Protocolado n. 125.675/14

Interessada: Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Deliberação n. 289/14 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

Constitucional. Administrativo. Representação para promoção de ação direta de inconstitucionalidade. Deliberação n. 289/14 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Defensores Públicos. Remuneração. Gratificação. Sujeição ao teto. Cálculo autônomo. Ato normativo secundário. Contencioso de constitucionalidade. Inadmissibilidade. Arquivamento. 1. Deliberação do Conselho Superior da Defensoria Pública, que disciplinando gratificação pelo exercício de atividades em condições de especial dificuldade, nos termos do art. 17, das Disposições Transitórias da Lei Complementar Estadual n. 988/06, estabelece sua sujeição ao teto remuneratório de maneira autônoma e isolada. 2. Não é admitido o processo de fiscalização objetiva de constitucionalidade, por via de ação direta, de ato normativo secundário, porque o parâmetro de análise dessa espécie de ato é a lei regulamentada e não a Constituição. 3. Eventual excesso da competência normativa secundária não caracteriza crise de constitucionalidade, senão de legalidade, pois, exibe o confronto indireto e reflexo entre a norma sublegal a Constituição pela violação de norma infraconstitucional interposta. 4. Arquivamento, com remessa de cópia dos autos à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social.

 

 

 

 

Douto Subprocurador-Geral de Justiça:

 

 

 

1.                Trata-se de notícia que dá conta da Deliberação n. 289, de 24 de janeiro de 2014, do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que, considerando a natureza remuneratória da gratificação relativa à atuação além da jornada de trabalho, nos finais de semana e feriados, submete-se ao limite remuneratório, mas, não se soma aos vencimentos para efeito de aplicação desse limite (fls. 02/05).

2.                Solicitada manifestação do Defensor Público Geral bem como informações sobre a vigência e eventuais alterações do ato ao abrigo de respeitável despacho do eminente Procurador-Geral de Justiça considerando que “cuidando-se de ato normativo é cabível a priori seu controle de constitucionalidade” (fl. 33).

3.                As informações prestadas acentuam a inexistência de ato de improbidade, ilegalidade ou inconstitucionalidade, explicando que apesar de aprovada a Deliberação n. 289/14 inicialmente não foi cumprida pela Defensoria Pública Geral com lastro em parecer de sua assessoria, situação modificada com novo entendimento dispensado ao assunto provocado por requerimento da Associação Paulista dos Defensores Públicos, contando com verificação do impacto orçamentário para os fins da Lei de Responsabilidade Fiscal (fls. 51/54).

4.                É o relatório.

5.                A representação alude à “prática de irregularidade gravíssima” relacionada “ao pagamento de verba remuneratória de plantões” na Defensoria Pública estadual, pois, “considera que a gratificação instituída para remunerar tal exercício de atividade fora do horário normal de trabalho submete-se ao teto constitucional, porém não se soma aos vencimentos para efeito de aplicação desse mesmo teto”, o que é predicado como “disparate jurídico-constitucional” e “ato de improbidade administrativa” (fl. 02 - sic).

6.                Segundo a Deliberação n. 286, de 29 de novembro de 2013, do Conselho Superior da Defensoria Pública, que regulamenta a gratificação pelo exercício de atividades em condições de especial dificuldade decorrente da localização ou da natureza do serviço, prevista no art. 17 das Disposições Transitórias da Lei Complementar Estadual n. 988, de 09 de janeiro de 2006, “o Defensor Público que estiver no exercício de atividades próprias do cargo, em condições de especial dificuldade, assim consideradas aquelas decorrentes da localização ou da natureza do serviço, fará jus à gratificação pecuniária nos termos da presente Deliberação” (art. 1º) que arrola entre as condições de especial dificuldade decorrente da natureza do serviço (art. 7º):

“XIV – o plantão judiciário ou o plantão em Vara Especial da Infância e da Juventude, aos sábados, domingos e feriados, em sistema de rodízio;

(...)

XVI – a atuação em outras atividades extraordinárias definidas por ATO do Defensor Público-Geral do Estado” (sic).

7.                A Deliberação n. 289, de 24 de janeiro de 2014, do Conselho Superior, acrescentou os §§ 3º e 4º ao art. 7º da Deliberação n. 286/13, com a seguinte redação:

“Artigo 1º. Acrescente-se ao art. 7º da Deliberação CSDP nº 286/13 os seguintes parágrafos:

§ 3º - a gratificação atinente ao inciso XIV, sendo relativa à atividade exercida fora das 40 horas semanais de trabalho legalmente impostas aos Defensores Públicos, é remuneração por serviços extraordinários, pelo que deve ser submetida ao teto remuneratório, embora não se some, para tal fim, a nenhuma outra parcela remuneratória percebida no mês de referência.

§ 4º - o disposto no parágrafo anterior também será aplicado à gratificação prevista no inciso XVI, quando o ato do Defensor Público-Geral for relativo à atividade a ser desenvolvida nos finais de semana e feriados”.

