Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 2200521-39.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeita do Município do Guarujá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal do Guarujá

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Art. 73 da Lei Orgânica Municipal, na redação dada pela Emenda n. 21, de 10 de setembro de 2014, do Município de Guarujá. Licença. Prefeito Municipal. Viagem para fora do município por período superior a quinze dias e do país por qualquer período. Autorização do Poder Legislativo. Procedência parcial da ação. 1. A subordinação de licença do Prefeito para viagem para fora país por qualquer período à prévia autorização da Câmara Municipal contrasta com a CE/89 (arts, 20, IV e 44) e a CF/88 (arts. 49, III e 83), que só a exige por período superior a 15 (quinze) dias. 2. Parecer pela procedência parcial da ação.

 

 

Eminente Relator,

Colendo Órgão Especial:

 

1.               Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Prefeita do Município do Guarujá em face do art. 73 da Lei Orgânica Municipal, na redação dada pela Emenda n. 21, de 10 de setembro de 2014, do mesmo município, diante da violação aos arts. 5º, 20, IV, 44 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

2.                Em face da decisão que indeferiu o pedido liminar (fl. 71), foi interposto agravo regimental (fls. 74/77), ao qual foi dado provimento (fl. 79).

3.                O douto Procurador-Geral do Estado se absteve da defesa da lei contestada (fls. 88/90).

4.                A Câmara Municipal apresentou informações defendendo a improcedência da ação (fls. 94/112).

5.                É o relatório.

6.                A ação é parcialmente procedente.

7.                Com efeito, o art. 73 da Lei Orgânica Municipal, na redação dada pela Emenda n. 21, de 10 de setembro de 2014, do Município de Guarujá, apresenta a seguinte redação:

“O Prefeito não poderá, sem licença da Câmara, afastar-se do cargo ou ausentar-se do Município por período superior a 15 (quinze) dias, e do País, por qualquer tempo, sob pena de cassação do mandato.”

8.                Observa-se que a norma impugnada, ao condicionar o afastamento do Prefeito à licença da Câmara, aborda duas situações distintas: i) quando o Prefeito afastar-se ou ausentar-se do Município por período superior a quinze dias, e ii) quando o Prefeito afastar-se ou ausentar-se do País por qualquer tempo.

 

9.                A necessidade de autorização da Câmara para que o Prefeito se ausente do país por qualquer período é incompatível com os arts. 20, IV, e 44 da Constituição Estadual, que reproduzem os arts. 49, III, e 83, da Constituição Federal, como já decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS. GOVERNADOR E VICE-GOVERNADOR. LICENÇA PARA DE AUSENTAREM DO PAÍS POR QUALQUER PERÍODO. 1. Afronta os princípios constitucionais da harmonia e independência entre os Poderes e da liberdade de locomoção norma estadual que exige prévia licença da Assembléia Legislativa para que o Governador e o Vice-Governador possam ausentar-se do País por qualquer prazo. 2. Espécie de autorização que, segundo o modelo federal, somente se justifica quando o afastamento exceder a quinze dias. Aplicação do princípio da simetria. Precedentes. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (STF, ADI 738-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2002, v.u., DJ 07-02-2003, p. 20).

 “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LIMINAR – PRESSUPOSTOS – CHEFE DE PODER EXECUTIVO ESTADUAL – RESTRIÇÃO À LIBERDADE DE IR E VIR – AUSÊNCIAS DO ESTADO – AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA. A concessão de liminar pressupõe a plausibilidade do que pleiteado, isto considerado o texto da Lei Básica Federal, bem como o risco de manter-se com plena eficácia o preceito atacado. Ambos os pressupostos fazem-se presentes quando este último condiciona as ausências do Chefe do Poder Executivo local, do território nacional e por qualquer período, a prévia autorização da Assembléia Legislativa, sob pena de perda do cargo. Ao primeiro exame, exsurge a necessidade de observar-se a simetria com a Carta Federal, no que esta confere certa flexibilidade à atuação do Presidente e do Vice-Presidente da República, apenas condicionando as ausências do País à autorização do Congresso Nacional quando ultrapassarem o razoável período de quinze dias.” (STF, ADI 678-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 30-04-1993 – g.n.).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 74 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO ACRE. Este Supremo Tribunal, por meio de reiteradas decisões, firmou entendimento de que as normas que subordinam a ausência do Governador do Estado do território nacional, por qualquer período, à autorização prévia das Casas Legislativas Estaduais, ferem o princípio da independência e da harmonia entre os Poderes, além do princípio da liberdade de locomoção. Precedente: ADIMC 678/RJ. Ação direta que se julga procedente, para declarar a inconstitucionalidade da expressão ‘por qualquer tempo’, constante da normal estadual acima mencionada.” (STF, ADI 703-AC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04-10-2002 – g.n.).

10.              Frisa-se que a inconstitucionalidade reside na expressão “por qualquer tempo”, uma vez que a Constituição Estadual, seguindo modelo da Constituição Federal, exige autorização do Parlamento apenas para afastamentos que excederem quinze dias.

11.              Assim, não há inconstitucionalidade na exigência de autorização da Câmara Municipal para que o Prefeito se ausente do Município por período superior a quinze dias.

12.              Nesse sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 96, CAPUT DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL. ART. 49, III, DA CF. LICENÇA DA CÂMARA LEGISLATIVA PARA QUE O GOVERNADOR OU O VICE SE AUSENTEM DO TERRITÓRIO DISTRITAL POR MAIS DE QUINZE DIAS. SIMETRIA FEDERAL. CONSTITUCIONALIDADE DO PRECEITO IMPUGNADO. (...) No presente caso, observa-se que ao contrário do alegado, o disposto no caput do art. 96 da Lei Orgânica do Distrito Federal harmoniza-se perfeitamente com o modelo federal, concedendo ao Governador um prazo para as ausências ocasionais dos limites do DF, sem que careça da prévia autorização da Câmara Legislativa. Existência de conformação entre o princípio da liberdade de locomoção do cidadão com a prerrogativa institucional do Poder Legislativo em fiscalizar os atos e os comportamentos dos governantes. Precedente: ADIMC nº 678, Rel. Min. Marco Aurélio. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (STF, ADI 703-AC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 04-10-2002 – g.n.).

13.              E essa é a tese que prevalece também no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade - Emenda nº 7 da Lei Orgânica do Município de Iperó - Obrigação de comunicação a Edilidade de qualquer ausência do País do Chefe do Executivo - Violação do principio da harmonia entre os poderes - Violação dos arts 5º, 144 da CE/89 Ação julgada procedente. (...)

O ato normativo combatido (art. 1, da Emenda nº 7 da Lei Orgânica do Município de Iperó) alterou o § 1 º, do art. 81, da LOM, que passou a ter a seguinte redação: ‘Artigo 81-0 Prefeito e o Vice-Prefeito não poderão, sem licença da Câmara Municipal, ausentar-se do Município, por período superior a 15 dias, sob pena de perda do cargo. Parágrafo I - O Prefeito Municipal deverá encaminhar Ofício à Câmara Municipal comunicando quando for realizar viagem ao exterior do País, assinalando o período da viagem e destino’. (...)

Conclui-se que a necessidade da autorização, para ausência superior a 15 dias do local do exercício regular da função, serve para verificar sobre a conveniência do interesse público em relação a este afastamento. Referido controle, todavia, não pode ser estendido pela legislação municipal, vez que não se ausentando o Alcaide por mais de 15 dias do município, independentemente de ser ao exterior ou fora da cidade, não há obrigação de autorização e muito menos de comunicação. O ato normativo combatido não guarda simetria com dispositivos da Constituição Federal e da Constituição Estadual, ao impor comunicação para todas as viagens e licença para viagem ao estrangeiro de qualquer duração.” (TJ-SP- ADI 1527220000 SP, Relator: Henrique Nelson Calandra, Data de Julgamento: 19/03/2008, Órgão Especial, g.n.)

14.              Portanto, depreende-se do texto normativo que o legislador atuou em consonância com a Constituição Estadual ao dispor que “O Prefeito não poderá, sem licença da Câmara, afastar-se do cargo ou ausentar-se do Município por período superior a 15 (quinze) dias”. Entretanto, a expressão “e do País, por qualquer tempo” afronta os arts. 20, IV, e 44 da Constituição Estadual, que reproduzem os arts. 49, III, e 83, da Constituição Federal.

15.              Diante do exposto, opino pela procedência parcial do pedido, para declarar-se a inconstitucionalidade da expressão “e do País, por qualquer tempo” contida no art. 73 da Lei Orgânica Municipal, na redação dada pela Emenda n. 21, de 10 de setembro de 2014, do Município de Guarujá.

São Paulo, 2 de fevereiro de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

wpmj/mam