iniciativa parlamentar, do Município de Cândido Rodrigues, que autoriza o Poder Executivo à majoração do valor do vale-alimentação, alterando o art. 1º da Lei n. 1.101, de 16 de junho de 2005 (art. 1º), e prevê sua correção anual com identidade de índice e de época da revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos ao incluir parágrafo único ao art. 1º desse diploma legal (art. 2º). 2. A natureza de lei autorizativa não elide, suprime ou elimina a sua inconstitucionalidade pelo fato de estar ela dispondo sobre matéria reservada à iniciativa privativa do Poder Executivo. 3. O art. 115, XI, CE/89, não acolhe o reajuste automático de vantagens pecuniárias vinculado à revisão geral anual da remuneração de servidores públicos. 4. Ação procedente.
Douto Relator,
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
impugnando a Lei n. 1.466, de 14 de agosto de 2014, de
iniciativa parlamentar, do Município de Cândido Rodrigues, que autoriza o Poder
Executivo à majoração do valor do vale-alimentação, alterando o art. 1º da Lei
n. 1.101, de 16 de junho de 2005 (art. 1º) e prevê sua correção anual com identidade
de índice e de época da revisão geral anual da remuneração dos servidores
públicos ao incluir parágrafo único ao art. 1º desse diploma legal (art. 2º), sob alegação de contrariedade aos
arts. 25, 111 e 144 da Constituição Estadual e dos arts. 2º, 30, I, 34, IV, 60,
§ 4º, IV e 61, § 1º, II, c, da
Constituição Federal (fls. 01/05).
2. Concedida liminar (fls. 11/12), a douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 21/23), e decorreu
in albis o prazo das informações da Câmara Municipal de Cândido Rodrigues (fl.
26).
3. É o
relatório.
4. A lei local contestada é de iniciativa parlamentar,
vício que a macula ab ovo, porquanto
a matéria em comento se encontra na iniciativa legislativa reservada ao Chefe
do Poder Executivo, ex vi do disposto
no art. 24, § 2º, 1 e 4, da Constituição Paulista, vez que majora valor de
vantagem pecuniária (vale-alimentação) e altera sua disciplina. Neste sentido, se pronuncia em coro a
jurisprudência:
“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta.
Lei nº 740/2003, do Estado do Amapá. Competência legislativa. Servidor Público.
Regime jurídico. Vencimentos. Acréscimo de vantagem pecuniária. Adicional de
Desempenho a certa classe de servidores. Inadmissibilidade. Matéria de
iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo.
Usurpação caracterizada. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao
art. 61, § 1º, II, alínea ‘a’, da CF, aplicáveis aos estados. Ação julgada
procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar,
conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores
públicos” (STF, ADI 3.176-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso,
30-06-2011, v.u., DJe 05-08-2011).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO
DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA.
1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos
Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições.
Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual
decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa
de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos
servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, ‘a’ e ‘c’ c/c artigos 2º e 25).
Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do
Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente” (STF, ADI 1.353-RN, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 16-05-2003, p. 89).
5. A inobservância da aludida iniciativa legislativa
insculpida no texto constitucional demonstra a descabida ingerência do
Parlamento em matéria cuja deflagração fora outorgada exclusivamente ao Chefe
do Executivo, fato este que denota ofensa ao consagrado princípio da separação
de poderes (art. 5º, Constituição do Estado).
6. Essa linha de argumentação encontra apoio na própria
Constituição Federal, e, como sabido, as regras do processo legislativo federal
também são de observância compulsória pelos Estados e Municípios como vem
julgando reiteradamente o Supremo Tribunal Federal (STF, ADI 1.594-RN, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 04-06-2008, v.u., DJe 22-08-2008; RT 850/180; RTJ
193/832; STF, ADI 2.731-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso,
02-03-2003, v.u., DJ 25-04-2003, p. 33).
7. E nem se alegue se tratar de mera lei autorizativa, pois, essa natureza não desabona a conclusão de sua inconstitucionalidade.
