Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2207405-84.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Santo André

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Santo André

 

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade.  Lei n. 9.619, de 22 de setembro de 2014, do Município de Santo André. Preliminares. Impossibilidade de concessão de liminar pelo desembargador relator e inadequação da via eleita. Rejeição. Instituição do “pedal noturno” no Município de Santo André. Iniciativa Parlamentar. Reserva da Administração. Separação de poderes. Procedência da ação. 1. Preclusão temporal. Agravo regimental como instrumento processual adequado.  Possibilidade de concessão de liminar pelo Desembargador Relator (arts. 226 e 227 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo). 2. O art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29, caput, da Constituição Federal - determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal. 3. A iniciativa parlamentar de lei local, que institui evento no Município, impondo a participação do Poder Executivo, é incompatível com a reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo e com a reserva da Administração, decorrentes do princípio da separação de poderes (arts. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV e XIX, a). 4. Quando lei de iniciativa parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176, I, CE/89, seja porque aquele exige a indicação de recursos para atendimento das novas despesas (que não estão previstas) seja porque é reservada ao Chefe do Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual. 5. Procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

               Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei n. 9.619, de 22 de setembro de 2014, do Município de Santo André, que “Institui no Município de Santo André o passeio ciclístico ‘Pedal Noturno’ e dá outras providências”, sob alegação de violação do princípio da separação e independência entre os Poderes e do princípio do interesse público, por inserir-se a matéria na Reserva da Administração e por usurpar competência do chefe do Poder Executivo, uma vez que se trataria de ato típico de gestão administrativa. Além dos arts. 5º e 25 da Constituição Estadual, alegou também afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Concedida a liminar (fl. 19), a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa da norma contestada (fls. 31/33) e a Câmara Municipal de Santo André prestou informações defendendo a constitucionalidade do ato impugnado e pleiteando a revogação da liminar deferida (fls. 35/44).

É o relatório.

As preliminares não prosperam.

Requereu o Presidente da Câmara Municipal a revogação da medida liminar concedida, sustentando a impossibilidade da apreciação do pedido de liminar pelo Relator, pois seria necessária a apreciação pela maioria absoluta dos membros do Tribunal.

Em primeiro lugar, ocorreu preclusão temporal no tocante à possibilidade de pedido de revogação de liminar concedida, como também é inadequado o meio utilizado.

Como é sabido, o instrumento processual adequado para tal medida, previsto no Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é o denominado agravo regimental.

Em segundo lugar, o art. 226 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, estabelece que: “A ação direta de inconstitucionalidade será processada conforme a Constituição do Estado de São Paulo e a legislação (Lei 9.868, de 10.11.99), no que couber” (grifo nosso). Portanto, o controle de constitucionalidade de normas municipais e estaduais deve obedecer ao disposto no Regimento Interno do Tribunal de Justiça e, apenas em caso de omissão deste, o disposto na Lei n. 9.868/99.

Daí a impossibilidade da aplicação do art. 10, caput, da Lei nº 9.868/99, segundo o qual “a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal” , uma vez que o Regimento Interno do Egrégio Tribunal estabelece expressamente, em seu art. 227, que compete ao relator apreciar a medida cautelar, sendo facultativa, em caso de relevância da questão, a submissão da apreciação da liminar ao Órgão Colegiado (cf. art. 165, § 2º., do RITJSP), in verbis:

“Art. 227. Caberá ao relator a apreciação da medida cautelar, ressalvada a hipótese do art. 165, § 2º, deste Regimento.

(...)

Art. 165. O relator é o juiz preparador do feito e decidirá as questões urgentes, liminares, incidentes e aquelas que independem do colegiado, nos termos da legislação, oficiando, ainda, como instrutor, sendo facultada a delegação de diligências a juiz de primeiro grau.

(...)

§ 2º Diante da relevância da questão, o relator, em qualquer feito, poderá submeter diretamente ao colegiado a apreciação da liminar ou medida antecipatória.” (grifo nosso)

