Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo nº. 2231352-70.2014.8.26.0000

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Requerido: Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto

 

 

 

Ementa:

1)     Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal n. 11.605, de 14 de novembro de 2014 de São José do Rio Preto, fruto de iniciativa parlamentar, que “Faculta à Administração Pública a criação de linha específica, no transporte coletivo: Linha Saúde”.

2)     Separação de poderes. Reserva de Administração. Inconstitucionalidade de lei, decorrente de iniciativa parlamentar, que crie verdadeiro programa no âmbito da Administração Pública, ou veicule opção inserida exclusivamente na esfera de competência da Administração. Contrariedade aos artigos 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição do Estado de São Paulo.

3)     Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo como alvo Lei Municipal n. 11.605, de 14 de novembro de 2014, de São José do Rio Preto, fruto de iniciativa parlamentar, que “Faculta à Administração Pública a criação de linha específica, no transporte coletivo: Linha Saúde”.

Sustenta, em suma, contrariedade ao princípio da separação de poderes, ausência de indicação de recursos para as novas despesas, bem como existência de reserva de iniciativa, com contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: artigos 5º, 25, 47, II e XIV, 144.

Foi indeferida a liminar (fls. 21/22).

A Presidência da Câmara Municipal de Ourinhos prestou informações (fls. 36/39), manifestando-se exclusivamente a respeito da tramitação do processo legislativo que culminou na edição da lei impugnada neste feito.

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 28, 30/32).

É o relato do essencial.

A ação deve ser julgada procedente, com a declaração da inconstitucionalidade da lei questionada.

A Lei Municipal n. 11.605, de 14 de novembro de 2014, fruto de iniciativa parlamentar, que “Faculta à Administração Pública a criação de linha específica, no transporte coletivo: Linha Saúde’”, tem a seguinte redação:

 

“(...)

Art. 1º. Faculta a (sic) Administração Pública, através do órgão competente, a criação da linha específica, no transporte coletivo ‘Linha Saúde’.

Art. 2º. Esta linha visa exclusivamente interligar o Terminal Rodoviário aos principais pontos de atendimentos (sic) na área de saúde, dentre eles hospitais hemocentro, AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente), Núcleos de Reabilitação e Rede Lucy Montara.

Art. 3º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

 Pois bem.

Projetos de lei que veiculam programas de governo incluem-se na denominada “reserva de administração”, que é manifestação do princípio da separação de poderes, limitando-se a iniciativa, dessa forma, ao próprio Chefe do Poder Executivo.

E esse quadro não muda no caso das leis denominadas “autorizativas”, que aparentemente nada criariam, cuidando apenas de “autorizar” a prática de determinado ato de administração poder parte do Poder Executivo.

E a razão para tal conclusão é simples.

É que as “leis autorizativas” criam uma expectativa em relação aos seus destinatários (ou seja, à população), compelindo o Chefe do Executivo a adotar determinada providência administrativa que, em essência, encontra-se no plano da discricionariedade administrativa.

Não bastasse isso, tal espécie legislativa, absolutamente desnecessária e imprópria (não há necessidade de lei que “autorize” o Chefe do Executivo a fazer algo que já lhe cabe, naturalmente, dentro de suas competências constitucionais e legais), restringe indevidamente o campo de decisão do Poder Executivo, visto que algum grau de vinculação deve emanar do ato normativo, o que já significa, por si só, interferência indevida do Legislativo na esfera constitucional de atuação da Administração.

Ademais, a propósito da chamada “reserva de administração” já afirmou o STF, em julgados cuja essência, mutatis mutandis, aplica-se ao caso ora examinado, o que segue:

“(...)

“O princípio constitucional da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo. É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. (...) Não cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo, que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que definem o exercício de suas prerrogativas institucionais.” (RE 427.574-ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-12-2011, Segunda Turma, DJE de 13-2-2012.)

Ofende a denominada reserva de administração, decorrência do conteúdo nuclear do princípio da separação de poderes (CF, art. 2º), a proibição de cobrança de tarifa de assinatura básica no que concerne aos serviços de água e gás, em grande medida submetidos também à incidência de leis federais (CF, art. 22, IV), mormente quando constante de ato normativo emanado do Poder Legislativo fruto de iniciativa parlamentar, porquanto supressora da margem de apreciação do chefe do Poder Executivo Distrital na condução da administração pública, no que se inclui a formulação da política pública remuneratória do serviço público.” (ADI 3.343, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 1º-9-2011, Plenário, DJE de 22-11-2011.)

(...)” (g.n.)

Note-se que, no caso em exame, a lei chega a nominar a nova linha de transporte coletivo (“Linha Saúde”), bem como especificar sua finalidade (“visa exclusivamente interligar o Terminal Rodoviário aos principais pontos de atendimentos na área de saúde...”), revelando nítida invasão da esfera de atribuição do Poder Executivo.

Em suma, a inconstitucionalidade da lei municipal impugnada nesta ação se dá por contrariedade ao artigo 5º, 47, II e XIV (reprodução, respectivamente, dos artigos 2º, e 84, II da CF), c.c. o art. 144 da Constituição Paulista.

Despicienda a alegação da requerente de contrariedade ao art. 25 da Constituição Paulista, porque a falta dos recursos levaria apenas à impossibilidade de sua execução no próprio exercício financeiro, e não à sua inconstitucionalidade, como já assentou o STF (ADI 1585-DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, unânime, DJ 3.4.98; ADI 2339-SC, Rel. Min. Ilmar Galvão, unânime, DJ 1.6.2001; ADI 2343-SC, Rel. Min. Nelson Jobim, maioria, DJ 13.6.2003).

Sequer seria possível falar-se, por hipótese, em ofensa ao art. 176, I da Constituição Paulista, pois saber se há ou não inclusão do programa na Lei Orçamentária Anual, para chegar-se à conclusão de que tal dispositivo constitucional foi contrariado, implicaria exame de ofensa indireta ou reflexa à Constituição, o que é vedado no processo objetivo, de controle concentrado de constitucionalidade da lei.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 11.605, de 14 de novembro de 2014, de São José do Rio Preto.

São Paulo, 11 de março de 2015.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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