Protocolado nº 41.168/09

Interessado: Prefeitura do Município de Rafard

Assunto: análise de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 156, de 7 de abril de 2008, de Rafard

 

 

Ementa:

1-Representação para fins de ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 156, de 07 de abril de 2008.

2-Alegação de que a lei, que nasceu no Poder Executivo, não foi precedida de estudo do impacto orçamentário-financeiro, violando, portanto, os arts. 169, § 1º, da CF e 25 da CE.

3-A comprovação do impacto orçamentário-financeiro demandaria análise casuística incompatível com o processo objetivo de controle de constitucionalidade.

4- Parecer no sentido do arquivamento.

 

Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça

 

1)Relatório.

Trata-se de representação encaminhado a esta Procuradoria Geral de Justiça pelo Prefeito de Rafard, solicitando a propositura de ação direta de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 156, de 07 de abril de 2008.

Sustenta o representante que o anterior Chefe da Municipalidade, ao apresentar o Projeto para a concessão do abono aos servidores municipais, afrontou a Constituição Federal, a Constituição Estadual e a Lei de Responsabilidade Fiscal.

De acordo com a representação, no momento em que se apresentou o projeto de lei concedendo abono de R$60,00(sessenta) reais aos servidores, inexistia prévia dotação orçamentária para suportar a despesa.

2) Da legislação em análise

Insta, nesta oportunidade, transcrever a Lei Municipal n. 156/2008, do Município de Rafard:

 

Artigo 1º - Fica concedido abono salarial de R$ 60,00 (sessenta reais) para os servidores públicos municipais de Rafard/SP, a partir de janeiro de 2009.
Parágrafo Único – Fica incorporado sobre as referências dos servidores públicos municipais o citado abono salarial, também a partir de janeiro de2009.
Artigo 2º - Este abono não se aplica a funcionários que possuem plano de carreira próprio.
Artigo 3º - Os dispositivos desta lei estendem-se no que couber, aos inativos e pensionistas.
Artigo 4º - O valor já mencionado do abono não se aplica aos agentes políticos.
Artigo 5º - As despesas decorrentes da presente lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias e suplementadas se necessário for.
Artigo 6º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

3) Fundamentação.

Sustenta o representante que a lei em análise afronta o art. 169, § 1º, da Constituição Federal e está em descompasso com dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal porque, embora nascido no Poder Executivo, o projeto não foi precedido da estimativa do impacto orçamentário-financeiro.

Cuidando-se de projeto nascido no Poder Executivo, a inexistência da dotação orçamentária não se presume, nem pode ser sindicada no curso da ação direta.

O Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento de que não é possível analisar, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a transgressão do art. 169 da Constituição Federal.

É que a verificação da existência de recursos financeiros para fazer frente às despesas instituídas pelo ato inquinado depende de análise casuística, incompatível com o processo objetivo.

Se não bastasse – e sempre de acordo com pacífica jurisprudência da Corte Constitucional – a eventual inexistência dos recursos, ou melhor, da autorização de despesa na Lei de Diretrizes Orçamentárias acarretaria, apenas, a impossibilidade da realização da despesa no exercício de vigência da LDO, sem a invalidação da lei objurgada (RTJ 137/1067, rel. Min. CÉLIO BORJA).

Nesse sentido, confiram-se:

“Impossibilidade do confronto da norma em apreço com caput do art. 169 da Constituição, sem apreciação de matéria de fato, circunstância bastante para inviabilizar, neste ponto, a ação direta de inconstitucionalidade.

De outra parte, a ausência de autorização específica, na lei de diretrizes orçamentárias, de despesa alusiva a nova vantagem funcional, não acarreta a inconstitucionalidade da lei que a instituiu, face à norma do art. 169, parágrafo único, inc. II, da CF, impedindo tão-somente a sua aplicação” (ADIN 1.292-MT, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, g.n.).

Ou ainda:

“Despesas de pessoal: limite de fixação delegada pela Constituição à lei complementar (CF, art. 169), o que reduz sua eventual superação à questão de ilegalidade e só mediata ou reflexamente de inconstitucionalidade, a cuja verificação não se presta a ação direta; existência,  ademais, no ponto, de controvérsia de fato para cujo deslinde igualmente é inadequada a via do controle abstrato de constitucionalidade. II. Despesas de pessoal: aumento subordinado à existência de dotação orçamentária suficiente e de autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias (CF, art. 169, parág. único, I e II): além de a sua verificação em concreto depender da solução de controvérsia de fato sobre a suficiência da dotação orçamentária e da interpretação da LDO, inclina-se a jurisprudência do STF no sentido de que a inobservância por determinada lei das mencionadas restrições constitucionais não induz à sua inconstitucionalidade, impedindo apenas a sua execução no exercício financeiro respectivo: precedentes.” (ADI 1.585, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 03/04/98)

Idêntica solução se divisa na verificação de compatibilidade da lei municipal impugnada com o art. 25 da Constituição do Estado, que mutatis mutandis, reproduz o comando do art. 169, inc. I, da Carta Republicana.

No controle concentrado de constitucionalidade das leis, promovido por meio da ação direta, a discussão a respeito da legitimidade constitucional da norma é relativamente limitada.

Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato (v.g. conveniência ou não da solução adotada pelo legislador, partindo de premissas situadas no contexto fático) não podem ser aferidas. O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional (na hipótese, apenas estadual) adotado para fins de controle (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).

A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF:  “A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546, g.n.).

Aqui, mais uma vez, torna-se necessário, como premissa para a solução da hipótese apresentada, apreciar o problema sob adequada perspectiva: deve-se levar em conta o papel que o ordenamento jurídico pátrio reserva à ação direta de inconstitucionalidade, como mecanismo de controle da compatibilidade vertical dos atos normativos infraconstitucionais com relação à Constituição.

A abertura do processo de controle concentrado não tem por escopo, é importante frisar, a elucidação de questões de fato (rectius = pontos de fato que se tornaram controversos). Isso, na medida em que, nestas ações, não se realiza o exame de determinada “lide”, invocada, nesse passo, na concepção carnelutiana, ou seja, como conflito de interesses qualificado pela existência de uma pretensão resistida.

No processo objetivo a questão sobre a qual o Tribunal se debruça é essencialmente jurídica (dúvida ou controvérsia sobre a legitimidade do direito positivo infraconstitucional, em sua perspectiva de eventual confronto com determinado parâmetro constitucional). Em relação a ela, a aferição de fatos pode figurar, apenas, como um dado adstrito ao problema de prognose da aplicação da norma no plano concreto. Não se passa, entretanto, do exame da norma para o exame do fato.

Este é o adequado sentido para a compreensão do que foi afirmado pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes, juntamente com Ives Gandra da Silva Martins, em sede doutrinária, no sentido da admissão, no processo de controle concentrado de constitucionalidade, da “verificação de fatos e prognoses legislativos” (Controle concentrado de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 281).

Em outras palavras, não se pode confundir exame de fatos do processo legislativo, ou a análise de prognose sobre fatos relativos à aplicação futura da norma com o exame de quaestionis facti (fatos controversos).

Caso contrário, inviabilizado restaria o próprio processo objetivo, degradado de sua condição natural de sistema de controle abstrato da atividade legislativa (em que o Tribunal constitucional funciona como legislador negativo), à posição de simples desdobramento do exercício da função jurisdicional do Estado (consistente em examinar e solucionar litígios concretos).

Tal linha de raciocínio afasta, assim, a viabilidade de realização de prova pericial ou testemunhal, no curso da ação direta de inconstitucionalidade.

4)Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do arquivamento do presente procedimento, efetuando-se as comunicações de praxe.

São Paulo, 04 de agosto de 2009.

 

Eurico Ferraresi

Promotor de Justiça – assessor

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 41.168/09

Interessado: Prefeitura do Município de Rafard

Assunto: análise de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 156, de 7 de abril de 2008, de Rafard

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Homologo o parecer ofertado pelo Corpo Técnico, adotando seus fundamentos como razões para decidir.

2.     Determino o arquivamento destes autos, com as comunicações de praxe.

 

São Paulo, 04 de agosto de 2009.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos –

 

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