8. A lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privativa implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional, como vem julgando este egrégio Tribunal:
“LEI MUNICIPAL QUE IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL” (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALÍDADE -
LEI N° 2.057/09, DO MUNICÍPIO DE LOUVEIRA - AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A
COMUNICAR O CONTRIBUINTE DEVEDOR DAS CONTAS VENCIDAS E NÃO PAGAS DE ÁGUA, IPTU,
ALVARÁ A ISS, NO PRAZO MÁXIMO DE 60 DIAS APÓS O VENCIMENTO –
INCONSTITUCIONALÍDADE FORMAL E MATERIAL - VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INVASÃO DE COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO
- AÇÃO PROCEDENTE.
A lei inquinada originou-se de projeto
de autoria de vereador e procura criar, a pretexto de ser meramente
autorizativa, obrigações e deveres para a Administração Municipal, o que
redunda em vício de iniciativa e usurpação de competência do Poder Executivo.
Ademais, a Administração Pública não necessita de autorização para desempenhar
funções das quais já está imbuída por força de mandamentos constitucionais”
(TJSP, ADI 994.09.223993-1, Rel. Des. Artur Marques, v.u., 19-05-2010).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei
Municipal n° 2.531, de 25 de novembro de 2009, do Município de Andradina,
'autorizando' o Poder Executivo Municipal a conceder a todos os alunos das
escolas municipais auxílio pecuniário para aquisição de material escolar,
através de vale-educação no comércio local. Lei de iniciativa da edilidade, mas
que versa sobre matéria reservada à iniciativa do Chefe do Executivo. Violação
aos arts. 5º, 25 e 144 da Constituição do Estado. Não obstante com caráter
apenas 'autorizativo', lei da espécie usurpa a competência material do Chefe do
Executivo. Ação procedente” (TJSP, ADI 994.09.229479-7, Rel. Des. José Santana,
v.u., 14-07-2010).
9. A
argumentação da natureza autorizativa da norma não elide a conclusão de sua
inconstitucionalidade, como já decidido:
“5. Não é
tolerável, com efeito, que, como está prestes a ocorrer neste caso, o
Governador do Estado, à mercê das veleidades legislativas, permaneça durante
tempo imprevisível com uma lei inconstitucional a tiracolo, ou, o que o seria
ainda pior, seja compelido a transmiti-la a seu sucessor, com as conseqüências
de ordem política daí derivadas” (STF, ADI-MC 2.367-SP, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Maurício Corrêa, 05-04-2001, v.u., DJ 05-03-2004, p. 13).
10. Como já decidiu este colendo Órgão
Especial, na linha de pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal (RTJ 36/619,
104/46), “a circunstância de se cuidar de lei meramente autorizativa não elide,
suprime ou elimina a sua inconstitucionalidade pelo fato de estar ela dispondo
sobre matéria reservada à iniciativa privativa do Poder Executivo” (ADI
0198766-82.2012.8.26.0000, Rel. Des. Itamar Gaino, v.u., 27-03-2013).
11. Não bastassem essas observações, a
disciplina da vantagem pecuniária também escapa à iniciativa legislativa comum.
E tal ponderação não é acaciana porque se tributa preocupação ao art. 2º da lei
impugnada na medida em que invade a reserva de iniciativa legislativa do Chefe
do Poder Executivo ao prever a correção automática do vale-alimentação
vinculada ao índice e ao momento da revisão geral anual da remuneração dos
servidores públicos.
12. Para além, o conteúdo dessa regra
desafia o art. 37, X, da Constituição da República, reproduzido no art. 115,
XI, da Constituição do Estado, caracterizando inconstitucionalidade material.
Objeto da revisão geral anual é a remuneração básica dos servidores públicos,
não a das vantagens embora isso seja conveniente.
13. Em resumo, a lei em foco é
inconstitucional: não pela violação aos arts. 25 e 111 da Constituição
Estadual, mas, pela ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 4, e 115, XI, da
Constituição Paulista, normas que pela emergência e pela especialidade são
bastantes para reconhecimento do vício.
14. Face ao exposto, opino pela
procedência da ação para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 1.466, de 14 de agosto de 2014, por incompatibilidade com os arts. 5º, 24, § 2º, 1 e
4, e 115, XI, da Constituição Estadual.
São Paulo, 12 de março de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj