Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

 

Processo nº 2194206-92.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de Mauá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Mauá

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4.907, de 29 de novembro de 2013, de Mauá, fruto de iniciativa parlamentar, que “Institui o serviço de Hospital Veterinário Público Municipal para Cães e Gatos e dá outras providências”.

2)      Preliminar. Limites à cognição do Tribunal de Justiça em sede de ação direta de inconstitucionalidade estadual. Possibilidade de exame, exclusivamente, da incompatibilidade, por ofensa direta, entre a lei e a Constituição do Estado. Inadmissibilidade da análise de ofensa à CF, ou mesma a outros atos normativos infraconstitucionais.

3)      Mérito. Violação da reserva de iniciativa. Lei de iniciativa parlamentar que cria órgão na Administração Pública. Contrariedade ao disposto no art. 24, § 2º, 2, da Constituição Paulista.

4)      Mérito. Violação da “reserva de Administração”. Ato normativo primário editado por força de iniciativa parlamentar que se insere no âmbito da gestão executiva. Contrariedade aos artigos 5º, 47, II, XI e XIV da Constituição Paulista.

5)      Parecer no sentido da procedência da ação direta.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de Mauá, tendo como alvo a Lei Municipal nº 4.907, de 29 de novembro de 2013, de Mauá, fruto de iniciativa parlamentar, que “Institui o serviço de Hospital Veterinário Público Municipal para Cães e Gatos e dá outras providências”.

Sustenta o autor a inconstitucionalidade da lei, tendo em vista a violação da reserva de iniciativa, quebra do princípio da separação de poderes, aumento de despesa sem previsão de receita, além de violação de princípios constitucionais e legais aplicáveis à Administração Pública.

Assinala, também, contrariedade a normas infraconstitucionais.

Aponta, portanto, ofensa aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 5º, 25, 47, II, XI e XIV, 111, 144, 174, 176, I e II.

Foi deferida a liminar para fins de suspensão dos efeitos do ato normativo (fl. 32).

O Senhor Procurador-Geral do Estado, citado, declinou da defesa da lei (fls. 39, 41/43).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 47/51).

É o relato do essencial.

PRELIMINAR: LIMITES À COGNIÇÃO DO TRIBUNAL EM SEDE DE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

A inicial sustenta a inconstitucionalidade com base na ofensa não só à Constituição do Estado, mas também pela alegada contrariedade a dispositivos da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional.

Entretanto, deve-se ressaltar que, na ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça, apenas a incompatibilidade por confronto direto entre a norma local e a Constituição do Estado pode ser objeto de análise.

O art. 125, § 2º, da CF, que fundamenta a previsão nas constituições estaduais, do processo de controle objetivo local, não legitima o controle com amparo em ofensas à Constituição Federal, ou mesmo a análise em função da inconstitucionalidade indireta ou reflexa, decorrente da incompatibilidade entre a lei examinada e outros atos normativos infraconstitucionais.

A análise realizada pelo E. Tribunal de Justiça deverá, portanto, ficar limitada à existência ou não de conflito entre a lei impugnada e a Constituição do Estado.

MÉRITO

A Lei Municipal nº 4.907, de 29 de novembro de 2013, fruto de iniciativa parlamentar, que “Institui o serviço de Hospital Veterinário Público Municipal para Cães e Gatos e dá outras providências”.

É manifesta a inconstitucionalidade.

A lei examinada, que é fruto de iniciativa parlamentar, criou órgão administrativo.

Por melhor que tenha sido a intenção do legislador tal solução normativa não se mostra aceitável, pois há regra expressa previsto que a iniciativa é privativa do Chefe do Executivo, para leis que criem órgão na Administração Pública (art. 24, § 2º, 2 da Constituição Paulista).

Esse entendimento foi assentado pelo STF ao examinar o tema à luz do art. 61, § 1º, II, “e” da CF, que confere iniciativa privativa ao Chefe do Executivo para leis que criem órgãos na Administração Pública:

"Ação direta de inconstitucionalidade. EC 35/2005 do Estado do Rio de Janeiro, que cria instituição responsável pelas perícias criminalística e médico-legal. Inconstitucionalidade formal: matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Violação, pelo poder constituinte decorrente, do princípio da separação de poderes, tendo em vista que, em se tratando de emenda à Constituição estadual, o processo legislativo ocorreu sem a participação do Poder Executivo." (ADI 3.644, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-3-2009, Plenário, DJE de 12-6-2009.)

"Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue (COFISAN), órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.

Por outro lado, ao se imiscuir nessa temática, é legitimo afirmar que a iniciativa do legislador local invadiu, igualmente, a denominada “reserva de administração”.

Em outras palavras, o legislador tomou a iniciativa de cuidar de tema cuja gestão cabe ao Chefe do Poder Executivo. Ainda que demandasse lei, a provocação para a edição do ato normativo primário é medida que se infere no âmbito da gestão administrativa.

Daí a inconstitucionalidade por ofensa aos artigos 5º, 47, II, XI e XIV da Constituição Paulista.

Nesse sentido o STF:

“O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.” (RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)

Por outro lado, não é possível vislumbrar as ofensas aos artigos 25, 174 e 176 da Constituição do Estado, assinaladas pelo autor.

Não se trata, aqui, de norma orçamentária, mas sim de lei que, como já averbado, criou órgão administrativo. Inadequada, portanto, a alegação de contrariedade ao art. 174 da Carta Estadual, que trata da legislação orçamentária.

Não se trata, igualmente, de lei que tenha iniciado programa administrativo, sendo, destarte, inaplicável a vedação contida no art. 176, I e II da Carta Paulista.

Por outro lado, a invocação da inconstitucionalidade com fundamento no art. 25 da Constituição Estadual não merece acolhimento.

O STF já assentou que a falta de recursos para o cumprimento da lei não é motivo para a declaração de sua inconstitucionalidade, mas sim para que sua eficácia seja postergada para exercício financeiro subsequente.

Confira-se:

“(...) A ausência de dotação orçamentária prévia em legislação específica não autoriza a declaração de inconstitucionalidade da lei, impedindo tão-somente a sua aplicação naquele exercício financeiro. 8. Ação direta não conhecida pelo argumento da violação do art. 169, § 1º, da Carta Magna. Precedentes : ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003. 9. Ação direta de inconstitucionalidade parcialmente conhecida e, na parte conhecida, julgada improcedente” (RTJ 202/569).

Por último e não menos importante, não há ofensa direta, no ato normativo, a princípios constitucionais da Administração Pública, razão pela qual não deve servir como fundamento para a declaração de inconstitucionalidade a alegada ofensa ao art. 111 da Constituição do Estado.

Diante do exposto, nosso parecer é pela procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.907, de 29 de novembro de 2013, de Mauá.

São Paulo, 12 de janeiro de 2015.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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