Parecer
Processo n. 9046015-35.2004.8.26.0000
Requerente: Prefeito do Município de Ourinhos
Requerida: Câmara Municipal de Ourinhos
Ementa: Constitucional.
Tributário. Ação Direta Inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 420, de 22
de abril de 2004, do Município de Ourinhos. Revogação da Lei Complementar n.
339, de 30 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a cobrança da contribuição
para custeio de iluminação pública. Iniciativa parlamentar. Inexistência de reserva
de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Improcedência. 1. Como não há
reserva de iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo em matéria
tributária, segue-se a constitucionalidade de lei local de iniciativa
parlamentar. 2. Ação improcedente.
Eminente Relator,
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito do Município de
Ourinhos impugnando a Lei Complementar n. 420, de 22 de abril de 2004, do
Município de Ourinhos, a qual revogou a
Lei Complementar n. 339, de 30 de dezembro de 2002, que dispõe sobre a cobrança
da contribuição para custeio de iluminação pública, de por sua iniciativa
parlamentar, sustentando sua incompatibilidade com os arts. 2º e 61, § 1º, II, b, da Constituição Federal, o art. 5º da
Constituição Estadual, e a Lei Orgânica do Município de Ourinhos (fls. 02/14)
2. O venerando acórdão que julgou a
ação procedente pronunciando ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 47, II e III, e 174
da Constituição Estadual (fls. 145/155) foi impugnado por recurso
extraordinário do eminente Procurador-Geral de Justiça por contrariedade aos
arts. 2º, 61, § 1º, II, e 84, II e IV, da Constituição Federal (fls. 158/168).
3. Negado seguimento ao recurso
(fls. 177/179), o agravo oposto foi provido, e considerando que o assunto nele
versado foi objeto de repercussão geral (RE-RG 573.675) foi ordenada a remessa
dos autos a este egrégio Tribunal para os fins do art. 543-B do Código de
Processo Civil (fl. 199) que manteve em venerando acórdão a ação procedência da
ação (fls. 274/279).
4. Foi requerida e deferida a
remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para julgamento do recurso
extraordinário admitido, com lastro no art. 543-B, § 4º, do Código de Processo
Civil (fls. 282/283), a respeitável decisão monocrática verificando que, em
verdade, a matéria era similar à repercussão geral atinente à reserva de
iniciativa legislativa em matéria tributária (ARE-RG 743.480), e não em relação
à instituição de contribuição para o custeio dos serviços de iluminação
pública, restituiu os autos para os fins do art. 543-B do Código de Processo
Civil (fls. 293/294).
5. É
o relatório.
6. Não é possível o exame abstrato
de inconstitucionalidade, perante o Tribunal de Justiça do Estado, a partir de
parâmetros de controle contidos na Constituição Federal (STF, ADI 347, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, 20-09-2006), sendo inadmissível o contraste da norma
municipal impugnada com outro parâmetro para além da Constituição Estadual,
salvo quando reproduza, imite ou remeta a preceito da Magna Carta (ou se trate
de norma de observância obrigatória), nos termos do art. 125, § 2º, da
Constituição Federal.
7. Também é vedado o contraste da
lei local impugnada com normas infraconstitucionais, como a Lei Orgânica do
Município ou a Lei de Responsabilidade Fiscal. Qualquer alegação fundada em norma infraconstitucional, não merece
cognição, tendo em vista que é “inviável a análise de outra norma municipal para
aferição da alegada inconstitucionalidade da lei” (STF, AgR-RE 290.549-RJ, 1ª
Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, 28-02-2012, m.v., DJe 29-03-2012), pois, está
assentado que “a pretensão de cotejo
entre o ato estatal impugnado e o conteúdo de outra norma
infraconstitucional não enseja ação direta de inconstitucionalidade” (STF,
AgR-ADI 3.790-PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Menezes Direito, 29-11-2007, v.u.,
DJe 01-02-2008). Neste sentido:
“Cuida-se de
ação direta de inconstitucionalidade, com pedido liminar, da Lei 14.999/06, do
Estado do Paraná, que faculta a utilização do limite de importação não esgotado
nos critérios da legislação estadual 13.971/02 – a qual dispõe sobre o
tratamento tributário, em relação ao ICMS, de estabelecimentos portadores de
autorização emitida pela secretaria da fazenda, especificamente para importar
mercadorias através da Estação Aduaneira Interior de Maringá. Sustenta o autor,
em síntese, a ocorrência de renúncia de receita na hipótese. Daí a alegada
afronta ao artigo 163, I, da Constituição Federal (...). Aduz, ainda que ‘o
benefício instituído pela Lei
Estadual nº 14.999/2006 implica expressivas perdas na arrecadação, ocasionando
dificuldades ao Estado no cumprimento de seus deveres voltados à promoção do
bem comum e também aos Municípios, aos quais é repassado o equivalente a 25%
(vinte e cinco por cento) do valor arrecadado como ICMS, de acordo com o
disposto pelo artigo 158, IV da Constituição Federal (...). Pretende o autor,
em verdade, o cotejo entre o ato estatal impugnado e conteúdo de outra norma
infraconstitucional editada pelo Poder Público (art. 14 da LC 101/00): o
controle abstrato de normas exige que o ato normativo impugnado seja examinado,
exclusivamente, sob a luz do texto constitucional” (STF, ADI 3.790-PR, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 11-09-2006, DJ 15-09-2006, p. 67).