Conclui-se, dessa forma, que, ante a previsão do art. 227 do RITJSP que permite a apreciação da liminar pelo relator para ações diretas ajuizadas perante o Egrégio Tribunal de Justiça, descabida aplicação do rito constante do art. 10, caput, Lei nº 9.868/99, que diz respeito apenas às ações diretas ajuizadas perante o Supremo Tribunal Federal. Neste sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL - DECISÃO MONOCRÁTICA, PROFERIDA PELO RELATOR EM AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE, DEFERINDO LIMINAR PARA SUSPENDER A VIGÊNCIA E EFICÁCIA DE LEI COMPLEMENTAR MUNICIPAL - COMPETÊNCIA DO RELATOR PARA APRECIAÇÃO DO PLEITO, SEGUNDO O PRECONIZADO NO ARTIGO 93. XV. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CAUTELA. ALÉM DA CONVENIÊNCIA DA MEDIDA ALVITRADA - INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A GARANTIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. VISTO QUE O JUDICIÁRIO É O INTERPRETE DA CONSTITUIÇÃO - DESCABIMENTO DE APLICAÇÃO DO RITO DA LEI 9.868/99. QUE DIZ APENAS COM AS AÇÕES DIRETAS AJUIZADAS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - INCIDÊNCIA DAS NORMAS REGIMENTAIS. NESTE PARTICULAR - PROVIMENTO NEGADO POR INEXISTENTE RAZÃO HÁBIL A DIVERSA SOLUÇÃO. NOS TERMOS DO DECISUM RECORRIDO” (Agravo Regimental nº. 162.920.030-1 – Rel. Des. A. C. MATHIAS COLTRO – j. 27.02.2008, grifo nosso)

“Agravo regimental – Concessão monocrática de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade - Impossibilidade de reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam do Presidente da Câmara Municipal, posto achar-se inserida, dentre suas atribuições, a de representar, em Juízo ou fora dele, sobre dito órgão legislativo - Ausência, outrossim, de afronta ao disposto nos artigos 226 do RITJSP, 10, caput, da Lei n° 9.868/99 e 97 da Constituição Federal, bem assim ao comando inscrito na Súmula Vinculante n° 10 do STF, uma vez que compete ao relator, na via do controle concentrado de constitucionalidade, a apreciação do pedido liminar (ex vi do artigo 227 do RITJSP) - Inexistência, ainda, de argumentação apta a demonstrar, nesta sede recursal, o desacerto do decisum guerreado - Agravo improvido.” (Agravo Regimental nº. 0403127-32.2010.8.26.000000 – Rel. Des. Guilherme G.Strenger  – j. 03.02.2010, grifo nosso)

Frise-se que a lei federal infraconstitucional (Lei n. 9.868/99) deverá ser aplicada apenas de forma supletiva, naquilo que o Regimento não previu, o que não é o caso, visto que o art. 227 prevê a competência do Desembargador Relator para apreciar pedido liminar em sede de controle concentrado de constitucionalidade. 

Outrossim, a decisão apenas suspendeu a eficácia das normas liminarmente, não impedindo que a decisão final sobre a constitucionalidade dos referidos diplomas seja pronunciada pelo Órgão Especial. Neste sentido decisão do Colendo Órgão Especial, in verbis:

“AGRAVO REGIMENTAL - MEDIDA LIMINAR - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CRIAÇÃO DE CARGOS COMISSIONADOS E RESPECTIVOS VENCIMENTOS – LIMINAR CONCEDIDA - DECISÃO MANTIDA. 1. Nada impede o relator de apreciar, em summaría cognitio, o cabimento de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade de lei, em virtude do art 10, §3", da Lei n" 9.868/99 e do art. 227 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. (...) Evidente, portanto, que nenhum órgão fracionário (Turmas, Câmaras ou Seções), pode declarar a inconstitucionalidade de ato normativo, por se tratar de extraordinária competência reservada ao STF e ao Órgão Especial dos tribunais onde houver, sendo regida pelo princípio da reserva do Plenário (CF, art. 97). Mas nada impede o relator de apreciar, em summaria cognitio, o cabimento de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade de lei, em virtude do art. 10, §3°, da Lei n° 9.868/99 e do art. 227 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.” (Agravo Regimental nº. 0588675-33.2010.8.26.0000/5000 - Des. Rel. Artur Marques  – j. 02.03.2011, grifo nosso)

“Ação direta de inconstitucionalidade - Decisão do relator suspendendo liminarmente a eficácia de determinadas expressões mencionadas no ato impugnado - Ausência de violação ao artigo 97 da Constituição Federal e Súmula vinculante n° 10 - Ato judicial proferido por juiz natural integrante do Órgão Especial do Tribunal, competente para análise e julgamento da ação - Decisão provisória e sujeita a recurso que, ao ser interposto, deverá ser julgado pelo Plenário, que estará decidindo quanto à revogação ou manutenção da decisão do relator- Preliminar rejeitada.” (Agravo Regimental nº. 994.09.229475-4 – Rel. Des. José Reynaldo  – j. 27.10.2010, grifo nosso)

Posto isso, a preliminar de irregularidade formal há de ser afastada, pois comprovadamente possível a apreciação de liminar pelo Desembargador Relator em Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Também deve ser afastada a preliminar de inadequação da via eleita, na qual sustentou a Câmara Municipal que o controle de constitucionalidade de lei municipal perante o Tribunal de Justiça não poderia ter a Constituição Federal como parâmetro.

O art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29, caput, da Constituição Federal - determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

             Ademais, o controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual, consoante previsto no § 2º do art. 125 da Constituição Federal, razão pela qual é inadmissível seu contraste com a Lei de Responsabilidade Fiscal (fl. 7).

               No mérito, a ação é procedente.

               A lei em foco ao instituir evento oficial, o “Pedal Noturno”, invadiu a esfera da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo porque obriga a participação de órgãos públicos que lhe são subordinados (art. 1°, p.u., e art. 2º) no planejamento, na regulamentação e na execução do evento.

               Além disso, a lei impugnada invadiu a esfera reservada privativamente à Administração para disciplina do funcionamento de órgãos subordinados ao Chefe do Poder Executivo, na medida em que determinou que as atividades sejam realizadas sob a orientação de agentes de trânsito (art. 1°, p.u.).

               É ponto pacífico que “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

               Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.

               Também prevê no art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

               A alínea a do inciso XIX desse art. 47 fornece ao Chefe do Poder Executivo a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal. Por sua vez, os incisos II e XIV estabelecem competir-lhe o exercício da direção superior da administração e a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo.

               A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual.

               Pois, ao estabelecer atribuições a órgão do Poder Executivo, de um lado, ela viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo, assunto cuja iniciativa legislativa lhe é reservada.

             Neste sentido, a jurisprudência:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5°e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009)

               E como exposto, invade a denominada reserva de Administração, consoante já decidido:

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

                  E se a tanto não bastasse, se, em linha de princípio, a falta de recursos orçamentários não causa a inconstitucionalidade de lei, senão sua ineficácia no exercício financeiro respectivo à sua vigência – porque “inclina-se a jurisprudência no STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo” (STF, ADI 1.585-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-12-1997, v.u., DJ 03-04-1998, p. 01) -, quando lei de iniciativa parlamentar cria ou fornece atribuição ao Poder Executivo ou seus órgãos demandando diretamente a realização de despesa pública não prevista no orçamento para atendimento de novos encargos, com ou sem indicação de sua fonte de cobertura inclusive para os exercícios seguintes, ela também padece de inconstitucionalidade por incompatibilidade com os arts. 25, 174, III, e 176, I, da Constituição Estadual, seja porque aquele exige a indicação de recursos para atendimento das novas despesas (que não estão previstas) seja porque é reservada ao Chefe do Poder Executivo iniciativa legislativa sobre o orçamento anual, conforme pronuncia o Supremo Tribunal Federal:

“Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Lei do Estado do Amapá. 3. Organização, estrutura e atribuições de Secretaria Estadual. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. Precedentes. 4. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. Precedentes. 5. Ação julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 341, p. 35).

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Do Estado do Rio Grande do Sul. Instituição do Pólo Estadual da Música Erudita. 3. Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. 4. Matéria de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 5. Precedentes. 6. Exigência de consignação de dotação orçamentária para execução da lei. 7. Matéria de iniciativa do Poder Executivo. 8. Ação julgada procedente” (LEXSTF v. 29, n. 338, p. 46).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 10.238/94 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA ESTADUAL DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA, DESTINADO AOS MUNICÍPIOS. CRIAÇÃO DE UM CONSELHO PARA ADMIUNISTRAR O PROGRAMA. LEI DE INICIATIVA PARLAMENTAR. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 61, § 1º, INCISO II, ALÍNEA ‘E’, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Vício de iniciativa, vez que o projeto de lei foi apresentado por um parlamentar, embora trate de matéria típica de Administração. 2. O texto normativo criou novo órgão na Administração Pública estadual, o Conselho de Administração, composto, entre outros, por dois Secretários de Estado, além de acarretar ônus para o Estado-membro. Afronta ao disposto no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’ da Constituição do Brasil. 3. O texto normativo, ao cercear a iniciativa para a elaboração da lei orçamentária, colide com o disposto no artigo 165, inciso III, da Constituição de 1988. 4. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 2º e 3º da lei atacada implica seu esvaziamento. A declaração de inconstitucionalidade dos seus demais preceitos dá-se por arrastamento. 5. Pedido julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 10.238/94 do Estado do Rio Grande do Sul” (RTJ 200/1065).

               Face ao exposto, opino pela procedência da ação por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, 47, II, XIV e XIX, a, 174, III e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

São Paulo, 19 de janeiro de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

md/mam