Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 2229460-29.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito do Município de Americana

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de Americana

 

 

Constitucional. Administrativo. Tributário. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 5.434, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Americana. Lei Complementar Municipal que estabelece Regime Especial de Recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza para as sociedades uniprofissionais e para os prestadores de serviços de registros públicos, cartorários e notários. Preliminarmente. Limites à cognição judicial no processo objetivo de controle de constitucionalidade das leis. Mérito. Redução, remissão e anistia. Lei específica tributária. Questões de fato, cuja verificação é inviável no controle concentrado de normas. Ausência de constatação de inconstitucionalidade. Improcedência da ação. 1. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 5.434, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Americana, que “Estabelece Regime Especial de Recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza para as sociedades uniprofissionais e para os prestadores de serviços de registros públicos, cartorários e notariais que específica”. Preliminares. 2. A ofensa à legislação infraconstitucional não é suficiente para deflagrar o processo objetivo de controle de constitucionalidade. Ofensa reflexa ou indireta ao texto constitucional não viabiliza a instauração da jurisdição constitucional. Ademais, à luz do art. 125, § 2º, CF/88, o contencioso estadual de constitucionalidade de ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual, não cabendo alegação de ofensa à Constituição Federal. Mérito. 3. Ausência de estimativa do impacto orçamentário e de previsão de medidas de compensação. Questões de fato, cuja verificação é inviável no controle concentrado de normas. 4. Não se tratando de lei orçamentária, e sim de lei tributária, é descabida a arguição de ofensa ao art. 174 da Constituição Estadual. 5. Ausência de constatação de inconstitucionalidade. 6. Parecer pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Senhor Desembargador Relator

 

Tratam estes autos de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de Americana, tendo por objeto a Lei Complementar nº 5.434, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Americana, que Estabelece Regime Especial de Recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza para as sociedades uniprofissionais e para os prestadores de serviços de registros públicos, cartorários e notariais que específica” por suposta afronta aos princípios constitucionais que vedam a renúncia de receitas sem ausência de previsão orçamentária autorizativa, estando eivada de vício por contrariedade à Lei de Responsabilidade Fiscal, aos arts. 111, 174, §§ 2º e 6º da Constituição Estadual, e por simetria ao art. 165, § 6º da Constituição Federal (fls. 01/28).

Sustentou, em síntese, que o ex-Prefeito foi cassado, tendo em vista diversas irregularidades constatadas no exercício do mandato, como, por exemplo, esta lei impugnada, a qual renunciou crédito tributário devidamente constituído pela autoridade fiscal, através de auto de infração e imposição de multa. Aduziu, ainda, que houve perda expressiva na arrecadação no importe de R$ 756.859,00, tendo em vista a redução da alíquota de 5% para 2% do ISS para os prestadores de serviços de registros públicos, cartorários e notários. Por fim, alegou que o grupo beneficiado pela lei impugnada é detentor expressivo do poder econômico.

A liminar foi indeferida (fls. 207/208). Citado regularmente (fls. 224), o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo impugnado, afirmando tratar de matéria de interesse exclusivamente local (fls. 226/228).

         O Presidente da Câmara Municipal de Americana sustenta que não há qualquer inconstitucionalidade que macule a existência da lei em discussão (fls. 230/237), enfatizando a regularidade do respectivo processo legislativo.

Nestas condições vieram os autos para manifestação desta Procuradoria Geral de Justiça.

PRELIMINAR: IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DE PARÂMETROS INFRACONSTITUCIONAIS OU CONTIDOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Averbe-se, inicialmente, que não é possível, nesta ação, examinar a alegação de que o dispositivo normativo impugnado contraria a Constituição Federal, ou mesmo normas contidas na legislação infraconstitucional, seja ela federal, estadual, ou do próprio Município.

É que a cognição do tribunal, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, está limitada à verificação da ofensa direta à Constituição do Estado, ficando excluída a possibilidade de análise de inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo de questões de fato.

Ademais, à luz do art. 125, § 2º, CF/88, o contencioso estadual de constitucionalidade de ato normativo municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual, não cabendo alegação de ofensa à Constituição Federal.

         Tem prevalecido na doutrina e na jurisprudência, nesse tema, o sentido de que, no processo objetivo, a única avaliação admissível é aquela referente à questão de direito, no confronto direto entre a lei e o texto constitucional.

         A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: “A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546, g.n.).

         A apreciação da ação deve se restringir, portanto, à argumentada incompatibilidade entre a norma impugnada e a Constituição do Estado de São Paulo, sob pena de violação ao art. 102, I, “a”, e ao art. 125, § 2º, ambos da CF.

DO MÉRITO

A ação deve ser julgada improcedente.

         A Lei Complementar nº 5.434, de 12 dezembro de 2012, do Município de Americana, que Estabelece Regime Especial de Recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza para as sociedades uniprofissionais e para os prestadores de serviços de registros públicos, cartorários e notariais que específica, de iniciativa do Poder Executivo, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º Adotar-se-á, nos termos desta lei, o Regime Especial de Recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza, quando os serviços descritos nos subitens 4.01, 4.02, 4.06, 4.08, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.15, 4.16, 5.01, 7.01, 17.14, 17.16, 17.18, 17.19, 17.20 e 32.01 da Lista do art. 38 da Lei nº 4.930, de 24 de dezembro de 2009, forem prestados por sociedades constituídas na forma do § 1º deste artigo, estabelecendo-se como receita bruta mensal, multiplicado pelo número de profissionais habilitados, o valor de:

I - R$ 1.490,56 (um mil, quatrocentos e noventa reais e cinquenta e seis centavos) para os subitens 4.01, 4.02, 4.08, 4.12, 4.15, 4.16, 7.01 e 17.14;

II - R$ 1.233,35 (um mil, duzentos e trinta e três reais e trinta e cinco centavos) para os subitens 5.01 e 17,19;

III - R$ 1.019,59 (um mil, dezenove reais e cinquenta e nove centavos) para os subitens 4.06, 4.11, 4.13, 4.14, 17.16, 17.18 e 17.20;

IV - R$ 509,79 (quinhentos e nove reais e setenta e nove centavos) para o subitem 32.01.

§ 1º As sociedades de que trata o caput deste artigo são aquelas constituídas sob a forma de sociedade simples, na forma da Lei Civil, cujos profissionais (sócios, empregados ou não) sejam habilitados ao exercício da mesma atividade e prestem serviços de forma pessoal, em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da legislação específica.

§ 2º Excluem-se do disposto no caput deste artigo as sociedades que:

I - tenham como sócia pessoa jurídica;
II - sejam sócias de outra sociedade;

III - desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios, ou que possuam sócios não habilitados para o exercício da atividade pertinente ao objeto social da sociedade;

IV - tenham sócio que delas participe tão somente para aportar capital ou administrar, ou, ainda, que não atue na prestação do serviço pertinente ao objeto social da sociedade;

V - explorem mais de uma atividade de prestação de serviços;

VI - terceirizem ou repassem a terceiros os serviços relacionados à atividade da sociedade;

VII - se caracterizem como empresárias ou cuja atividade constitua elemento de empresa;

VIII - sejam filiais, sucursais, agências, escritórios de representação ou contato, ou qualquer outro estabelecimento descentralizado ou relacionado à sociedade sediada no exterior;

IX - não tenham efetuado o registro em conselho ou órgão de registro de classe;

X - não tenham efetuado o registro dos atos constitutivos e alterações no órgão competente de registro das sociedades;

XI - não tenham promovido sua inscrição ou que, mesmo inscritas, tenham deixado de promover as devidas alterações contratuais junto ao Cadastro de Atividades deste Município.

§ 3º Para os prestadores de serviços de que trata o caput deste artigo, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza deverá ser calculado mediante a aplicação da alíquota determinada no art. 38 da Lei nº 4.930, de 2009, para a respectiva atividade, sobre a base de cálculo prevista nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo.

§ 4º Quando não atendido qualquer dos requisitos fixados no caput e no § 1º deste artigo, ou quando se configurar qualquer das situações descritas no § 2º deste artigo, o imposto deverá ser calculado pelo contribuinte com base no preço do serviço, nos termos do art. 48 da Lei nº 4.930, de 2009.

§ 5º Os prestadores de serviços de que trata o caput deste artigo são obrigados à emissão de Nota Fiscal Eletrônica de Serviços ou outro documento exigido pela Secretaria de Fazenda do Município, na forma, prazo e condições estabelecidas pela legislação municipal.

§ 6º Para fins do disposto no inciso VII do § 2º deste artigo, são consideradas sociedades empresárias aquelas que tenham por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito à inscrição no Registro Público das Empresas Mercantis, nos termos dos arts. 966 e 982 do Código Civil.

§ 7º Equiparam-se às sociedades empresárias, para fins do disposto no inciso VII do § 2º deste artigo, aquelas que, embora constituídas como sociedade simples, assumam caráter empresarial, em função de sua estrutura ou da forma da prestação dos serviços.

§ 8º Os incisos VI e VII do § 2º e os §§ 6º e 7º deste artigo não se aplicam às sociedades uniprofissionais para as quais sejam vedadas, pela legislação específica, a forma ou características mercantis e a realização de quaisquer atos de comércio.

§ 9º O recolhimento do imposto, de responsabilidade do contribuinte, será efetuado por meio de documento de arrecadação disponibilizado pelo sistema ou outro mecanismo definido por Ato do Secretário de Fazenda.

§ 10 A importância prevista no caput deste artigo será atualizada em 1º de janeiro de cada ano, pela variação do índice adotado pelo Município para correção monetária dos tributos, na forma prevista na legislação municipal.

Art. 2º Em relação ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza devido pelas sociedades constituídas na forma do art. 1º desta lei, considera-se ocorrido o fato gerador no primeiro dia de cada mês, exceto quanto ao mês em que é iniciada a prestação de serviços, quando considerar-se-á ocorrido na data de início da atividade.

§ 1º As sociedades previstas no caput deste artigo devem recolher o imposto trimestralmente, calculado na conformidade do § 3º do art. 1º desta lei, com vencimento no dia 10 (dez) do mês subsequente a cada trimestre, de acordo com a tabela a segui:

Trimestre

Vencimento do Imposto em:

janeiro, fevereiro e março

10 de abril

abril, maio e junho

10 de julho

julho, agosto e setembro

10 de outubro

Outubro, novembro e dezembro

10 de janeiro

 

§ 2º Para fins de preenchimento do documento de arrecadação, considera-se mês de incidência o último de cada trimestre.

§ 3º O imposto será devido integralmente, mesmo quando a prestação de serviços não seja exercida, ou venha a ser exercida apenas em parte do período considerado.

§ 4º Na hipótese de cancelamento de inscrição no Cadastro de Atividades, o imposto terá o seu vencimento antecipado e será devido até o mês de cancelamento pela repartição competente.

Art. 3º A alíquota relativa ao subitem 21.01 da Lista do art. 38 da Lei nº 4.930, de 2009, fica alterada para 2% (dois por cento).

Art. 4º Adotar-se-á Regime Especial de Recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza estabelecendo-se, como base de cálculo do subitem relacionado no artigo anterior, a receita bruta mensal de:

I – R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para o 1º Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdição de Americana;

II – R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para os seguintes contribuintes:

a)     Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos da Comarca de Americana-SP;

b)     Primeiro Tabelião de Notas e Protestos de Letras e Títulos da Americana-SP;

c)      Segundo Tabelião de Notas e Protestos de Letras e títulos de Americana-SP.

§1º O Regime Especial de que trata o caput deste artigo tem seus efeitos retroativos a 1º de abril de 2010.

§2º A importância prevista no caput deste artigo será atualizada em 1º de janeiro de cada ano pela variação do índice adotado pelo Município para correção monetária dos tributos, na forma prevista na legislação municipal.

Art. 5º Em relação ao Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza devido pelos contribuintes previstos no subitem 21.01 da Lista do art. 38 da Lei nº 4.930, de 2009, considera-se ocorrido o fato gerador no primeiro dia de cada mês, exceto quanto ao que é iniciada a prestação de serviços, quando considerar-se-á ocorrido na data de início da atividade.

§ 1º Os contribuintes previstos no deste artigo devem recolher o imposto trimestralmente, com vencimento no dia 10 (dez) do mês subsequente a cada trimestre, de acordo com a tabela prevista no § 1º do art. 2º desta Lei, observando-se ainda as demais disposições desse artigo.

§ 2º O recolhimento do imposto, de responsabilidade do contribuinte, será efetuado por meio de documento de arrecadação disponibilizado pelo sistema ou outro mecanismo definido por Ato do Secretário de Fazenda.

§ 3º Aos contribuintes previstos no caput deste artigo aplica-se o disposto no caput do art. 3º desta lei.

Art. 6 Os contribuintes elencados no art. 4º desta lei ficam obrigados a disponibilizar à Prefeitura Municipal, por meio de convênio e em meio magnético, as informações relativas às transações imobiliárias ocorridas no âmbito municipal.

Art. 7º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo seus efeitos:

I – retroativamente a 1º de abril de 2010, com relação ao disposto em seus arts. 3º e 4º;

II - a partir de 1º de janeiro de 2013, com relação às demais disposições.

Art. 8 Observado o disposto no artigo anterior, ficam revogadas as disposições em contrário e, especialmente, o inciso II do art. 36, o parágrafo único do art. 57, e o art. 58, da Lei Municipal nº 4.930, de 24 de dezembro de 2009.

(...)”

         Alega o autor a inconstitucionalidade de tais dispositivos, sustentando que referida alteração legislativa implica renúncia de receitas, em desacordo com a legislação aplicável, mediante a ausência de previsão quanto ao impacto orçamentário. Aponta, assim, a violação à Lei de Responsabilidade Fiscal, aos arts. 111 e 174, §§ 2º e 6º, da Constituição do Estado de São Paulo e, por simetria, ao artigo 165, § 6º, da Constituição Federal.

         Em que pese as argumentações que ensejaram a propositura da presente ação, a legislação em questão não se afigura inconstitucional.

         Tratando especificamente da matéria relacionada à redução, remissão e anistia de imposto, a lei em análise observou o disposto no art. 163, § 6º, da Constituição Estadual (dispositivo que reproduz o art. 150, § 6º, da Constituição Federal), a seguir transcrito:

“(...)

Art. 163 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:

(...)

§ 6º - Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser concedidos mediante lei estadual específica, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º, XII, “g”, da Constituição Federal.

(...)”.

         Tal preceito é aplicável aos Municípios, nos termos do art. 144 da Carta Bandeirante.

         E tratando da exigência de lei específica contida no artigo 150, § 6º, da CF (reproduzido no artigo 163, § 6º, da Constituição Paulista), assenta Roque Carraza que “qualquer vantagem fiscal (‘subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão’) só será validade se objeto de ‘lei específica’ da pessoa política, isto é, que ‘regule exclusivamente’ tal matéria. Daí podermos falar em princípio da especificidade e exclusividade das leis tributárias específicas. Portanto, nenhum benefício fiscal pode ser disciplinado em lei voltada a outros temas. Graças à determinação constitucional, evita-se que emendas capciosas induzam parlamentares menos avisados a aprovar, sem que o percebam, favores fiscais que nada têm a ver com o assunto central do ato normativo que estiver em votação” (ob. cit., p. 863).

         A respeito da exigência de lei específica, anota-se em sede doutrinária que “(...) a exigência de lei específica significa, nesse sentido, que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve estar singularizado na descrição da facti species normativa, i. é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um conjunto. (...) lei específica, segundo o § 6º do art. 150 da Constituição, deverá regular exclusivamente as matérias ali enumeradas ou regular exclusivamente o correspondente tributo ou contribuição” (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, A noção de Lei Específica no art. 150, § 6º, a CF e a Recepção dos Decretos-lei n. 2163/84 e 1184/71, “in” Leandro Paulsen, Direito Tributário, 9ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2007, p. 267).

         Tendo em vista que a redução, a remissão e anistia do imposto em comento foram concedidas pela Lei Complementar nº 5.434, de 12 dezembro de 2012, do Município de Americana, denota-se o cumprimento do requisito acima mencionado.

         No que diz respeito ao argumento do autor em relação à renúncia de receitas, é imponderado concluir, sem análise da matéria fática, que, ao conceder redução, remissão e anistia, a lei impugnada redimensionou para menos a arrecadação do fisco.

         A princípio, não é possível fundamentar, na ação direta de inconstitucionalidade, como faz o autor, que o disposto nos arts. 3º, 4º e inciso I, do art. 7º, da Lei Complementar nº 5.434, de 12 de dezembro de 2012, do Município de Americana, violou o artigo 14 da Lei nº 101/2000, que estabelece critérios e limites para os atos de renúncia de receita fiscal.

         Isso porque existem dois motivos que inviabilizam a análise. O primeiro tem como premissa o fato de que para saber se houve ou não a estimativa de impacto, ou adoção de medidas de compensação, seria necessário ingressar no exame dos fatos, o que é inviável no processo objetivo de controle abstrato da validade das leis.

         Ademais, a eventual violação da Lei de Responsabilidade Fiscal significa, em última análise, desrespeito apenas reflexo ao princípio da legalidade. 

         Daí a conclusão de que a afronta a preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, por não se tratar da violação direta de parâmetros de controle que tenham assento constitucional, não abre as portas do controle abstrato da validade jurídico-constitucional das leis.

Dessa forma, para se afirmar seguramente eventual renúncia de receitas sem previsão orçamentária, haveria de se apurar matéria de fato cujo exame é impróprio na ação direta de inconstitucionalidade.

Não sendo evidente do texto normativo a pesquisa sobre a incompatibilidade da lei local, que depende da análise de parâmetros que envolvem a análise de matéria de fato, torna-se inviável o controle concentrado de constitucionalidade.

Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, a ação direta de inconstitucionalidade não se presta ao exame de questões que dependam da verificação ou comprovação de matéria de fato, uma vez que é cingida à análise da incompatibilidade direta e frontal entre a lei ou ato normativo e dispositivo constitucional. Senão vejamos:

“(...) 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. (...)” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).O Código Tributário Nacional prevê no inciso XI do art. 156 a dação em pagamento como forma de extinção da obrigação tributária.

“TRIBUTÁRIO. IPTU. MAJORAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR MEIO DE DECRETO MUNICIPAL. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 160/STJ. 1. Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a majoração da base de cálculo do IPTU depende da elaboração de lei, não podendo um simples decreto atualizar o valor venal dos imóveis sobre os quais incide tal imposto com base em uma planta de valores, salvo no caso de simples correção monetária. 2. Não há que se confundir a simples atualização monetária da base de cálculo do imposto com a majoração da própria base de cálculo. A primeira encontra-se autorizada independentemente de lei, a teor do que preceitua o art. 97, § 2º, do CTN, podendo ser realizada mediante decreto do Poder Executivo; a segunda somente poderá ser realizada por meio de lei. 3. Incidência da Súmula 160/STJ: ‘é defeso, ao município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.’ Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp 66849/MG – Segunda Turma – Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS – Julgamento: 06/12/2011)

“A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, Min. Celso de Mello RTJ 147/545-546, g.n.).

 

A questão que o Tribunal analisa em controle concentrado é essencialmente jurídica (controvérsia sobre a legitimidade de lei infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional), não podendo o sistema de controle abstrato ser deturpado para se tornar outro meio de impugnação judicial de litígios fáticos.

Este Colendo Órgão Especial também já se pronunciou sobre o tema:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Lei Complementar nº 666, de 3 de setembro de 2013, do Município de Atibaia, que dispõe sobre a revisão da Planta Genérica de Valores Imobiliários - Ausência dos alegados vícios no processo legislativo, tendo sido o projeto de lei regularmente discutido e votado pela totalidade dos Vereadores integrantes do Legislativo municipal, sem que qualquer nulidade procedimental fosse arguida - Majoração dos valores venais dos imóveis locais que não implica na igual repercussão na carga tributária imposta aos contribuintes municipais, haja vista a criação de mecanismo de bloqueio que estabeleceu um limite máximo de reajuste do tributo - Exame da razoabilidade do aumento previsto na legislação municipal atacada que, de qualquer modo, demandaria a análise de matéria de fato, incabível em sede de controle abstrato de constitucionalidade - Desconsideração do percentual fixado naquele ato normativo que implicaria, ainda, na indevida substituição da discricionariedade do Poder Legislativo, em sua atuação natural, por uma imprópria atuação do Judiciário - Precedentes desta Corte - Ausência, portanto, de vícios de inconstitucionalidade formal ou material no ato normativo objurgado - Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.” (ADIN n. 2001017-52.2014.8.26.0000, Rel. Des. Paulo Dimas Mascharetti, j. 14.05.2014)

No caso em tela, sem prejuízo do controle difuso de eventual ilegalidade ou inconstitucionalidade, inexiste a possibilidade de afirmar acerca da inconstitucionalidade dos dispositivos objurgados.

Daí porque não há como apreciar se a redução (art. 3º e 4º), a remissão e anistia (inciso I, do art. 7º), previstas nos dispositivos impugnados violaram os princípios da razoabilidade, igualdade e interesse público.

Vale ressaltar que a outorga de benefícios tributários para fomento de atividade privada de interesse público não é, de per se, inconstitucional. Havendo finalidade pública em sua instituição para o desenvolvimento de política econômica, não se constata, à míngua de elementos outros, violação aos princípios supramencionados.

Por fim, no que diz respeito ao argumento de afronta ao artigo 174, §§ 2º e 6º, da Constituição Bandeirante, não se pode olvidar que toda política pública tem impacto no orçamento, realidade que não pode ser levada em conta para caracterizar como orçamentária a norma que a estabelece.

Não se tratando de lei orçamentária, e sim de lei tributária, é descabida a arguição de ofensa ao art. 174 da Constituição Estadual. Neste sentido:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III – Agravo Regimental improvido” (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).

Desse modo, curvando-me à orientação do Supremo Tribunal Federal, não vislumbro a inconstitucionalidade da lei impugnada.

Requer-se, portanto, a improcedência do pedido.

São Paulo, 10 de março de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

ef/mi