“1. Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar,
ajuizada pelo Governador do Estado do Paraná para impugnar a validade
constitucional da Lei 15.003, de 09 de fevereiro de 2006, do Estado do Paraná,
que alterou a disciplina local a respeito do Imposto sobre Circulação de
Mercadoria e Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicação ICMS, reduzindo de 18% (dezoito por cento) para 12% (doze por
cento) a alíquota do imposto. (...) A tese enunciada pelo requerente é a de que
a lei paranaense em questão teria operado renúncia de receita tributária sem
obedecer às condições estabelecidas na Lei Complementar 101/2000 (Lei de
Responsabilidade Fiscal) para operações do tipo, o que acarretaria afronta ao
art. 163, I, da Constituição Federal, que reservou a disciplina sobre finanças
públicas ao domínio do legislador complementar. (...) 2. O requerente pretende
obter declaração de inconstitucionalidade da Lei paranaense 15.003/06 sob o
pressuposto de que a sua edição estaria em contravenção com um único padrão de
controle, constante do art. 163, I, da Constituição Federal (...). É isso o que
se depreende da petição inicial, onde se argumenta que o flagrante desrespeito
à LRF detectado no Projeto de Lei nº 337/2005 e a decorrente violação do artigo
163 da Constituição Federal levaram ao veto externado pelo Excelentíssimo
Senhor Governador do Estado e que embora constitua evidente hipótese de
dispensa legal do pagamento de parte do tributo, isto é, renúncia de receita, a
Lei Estadual nº 15.003/2006 está à margem do disposto na LC nº 101/2000. Como
não há, no conteúdo do art. 163, I, da Constituição Federal, qualquer
condicionamento à realização de renúncia fiscal, a verificação de eventual
ilegitimidade do ato normativo há de ser aferida, necessariamente, a partir do
seu cotejo direto com a Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, a ação
direta de inconstitucionalidade não é o meio processual adequado para
viabilizar exame de eventual ofensa reflexa à Constituição Federal” (STF, ADI 3.789-PR,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 06-08-2013, DJe 14-08-2013).
8. Embora as normas constitucionais
centrais sejam de observância obrigatória (RT 850/180; RTJ 193/832), é
impossível invocar-se como parâmetro o art. 61, § 1º, II, b, da Constituição da República, por ser norma específica destinada
exclusivamente à organização administrativa, serviços públicos e matéria
tributária e orçamentária dos Territórios. Neste sentido, pronuncia o Supremo
Tribunal Federal que:
“(...) a reserva de lei de iniciativa do chefe do Executivo, prevista no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, somente se aplica aos Territórios federais (...)” (STF, ADI 2.447-MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 04-03-2009, v.u., DJe 04-12-2009).
9. A orientação do Supremo
Tribunal Federal enuncia que matéria tributária não se inclui dentre as reservadas
à iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (STF, ADI 2.464-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen
Gracie, 11-04-2007, v.u., DJe 24-05-2007; STF, ADI 3.205-MS, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19-10-2006, v.u., DJ 17-11-2006, p. 41; STF,
ADI 3.809-5-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 14-06-2007, v.u., DJ
14-09-2007, p. 30; STF, RE 371.887-SP, Rel. Min. Carmén Lúcia, 29-06-2009, DJe 04-08-2009; STF,
RE 357.581-SP, Rel. Min. Eros Grau, 16-12-2008, DJe 03-02-2009), como se pode constatar da transcrição dos
seguintes julgados:
“6. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que a competência para iniciar processo legislativo sobre matéria tributária não é privativa do Poder Executivo” (STF, AI 805.338-MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, 29-06-2010, DJe 04-08-2010).
“PROCESSO LEGISLATIVO. MATÉRIA TRIBUTÁRIA. INEXISTÊNCIA DE RESERVA DE INICIATIVA. PREVALÊNCIA DA REGRA GERAL DA INICIATIVA CONCORRENTE QUANTO À INSTAURAÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS LEIS. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INICIATIVA PARLAMENTAR. RE CONHECIDO E PROVIDO.
- Sob a égide da Constituição republicana de 1988, também o membro do Poder Legislativo dispõe de legitimidade ativa para iniciar o processo de formação das leis, quando se tratar de matéria de índole tributária, não mais subsistindo, em conseqüência, a restrição que prevaleceu ao longo da Carta Federal de 1969. Precedentes” (STF, RE 556.885-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 17-06-2010, DJe 05-08-2010).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. É CONCORRENTE A COMPETÊNCIA LEGISLATIVA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE NO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL. ACÓRDÃO DIVERGENTE DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO RELATOR. RECURSO PROVIDO” (STF, RE 541.273-SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 08-06-2010, DJe 22-06-2010).
10. Não se tratando de lei
orçamentária, e sim de lei tributária, é descabida a arguição de ofensa às
disposições constitucionais orçamentárias ou financeiras. Neste sentido:
“EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL.
PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE
ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE
LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA REPERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO.
IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO
PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A iniciativa de leis que versem
sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os
membros do legislativo. II – A circunstância de as leis que versem sobre
matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz
à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III –
Agravo Regimental improvido” (STF, ED-RE 590.697-MG, 2ª Turma, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 23-08-2011, v.u., DJe 06-09-2011).
11. A
matéria já foi objeto de repercussão geral, concluindo o Supremo Tribunal
Federal a inexistência de iniciativa legislativa reservada:
“Tributário. Processo legislativo. Iniciativa de lei.
2. Reserva de iniciativa em matéria tributária. Inexistência. 3. Lei municipal
que revoga tributo. Iniciativa parlamentar. Constitucionalidade. 4. Iniciativa
geral. Inexiste, no atual texto constitucional, previsão de iniciativa
exclusiva do Chefe do Executivo em matéria tributária. 5. Repercussão geral
reconhecida. 6. Recurso provido. Reafirmação de jurisprudência” (STF, ARE-RG 743.480-MG,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 10-10-2013, m.v., DJe 20-11-2013).
12. Portanto,
a ação deve ser julgada improcedente.
São
Paulo, 26 de janeiro de 2015.
Nilo Spinola Salgado Filho
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj