Parecer em Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Processo nº 2206928-61.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Caraguatatuba
Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Caraguatatuba
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda parlamentar (Art. 2º). Lei nº 2.192, de 30 de outubro de 2014, do Município de Caraguatatuba. Parametricidade. Pertinência temática. Aumento de despesa. Ação procedente. 1. O parâmetro exclusivo da ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal é a Constituição Estadual, sendo defeso seu contraste com a legislação infraconstitucional, como a Lei Orgânica do Município. 2. Embora respeitada a pertinência temática, emenda parlamentar não pode gerar aumento de despesa prevista em projeto de lei de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo (art. 24, § 5º, CE/89). 3. Parecer pela procedência do pedido.
Colendo Órgão Especial
Senhor Desembargador Relator
Tratam estes autos de
ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Caraguatatuba,
tendo por objeto o art. 2º, acrescido por Emenda Parlamentar à Lei Municipal nº
2.192, de 30 de outubro de 2014, que “Autoriza o Poder Executivo a retroagir
os efeitos da Lei Municipal nº 2.185, de 07 de outubro de 2014, que altera o
nível de vencimento do cargo de Agente Comunitário de Saúde” (fls. 01/06),
com aditamento à fl. 15.
O alcaide alega que encaminhou
projeto de lei à Câmara Municipal com objetivo de estender aos servidores
municipais os mesmos direitos outorgados aos servidores federais pela Lei
Federal nº 12.994/2014 (fl. 11). Entretanto, a Câmara Municipal aprovou o
projeto de lei, inserindo emenda na qual autoriza o Poder Executivo a conceder
pagamento de adicional pelo exercício de atividade insalubre para ocupante do
cargo de Agente Comunitário de Saúde.
Sustenta vício de inconstitucionalidade formal na
iniciativa parlamentar em razão da usurpação de competência exclusiva do Chefe
do Executivo, razão pela qual alega haver afronta aos arts. 5º, 24, § 2º,
inciso IV, 47, incisos II, XI e XIV, e 144, todos da Constituição do Estado de
São Paulo, afirma ainda que a emenda fere o disposto no artigo 30, § 1º, inciso
II, “a” e “b”, da Lei Orgânica do Município de Caraguatatuba. Por fim, aduz que
há criação de despesas para o Poder Executivo ao conceder adicional de
insalubridade para uma categoria que não faz jus ao referido adicional.
A liminar foi deferida, para a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado, fls. 16/19.
Devidamente notificado (fl. 28), o Presidente da Câmara Municipal deixou transcorrer in albis o prazo para informações (fl. 33).
Citado regularmente (fl. 26), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 30/32).
Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria Geral de Justiça.
Primeiramente, cumpre destacar que o
contencioso de constitucionalidade de lei municipal tem como exclusivo
parâmetro a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, Constituição Federal), sendo
inadmissível seu contraste com a Lei Orgânica Municipal de Caraguatatuba como
pretende o autor.
Qualquer
alegação fundada em norma infraconstitucional, não merece cognição, tendo em
vista que é “inviável a análise de outra norma municipal
para aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ,
1ª Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012).
Desse modo, passamos a analisar o
contraste da lei impugnada tão somente em relação à Constituição Bandeirante.
A ação deve ser julgada procedente.
O Poder Executivo do Município de Caraguatatuba encaminhou à Câmara Municipal projeto de lei que “Autoriza o Poder Executivo a retroagir os efeitos da Lei Municipal nº 2.185, de 07 de outubro de 2014, que altera o nível de vencimento do cargo de Agente Comunitário de Saúde”. Contudo, a Câmara de Vereadores apresentou Emenda Parlamentar acrescentando dispositivo não contido no projeto original.
A Emenda Parlamentar acresceu o art. 2º (em destaque), renumerando o antigo dispositivo para o art. 3º, tendo a Lei nº 2.192, de 30 de outubro de 2014, do Município de Caraguatatuba, sido aprovada com o seguinte texto:
“(...)
Art. 1º - Fica o Poder Executivo
autorizado a retroagir os efeitos da Lei Municipal nº 2.185, de 07 de outubro
de 2014, ao mês de promulgação da Lei Federal nº 12.994/2014, que definiu o
piso salarial nacional do cargo de Agente Comunitário de Saúde.
Art. 2º - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder o pagamento de
adicional pelo exercício de atividade insalubre para o ocupante do cargo de
Agente Comunitário de Saúde.
Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na
data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
(...)”
Com efeito, foi acrescentado o art. 2º na Lei nº 2.192, de 30 de outubro de 2014, do Município de Caraguatatuba, dispondo sobre o pagamento de adicional pelo exercício de atividade insalubre para ocupante do cargo de Agente Comunitário de Saúde.
É sabido que, uma vez apresentado o projeto pelo Chefe do Poder Executivo, está exaurida a sua atuação. Abre-se o caminho, em seguida, para fase constitutiva da lei, que se caracteriza pela discussão e votação públicas da matéria.
Nessa fase se sobressai o poder de emendar.
O poder de emendar, com efeito, é reconhecido pela doutrina tradicional e está reservado aos parlamentares enquanto membros do Poder incumbido de estabelecer o direito novo.
Não obstante isso, o poder de emenda não é irrestrito. Em projetos de lei de iniciativa reservada do Prefeito, a Câmara Municipal pode apresentar emenda parlamentar desde que haja pertinência temática e que não ocorra aumento de despesa prevista, como se intui do seguinte julgado do Supremo Tribunal Federal:
“O exercício do poder de emenda, pelos membros do parlamento, qualifica-se como prerrogativa inerente à função legislativa do Estado - O poder de emendar - que não constitui derivação do poder de iniciar o processo de formação das leis - qualifica-se como prerrogativa deferida aos parlamentares, que se sujeitam, no entanto, quanto ao seu exercício, às restrições impostas, em ‘numerus clausus’, pela Constituição Federal. - A Constituição Federal de 1988, prestigiando o exercício da função parlamentar, afastou muitas das restrições que incidiam, especificamente, no regime constitucional anterior, sobre o poder de emenda reconhecido aos membros do Legislativo. O legislador constituinte, ao assim proceder, certamente pretendeu repudiar a concepção legalista de Estado (RTJ 32/143 - RTJ 33/107 - RTJ 34/6 - RTJ 40/348), que suprimiria, caso prevalecesse, o poder de emenda dos membros do Legislativo. - Revela-se plenamente legítimo, desse modo, o exercício do poder de emenda pelos parlamentares, mesmo quando se tratar de projetos de lei sujeitos à reserva de iniciativa de outros órgãos e Poderes do Estado, incidindo, no entanto, sobre essa prerrogativa parlamentar - que é inerente à atividade legislativa -, as restrições decorrentes do próprio texto constitucional (CF, art. 63, I e II), bem assim aquela fundada na exigência de que as emendas de iniciativa parlamentar sempre guardem relação de pertinência com o objeto da proposição legislativa” (STF, Pleno, ADI nº 973-7/AP – medida cautelar. Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19 dez. 2006, p. 34).
In casu, a emenda
tem pertinência temática, porém, é inconstitucional por implicar aumento de
despesa prevista na medida em que o poder público deverá pagar adicional
pelo exercício de atividade insalubre para ocupante do cargo de Agente
Comunitário de Saúde.
A emenda, portanto, extravasa
o seu limite constante do art. 24, § 5º, nº 1, da Constituição Estadual,
aplicável aos Municípios por força de seu art. 144:
“(...)
§ 5º - Não será admitido o aumento da despesa prevista:
1. nos projetos de iniciativa exclusiva do Governador, ressalvado o disposto no art. 174, §§ 1º e 2º;
(...)
Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)”
Diante do exposto, aguarda-se seja o pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, acrescido por Emenda Parlamentar à Lei nº 2.192, de 30 de outubro de 2014, do Município de Caraguatatuba, por violação ao art. 24, § 5º, nº 1, da Constituição Bandeirante.
São Paulo, 02 de março de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
md/dcm