Parecer
Processo n. 2219717-92.2014.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de
Sorocaba
Requerida: Câmara Municipal de Sorocaba
Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 9.688, de 20 de Julho de 2011, do Município de Sorocaba. Normas sobre convênios. Subordinação de atos de gestão administrativa ao Poder Legislativo. Lei de iniciativa parlamentar. Violação da separação de poderes e do princípio federativo. Procedência da ação. 1. Não se coaduna com o princípio da separação de poderes a sujeição à aprovação legislativa da celebração de convênios pelo Poder Executivo, em lei de iniciativa parlamentar, por vulnerar a reserva da Administração, uma vez que se trata de ato de administração típica e ordinária exclusivamente da competência do Poder Executivo (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a, Constituição Estadual). 2. Embora convênio não seja contrato em sentido estrito, ele é espécie do gênero ajuste ou acordo, revelando contratação em sentido amplo. 3. Traçando a lei local normas gerais, invadiu espaço reservado à competência normativa federal (art. 22, XXVII, Constituição Federal), violando o princípio federativo aplicável por força da norma remissiva art. 144 da Constituição Estadual. 4. Procedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Sorocaba impugnando a Lei n. 9.688, de 20 de julho 2011, do Município de Sorocaba, que institui normas e procedimentos para a celebração de convênios com entidades que venham a pleitear verba do poder público, de iniciativa parlamentar, suscitando sua incompatibilidade com os arts. 1º; 2º; 22, XXVII; 29; 61, § 1º; 84, II e III da Constituição Federal e os arts. 5º; 24 § 2º; 47, II e 144 da Constituição Estadual.
2. Indeferida
a liminar (fls. 124/125), foi interposto agravo regimental (fls. 149/158), ao qual foi negado
provimento (fls. 184/186).
3. A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou
de sua defesa (fls. 133/135).
4. O Presidente da Câmara Municipal
apresentou suas informações (fls. 139/146), defendendo a constitucionalidade da
lei.
5. É
o relatório.
6. A lei local impugnada, de
iniciativa parlamentar, disciplina convênios, estabelecendo requisitos e
condições, e inclusive sua aprovação pelo Poder Legislativo.
7. Emana do princípio da separação dos poderes a proibição de interferência de um Poder sobre o outro. Pelo desenho normativo-constitucional, a celebração de convênio ou ajuste administrativo é típico ato de gestão administrativa, elementar às funções reservadas ao Poder Executivo, e imune da participação do Poder Legislativo. Corolário do princípio da separação dos poderes é que as interferências recíprocas entre os Poderes da República são aquelas expressamente consignadas e previstas na Constituição.
8. Situa-se o juízo de conveniência e oportunidade a celebração de convênio única e exclusivamente no domínio da competência do Poder Executivo, constituindo aquilo que se denomina como reserva da Administração, e que é assim balizada pela Suprema Corte:
“RESERVA DE
ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional da reserva
de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias
sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em
tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos
atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não cabe, desse
modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da
separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo
que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas
privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando
efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão
funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição
parlamentar e importa em atuação ultra
vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica,
exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas
institucionais” (STF, ADI-MC 2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de
Mello, 01-08-2001, DJ 14-12-2001, p. 23).
9. Tratando-se de típica atividade de administração ordinária, portanto, a lei local objurgada é inconstitucional por manifesta incompatibilidade vertical com os arts. 5º e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual, incidentes na espécie, por obra de seu art. 144.
10. Neste sentido, calha a invocação de cediça jurisprudência acentuando a inadmissibilidade da sujeição à autorização legislativa de convênios, acordos ou contratos públicos:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 60, XXVI, DA LEI ORGÂNICA DO DISTRITO FEDERAL.
ALEGADA INCOMPATIBILIDADE COM OS ARTS. 18, E 25 A 28, TODOS DA CARTA DA
REPÚBLICA. Dispositivo que, ao submeter à Câmara Legislativa distrital a
autorização ou aprovação de convênios, acordos ou contratos de que resultem
encargos não previstos na lei orçamentária, contraria a separação de poderes,
inscrita no art. 2.º da Constituição Federal. Precedentes. Ação julgada
procedente” (STF, ADI 1.166-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão,
05-09-2002, v.u., DJ 25-10-2002, p. 24).
“CONSTITUCIONAL.
CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS, AJUSTES E INSTRUMENTOS CONGÊNERES. APROVAÇÃO DA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Normas que subordinam
convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder
Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade.
II. - Suspensão cautelar da Lei nº l0.865/98, do Estado de Santa Catarina”(STF,
ADI-MC 1.865-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 04-09-1999, v.u., DJ
12-03-1999, p. 02).
“Ação direta
de inconstitucionalidade. Art. 20, inciso III do artigo 40 e a expressão ‘ad
referendum da Assembléia Legislativa’ contida no inciso XIV do artigo 71, todos
da Constituição do Estado de Santa Catarina. Pedido de Liminar. - Normas que
subordinam convênio, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo
Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa. Alegação de
ofensa ao princípio da independência e harmonia dos Poderes (art. 2º da
Constituição Federal). Liminar deferida para suspender, ‘ex nunc’ e até
julgamento final, a eficácia dos dispositivos impugnados” (STF, ADI-MC
1.857-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 27-08-1998, v.u., DJ
23-10-1998, p. 02).
“Ação direta
de inconstitucionalidade. Incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e § 1º do
artigo 15, todos da Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de
outubro de 1989. - Os incisos XIII e XIX do artigo 71 da Constituição do Estado
da Bahia são ofensivos ao princípio da independência e harmonia dos Poderes
(artigo 2º da Constituição Federal) ao darem à Assembléia Legislativa
competência privativa para a autorização de convênios, convenções ou acordos a
ser celebrados pelo Governo do Estado ou a aprovação dos efetivados sem
autorização por motivo de urgência ou de interesse público, bem como para
deliberar sobre censura a Secretaria de Estado. - Violam o mesmo dispositivo
constitucional federal o inciso XXX do artigo 71 (competência privativa à
Assembléia Legislativa para aprovar previamente contratos a ser firmados pelo
Poder Executivo e destinados a concessão e permissão para exploração de
serviços públicos) e a expressão ‘dependerá de prévia autorização legislativa
e’ do § 1º do artigo 25 (relativa à concessão de serviços públicos), ambos da
Constituição do Estado da Bahia. Ação julgada procedente em parte, para declarar
a inconstitucionalidade dos incisos XIII, XXIX e XXX do artigo 71 e a expressão
‘dependerá de prévia autorização legislativa e’ do § 1º do artigo 25, todos da
Constituição do Estado da Bahia, promulgada em 05 de outubro de 1989” (STF, ADI
462-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 20-08-1997, v.u., DJ
18-02-2000, p. 54).
“CONSTITUCIONAL.
CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS E ATOS DE SECRETÁRIOS DE ESTADO. APROVAÇÃO DA
ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Norma que subordina
convênios, acordos, contratos e atos de Secretários de Estado à aprovação da
Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao princípio da
independência e harmonia dos poderes. C.F., art. 2º. II. -
Inconstitucionalidade dos incisos XX e XXXI do art. 99 da Constituição do
Estado do Rio de Janeiro. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
procedente” (STF, ADI 676-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso,
01-07-1996, v.u., DJ 29-11-1996, p. 47.155).
11. Pois, como posto em relevo, a norma impugnada desafia a discricionariedade administrativa, merecendo idêntica solução a que foi dispensada anteriormente à previsão na Lei Orgânica do Município de Ribeirão Preto de sujeição de convênios à autorização legislativa:
“Ação direta
de inconstitucionalidade – Dispositivos da Lei Orgânica do Município de
Ribeirão Preto que exigem autorização prévia do Poder Legislativo para
celebração de convênios com entidades públicas ou particulares e constituição
de consórcios municipais – Ato típico da administração – Poder inerente à
função do Chefe do Poder Executivo – Ofensa ao princípio da separação dos
poderes – Procedência da ação” (TJSP, ADI 161.804-0/5, Órgão Especial, Rel.
Des. Celso Limongi, 24-09-2008, v.u.).
12. Também a ação é
procedente porque a lei local impugnada viola o princípio federativo, cuja incidência é admissível
nesta via por obra da norma remissiva constante do art. 144 da Constituição
Estadual.
13. O art. 144 da Constituição
Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da
Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado
“norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos
limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da
Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o
controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo
(STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF,
Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010). Daí
decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da
Constituição Estadual por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 22, XXVII.
14. Ora, uma das técnicas de equilíbrio
inerente ao princípio federativo é a repartição de competências entre os entes
de seu pacto orgânico. Imbuída desse espírito a Constituição de 1988 cometeu à
União, em caráter privativo, legislar sobre normas gerais de contratação em
todas as modalidades.
15. Embora convênio não seja contrato
em sentido estrito – porque neste há divergência de vontades e deveres
contrapostos enquanto naquele há convergência e obrigações comuns –, ele é espécie
do gênero ajuste ou acordo, revelando contratação em sentido amplo, o que se
situa no domínio do art. 22, XXVII, da Constituição Federal.
16. No ponto, a lei local traça normas
gerais, invadindo espaço reservado à competência normativa federal.
17. Opino pela procedência da ação.
São
Paulo, 3 de março de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
ms/mam