Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2206660-07.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Mauá

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Mauá

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 4.892, de 1º de novembro de 2013, do Município de Mauá. Alteração da disciplina do uso privativo de bem público comum do povo consistente no estacionamento regulamentado (Zona Azul). Inconstitucionalidade. Reserva de Administração. Procedência da ação. 1. É inconstitucional lei local, de iniciativa parlamentar, que alterando a legislação municipal que disciplina o uso privativo de bem público de uso comum do povo consistente no estacionamento regulamentado, assegura período de tolerância pelo tempo máximo de quinze minutos devendo o equipamento emitir comprovante de horário de chegada, por se situar a matéria no âmbito da reserva de Administração decorrente do princípio da separação de poderes, ao refletir o exercício da gestão administrativo-patrimonial sobre a utilização privativa de bens públicos de uso comum do povo. 2. Ofensa aos arts. 5º e 47, II e XIV, CE. 3. Procedência da ação.

 

 

 

 

 

Colendo Órgão Especial:

 

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade contestando a Lei Complementar n. 4.892, de 1º de novembro de 2013, do Município de Mauá, de iniciativa parlamentar, sob alegação de violação aos arts. 5º, 47, incisos II, XI e XIV, da Constituição Estadual (fls. 01/10). Concedida liminar (fls. 29/30), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo impugnado (fls. 41/43) e transcorreu in albis o prazo da Câmara Municipal para prestar informações (fl. 44).

2.                É o relatório.

3.                A Lei Complementar n. 4.892, de 1º de novembro de 2013, do Município de Mauá, que “Inclui os §§ 3º e 4º ao Art. 4º e § 3º ao Art. 6º da Lei nº 1.847, de 31 de outubro de 1983, que dispõe sobre a exploração de estacionamento de veículos em vias e logradouros públicos, na forma que estabelece, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º - Acrescente-se os §§ 3º e 4º ao Art. 4º da Lei nº 1.847, de 31 de outubro de 1983, com as seguintes redações:

‘§ 3º - É livre o estacionamento de veículos nas “Zonas Azuis” definidas de acordo com a presente Lei, durante os primeiros quinze (15) minutos, devendo o equipamento emitir comprovante de horário de chegada.’

‘§ 4º - A empresa concessionária do serviço de estacionamento de veículos nas “Zonas Azuis” definidas de acordo com a presente Lei deverá adequar os equipamentos, no prazo de trinta (30) dias a contar da publicação da presente Lei, para emissão do comprovante citado no parágrafo anterior.’

Art. 2º - Acrescente-se o § 3º ao Art. 6º da Lei nº 1.847, de 31 de outubro de 1983, com a seguinte redação:

‘§ 3º - Os equipamentos expedidores de comprovantes de tempo de estacionamento deverão obrigatoriamente expedir 02 (duas) vias do comprovante.’

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”.

4.                O uso privativo de bem público, com prerrogativa de exploração, como é o estacionamento rotativo, por tempo limitado, em vias e logradouros públicos, é típico ato de polícia administrativa, disciplinando a fruição desses bens.

5.                O estacionamento remunerado rotativo em vias e logradouros públicos reflete o exercício da gestão administrativo-patrimonial sobre a utilização privativa de bens públicos de uso comum do povo. E sob este ângulo, denota-se a violação ao princípio da separação dos poderes pela usurpação da reserva da administração, perceptível dos incisos II e XIV do art. 47 c.c. o art. 5º, da Constituição Estadual, aplicável aos Municípios por força de seu art. 144.

6.                A importância da reserva da Administração é bem aquilatada pelo Supremo Tribunal Federal:

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

7.                Em caso similar, este egrégio Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade de lei de iniciativa parlamentar:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal n° 7.192 de 17/11/2008, de Jundiaí, de iniciativa de vereador, vetada pelo Prefeito, cujo veto foi rejeitado pela Câmara Municipal, sendo promulgada pelo Presidente desta - Alegação de inconstitucionalidade por violação do principio da independência dos Poderes (artigo 5º, caput, da Constituição Estadual) – Alegação procedente porque a lei disciplina como a responsabilização de empresa operadora de estacionamento rotativo de veículos - Matéria típica de Administração de competência exclusiva do Prefeito – Ação procedente” (TJSP, ADI 176.012-0/5-00, Rel. Des. Antonio C. Malheiros, v.u., 22-09-2009).

8.                Acoimada de vício de inconstitucionalidade a lei local contestada por configurar intromissão indevida do Poder Legislativo na esfera de competência privativa do Poder Executivo, o que evidencia afronta ao princípio de separação de poderes.

9.                Neste sentido, já decidiu este egrégio Tribunal de Justiça que:

“(...) a regulamentação do estacionamento na via pública é consequência natural dessa administração, constituindo matéria de exclusiva atribuição do Prefeito, não cabendo à Câmara Municipal dizer que os integrantes desta ou daquela categoria profissional devem estacionar seus veículos aqui ou acolá. É matéria de execução e não de legislação. No que diz respeito à isenção de pagamento nas ‘Zonas Azuis’, também fica caracterizada a invasão na esfera de poder do Executivo. As ‘Zonas Azuis’ produzem receita que ingressa no orçamento municipal. Leis que afetam a produção da receita são de iniciativa do Prefeito” (Arguição de Inconstitucionalidade de Lei na Apelação Cível 30.581-0/5, São Paulo, Órgão Especial, Rel. Des. Barbosa Pereira, v.u., 10-04-1996).

10.              Face ao exposto, opino pela procedência da ação por incompatibilidade da Lei Complementar n. 4.892, de 1º de novembro de 2013, do Município de Mauá, com os arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição Estadual.

 

                   São Paulo, 11 de março de 2015.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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