Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 2216395-64.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Monte Aprazível

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Monte Aprazível

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. preliminar de ilegitimidade ativa da Pessoa Jurídica de Direito Público. Separação de poderes. Reserva da Administração. Padronização cromática de bens e serviços públicos. Ação direta de inconstitucionalidade.  Procedência.1. Preliminar. Ilegitimidade ativa do Município de Monte Aprazível. A legitimidade ativa ad causam, bem como a capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, pertencem ao Chefe do Executivo. Extinção do processo sem resolução do mérito. 2. A padronização cromática de bens e serviços públicos, inclusive de placas e obras, pelas cores do pavilhão comunal ou outra especificada, é ato privativo da gestão administrativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. 3. Lei municipal de iniciativa parlamentar que usurpa a reserva da Administração, com ofensa ao princípio da separação dos poderes (arts. 5º e 47, II e XIV, Constituição Estadual). 4. Parecer pela procedência.

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito do Município de Monte Aprazível impugnando a Lei n. 3.280, de 10 de novembro de 2014, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre “normas para pinturas nas edificações e veículos oficiais pertencentes ao Município de Monte aprazível e dá outras providências (fls. 1/10). A liminar foi concedida (fl. 40/41), a Câmara Municipal prestou informações, ocasião em que apenas defendeu a constitucionalidade do ato normativo impugnado (fls. 47/50) e a douta Procuradoria-Geral do Estado não manifestou interesse na defesa do ato (fls. 71/73).

2.                Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria-Geral de Justiça.

3.                É o relato do essencial.

PRELIMINARMENTE

Da falta de legitimidade ativa do Município de Monte Aprazível

4.                A inicial foi proposta pelo Município de Monte Aprazível, assinada pelo advogado (fls. 01/10).

5.             Ademais, há irregularidade no instrumento de mandato, uma vez que o próprio Município de Monte Aprazível outorgou poderes ao causídico, e não o Prefeito Municipal.

6.                A legitimidade ativa pertence ao Prefeito do Município (art. 90, II, Constituição Estadual), bem como a capacidade postulatória, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal:

“O Governador de Estado é detentor de capacidade postulatória intuitu personae para propor ação direta, segundo a definição prevista no artigo 103 da Constituição Federal. A legitimação é, assim, destinada exclusivamente à pessoa do Chefe do Poder Executivo estadual, e não ao Estado enquanto pessoa jurídica de direito público interno, que sequer pode intervir em feitos da espécie” (ADI(AgRg)1.797-PE, DJ de 23.2.01; ADI (AgRg) 2.130-SC, Celso de Mello, j. de 3.10.01, Informativo 244; ADI (EMBS.) 1.105-DF, Maurício Corrêa, j. de 23.8.01; ADI 1814-DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, 13-11-2001, DJ 12-12-2001).

7.                Consoante explica a doutrina, “os legitimados para a ação direta referidos nos itens I a VII do art. 103 da CF dispõem de capacidade postulatória plena, podendo atuar no âmbito da ação direta sem o concurso de advogado” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes. Controle concentrado de constitucionalidade, São Paulo: Saraiva, 2007, 2ª ed., p. 246).

8.                Logo, considerando a envergadura política dessa legitimidade ativa ad causam, englobante da capacidade postulatória, é razoável assentar que, embora dispensável a representação por causídico, sua existência, todavia, importa a necessidade de poderes especiais ou subscrição conjunta da petição inicial.

9.                Esse Colendo Órgão Especial em decisão recente sufragou este entendimento, conforme se verifica pela seguinte ementa:

“Ação direta objetivando a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Complementar Municipal n. 2.220, de 20 de outubro de 2011. O chefe do Executivo, detentor de legitimidade ativa ‘ad causam’ e de capacidade postulatória para o ajuizamento de ação direta, não subscreveu a petição inicial nem outorgou o instrumento procuratório. Irregularidade da representação. Ocorrência. Precedentes deste Colendo Órgão Especial. Julga-se extinta a ADIN sem resolução do mérito com fundamento no artigo 267, IV do Código de Processo Civil, ficando revogada a liminar concedida anteriormente” (ADIN nº 0030396-43.2012.8.26.000, Rel. Des. Guerrieri Resende, j. 17 de outubro de 2012)

10.              Assim, evidente a ilegitimidade ativa, requeiro seja indeferida a inicial.

11.              Feitas essas considerações, passo a análise do mérito.

12.             A Lei nº 3.280, de 10 de novembro de 2014, de Monte Aprazível, de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre normas para pinturas nas edificações e veículos oficiais pertencentes ao Município de Monte Aprazível e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica padronizado as pinturas dos prédios públicos com base nas cores da bandeira do município (azul, vermelho e branco), para identificação dos bens móveis e órgãos da administração pública municipal.

§1º. A padronização da pintura que trata o caput deste artigo será aplicada na parte externa dos prédios públicos municipais.

§2º. Os prédios públicos construídos com recursos obtidos a partir de convênios com outros poderes poderão conter outras cores, desde que seja exigência e deverá estar contida expressamente no referido termo de convênio.

Art. 2º. O cumprimento dos termos desta lei será dado a partir de sua publicação, nas pinturas de obras novas, reformas realizadas, aquisição e doação de veículos ou substituição dos adesivos por perda de sua utilidade a partir desta data.

Art. 3º. Os uniformes escolares possuirão as cores descritas no caput do artigo primeiro desta lei.

Art. 4º. Salvo em caso de extremo grau de necessidade ou por força de lei contrária, a Administração Pública poderá pintar os próprios públicos de outra cor a não serem as previstas no artigo primeiro dessa lei.

Art. 5º. Os veículos oficiais devem ser preferencialmente na cor branca, salvo veículo oficial do prefeito e gabinete, e sua adesivagem deverá conter somente o número de lançamento do patrimônio, a identificação do setor, a bandeira do Município sem estilização e o brasão oficial do Município.

§1º. Os veículos adquiridos através de convênios e doação por parte do Estado e da União poderão ter os adesivos obrigatórios constantes no termo de doação e convênio.

§2º. Os ônibus, micro-ônibus, vans poderão ter em sua carenagem adesivos com fotos de pontos turísticos de nossa cidade, como a Represa Lavínio Luchesi, Parque das Águas José Agrelli, Cristo Redentor, praza da Bandeira, praça São João, Fonte Luminosa, Praça Cônego Laurentino Álvarez.

Art. 6º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogada as disposições em contrário.

(...)”

13.              Na ordem constitucional vigente, que incorporou o postulado da separação de funções estatais de poder, a gestão do patrimônio público é reservada ao Poder Executivo.

14.              A Constituição Estadual consagra a reserva da Administração, isto é, a competência do Poder Executivo para emissão de atos administrativos típicos da gestão ordinária do patrimônio público, e inclusive de atos normativos para disciplina de matérias não privativas de lei. Neste sentido, enuncia a jurisprudência:

“RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).

15.              Pela extensão do art. 144 da Constituição Estadual aos Municípios, compete ao Chefe do Poder Executivo o exercício, com o auxílio dos Secretários, da direção superior da administração (Constituição Estadual, art. 47, II) e da prática de atos de administração, nos limites de sua competência (Constituição Estadual, art. 47, XIV), ou seja, emitir atos administrativos ou normativos na esfera de sua atribuição exclusiva (também denominada reserva da Administração).

16.              Julgados do colendo Órgão Especial deste egrégio Tribunal de Justiça têm pronunciado a inconstitucionalidade de leis similares por invasão das atribuições do Poder Executivo (ADI 65.571-0/0, Rel. Des. Gentil Leite, v.u., 14-03-2001; ADI 101.268-0/9-00, Rel. Des. Theodoro Guimarães, v.u., 15-10-2003; ADI 143.132-0/6-00, Rel. Des. Palma Bisson, v.u., 08-08-2007). Neste sentido, e incorporando seus fundamentos, o seguinte aresto:

Ação direta de inconstitucionalidade – Lei Municipal nº 3.843, de 23 de agosto de 2006, do Município de Bragança Paulista, que ‘define as cores externas dos bens imóveis de propriedade do patrimônio público municipal e dá outras providências’ – Decorrente de projeto de iniciativa parlamentare promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito – Há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo, de exclusiva competência deste, impondo à Prefeitura a obrigatoriedade de prestar e executar um serviço público, gerando despesas e criando atribuições para órgãos públicos. Afronta aos artigos 5º, 25, 37, 47, II, XIV, 144 e 175, I da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE” (ADI 140.368-0/0-00, Rel. Des. Viana Santos, v.u., 19-03-2008).

17.              Em suma, a lei local violou os arts. 5º e 47, II e XIV, da Constituição Estadual.

18.              Diante do exposto, aguarda-se seja acolhida a preliminar para a extinção do processo sem resolução do mérito, ou caso corrigida a inicial e instrumento de mandato o pedido deve ser julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 3.280, de 10 de novembro de 2014, do Município de Monte Aprazível.

São Paulo, 15 de janeiro de 2015.

                                    

 

        Nilo Spinola Salgado Filho

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

aaamj/mi