8.                Conforme consta, a entidade de classe representativa dos Defensores Públicos lembrou que, para a citada deliberação, a remuneração pelos serviços extraordinários consistentes em plantões judiciários e outras atividades realizadas nos finais de semana e feriados, não possui natureza indenizatória e se submete ao limite remuneratório, mas, deve ser calculada de maneira autônoma, em atenção aos arts. 7º, XVI e 39, § 3º, da Constituição Federal, por constituir direito social trabalhista estendido aos servidores públicos, o que inspirou à deliberação colegiada.

9.                O parecer que orientou a decisão sobre a aplicação dessa deliberação colegiada salienta a impossibilidade de inviabilização do disposto no art. 7º, XVI, da Constituição da República, pelo quanto se contém no art. 37, XI, como se infere do seguinte excerto:

“o cumprimento do artigo 37, XI, não pode inviabilizar o direito garantido pelo artigo 7º, XVI, eis que ambos possuem status constitucional e o respeito a um não pode implicar desrespeito ao outro, especialmente quando possível extrair norma que dê a máxima eficácia a ambos. Neste ponto, a questão que se coloca é sobre a possibilidade de se extrair norma que harmonize os regramentos se ambos os artigos. Aqui também a resposta é positiva. E o conteúdo da norma que harmoniza a regras constitucionais é justamente a de que a remuneração pelos serviços prestados em jornada extraordinária de trabalho está sujeita ao teto constitucional, embora não se some a nenhuma outra parcela percebida no mês de referência” (fls. 75/76 – sic).

9.                A exegese dispensada mostra que a soma do vencimento com a gratificação “nulificaria a carga material dos artigos 7º, XVI, e 39, § 3º, da Constituição Federal, tornando-os letra morta, com eficácia zero” (fl. 77), uma vez que o teto impediria o recebimento da verba, criando soluções díspares em situações iguais. Além disso, aponta a doutrina e o entendimento do Tribunal de Contas concordes, bem como o inciso IV do art. 3º da Resolução n. 14 do Conselho Nacional de Justiça.

10.              Sobre o assunto, transcreve-se opinião que abordou o assunto em uma dimensão mais ampla:

                 A doutrina estima que a extensão promovida no art. 39, § 3°, da Constituição, ao seu art. 7°, não estorva à percepção dos direitos ali consignados para além do teto remuneratório. Com efeito, o art. 39, § 3°, da Constituição, estende aos servidores públicos, titulares de cargo público, os direitos sociais fundamentais constantes do art. 7°, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, da Constituição e, como bem explica José Afonso da Silva, ‘o § 3° do art. 39, remetendo ao art. 7°, manda aplicar aos servidores públicos ocupantes de cargos públicos (não ocupantes de mandato eletivo, de emprego ou de funções públicas) algumas vantagens pecuniárias, nele consignadas, que não entram naqueles títulos vedados. Essas vantagens são: o 13° salário (art. 7°, VIII), que não é acréscimo à remuneração mensal, mas um mês a mais de salário; subsídio noturno maior do que o diurno (art. 7°, IX, que determina que a remuneração do trabalho noturno seja superior à do diurno); salário-família (art. 7°, XII); subsídio de serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% ao do normal (art. 7°, XVII); subsídio do período de férias em pelo menos um terço a mais do que o salário normal (art. 7°, XVII). Como se vê, o subsídio, nesses casos, não deixa de ser em parcela única. Apenas, será superior ao subsídio normal. Demais, o atual § 7° do art. 39 prevê a possibilidade de adicional e prêmio, no caso de economia com despesas correntes em cada órgão etc., quebrando a própria Constituição a unicidade estabelecida”. De tal sorte, a supressão de gratificação propter laborem (trabalhos extraordinários) por conta de ultrapassagem do teto vulnera o art. 7°, XVI, e o art. 39, § 3°, da Constituição Federal. Aliás, convém frisar que todo adicional ou gratificação, assim como os demais pagos mediante diárias ou para a prestação de serviço extraordinário, não possuem caráter remuneratório, senão nítido e cristalino caráter indenizatório.” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 199-200, n. 30)

11.              Feito esse registro, convém anotar que a Lei Complementar Estadual n. 988/06 preceitua que “a retribuição pecuniária dos membros da Defensoria Pública do Estado será objeto de legislação própria” (art. 132), e “até que sobrevenha a legislação a que se refere o “caput” deste artigo, a retribuição pecuniária dos membros da Defensoria Pública fica estabelecida em conformidade com as disposições transitórias desta lei complementar” (art. 132, parágrafo único). Bem por isso, em suas Disposições Transitórias assim dispõe no que interessa:

“Artigo 7º - Enquanto não for fixado o subsídio a que se refere o artigo 39, § 4º, da Constituição Federal, a retribuição pecuniária dos integrantes da carreira de Defensor Público obedecerá às normas destas disposições transitórias.

Artigo 8º - A retribuição pecuniária dos cargos da carreira da Defensoria Pública do Estado compreende vencimentos e vantagens pecuniárias.

(...)

Artigo 11 - São asseguradas aos membros da Defensoria Pública do Estado as seguintes vantagens pecuniárias:

(...)

V - gratificação pelo exercício de atividades em condições de especial dificuldade;

(...)

Artigo 17 - O Defensor Público que estiver no exercício de atividades próprias do cargo, em condições de especial dificuldade decorrente da localização ou da natureza do serviço, assim definidas em lei ou em deliberação do Conselho Superior, fará jus a uma gratificação pecuniária que corresponderá a 15% (quinze por cento), 10% (dez por cento) ou 5% (cinco por cento) dos vencimentos de Defensor Público Nível I, de acordo com os critérios a serem fixados pelo colegiado.”

12.              O Conselho Superior da Defensoria Pública – não custa observar – tem competência normativa outorgada pela lei em foco (art. 31, III).

13.             O ato normativo em cena foi editado com lastro nessa competência normativa que, no caso,       é de grau secundário na medida em que tem relação de subordinação, acessoriedade, vinculação e dependência com o art. 17 das Disposições Transitórias da Lei Complementar Estadual n. 988/06.

14.              Atos normativos secundários não são hábeis ao contencioso abstrato de constitucionalidade por via de ação direta e concentrada. A sindicância objetiva de constitucionalidade de lei ou ato normativo exige contraste direto e frontal com a Constituição. Eventual excesso da competência normativa secundária não caracteriza crise de constitucionalidade, senão de legalidade, pois, exibe o confronto indireto e reflexo entre a norma sublegal a Constituição pela violação de norma infraconstitucional interposta. A afronta à Constituição é indireta quando se mostra indispensável o exame de conteúdo de outras normas infraconstitucionais (RTJ 205/1107). Este é o entendimento pacífico no Supremo Tribunal Federal:

“Não cabe controle abstrato de constitucionalidade por violação de norma infraconstitucional interposta, sem ocorrência de ofensa direta à Constituição Federal. Hipótese caracterizada nos autos, em que, para aferir a validade da lei alagoana sob enfoque frente aos dispositivos da Constituição Federal, seria necessário o exame do conteúdo da Lei Complementar nº 24/75 e do Convênio 134/97, inexistindo, no caso, conflito direto com o texto constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida” (STF, ADI 2.122-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 04-05-2000, m.v., DJ 16-06-2000, p. 31).

“(...) 1. Há impossibilidade de controle abstrato da constitucionalidade de lei, quando, para o deslinde da questão, se mostra indispensável o exame do conteúdo de outras normas jurídicas infraconstitucionais de lei ou matéria de fato. Precedentes. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Violação ao art. 33 do ADCT/CF-1988 e ao art. 5º da EC nº 3/93. Alegação fundada em elementos que reclamam dilação probatória. Inadequação da via eleita para exame da matéria fática. (...)” (STF, ADI 1.527-SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 05-11-1997, v.u., DJ 18-05-2000, p. 430).

“CONSTITUCIONAL. NATUREZA SECUNDÁRIA DE ATO NORMATIVO REGULAMENTAR. RESOLUÇÃO DO CONAMA. INADEQUAÇÃO DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não se admite a propositura de ação direta de inconstitucionalidade para impugnar Resolução do CONAMA, ato normativo regulamentar e não autônomo, de natureza secundária. O parâmetro de análise dessa espécie de ato é a lei regulamentada e não a Constituição. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-ADI 3.074-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Teori Zavascki, 28-05-2014, v.u., DJe 13-06-2014).

15.              Face ao exposto, opina-se pelo arquivamento da representação, sem prejuízo da remessa de cópia integral dos autos à douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público.

                São Paulo, 18 de maio de 2015.

 

Wallace Paiva Martins Junior

Promotor de Justiça

Assessor

Protocolado n. 125.675/14

Interessada: Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo

Objeto: representação para controle de constitucionalidade da Deliberação n. 289/14 do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Trata-se do exame da constitucionalidade dos §§ 3º e 4º do art. 7º da Deliberação n. 286, de 29 de novembro de 2013, do Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, acrescentados pela Deliberação n. 289, de 24 de janeiro de 2014, que, embora sujeitem ao limite de remuneração a gratificação pelo exercício de atividade em condições de especial dificuldade em decorrência da natureza do serviço consistente no plantão aos sábados, domingos e feriados e na atuação em outras atividades extraordinárias definidas em ato do Defensor Público-Geral, o fazem de maneira autônoma à remuneração.

Adotado seu relatório, aprovo, por seus próprios e jurídicos fundamentos, o parecer da douta Assessoria Jurídica que se manifesta pelo arquivamento dos autos em razão da inadmissibilidade de controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de ato normativo secundário em face da Constituição.

Remeta-se cópia integral dos autos à douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social para providências julgadas necessárias.

Ciência ao douto interessado.

São Paulo, 20 de maio de 2015.

 

 

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico