Protocolado n. 007.905/12
Interessado: Promotoria de Justiça de Tietê
Objeto: Representação para promoção de ação
direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal n. 61, de 21 de
novembro de 2011, do município de Tietê
1) Lei Municipal n. 61, de 21 de novembro de 2011, do município de Tietê, que dispõe sobre desafetação de área verde e afetação para área institucional.
2) Ato normativo, no entanto, que, embora se apresente como lei em sentido formal, não é dotado do caráter de generalidade e abstração. Lei de efeito concreto que não se submete ao controle concentrado de constitucionalidade.
3) Além disso, eventual inconstitucionalidade indireta.
4) Parecer no sentido do arquivamento.
Excelentíssimo
Subprocurador-Geral de Justiça Jurídico
Trata-se de
representação formulada em face da Lei Municipal n. 61, de 21 de novembro de
2011, do município de Tietê, que dispõe sobre desafetação de área verde e
afetação para área institucional.
Alegação de ofensa ao disposto nos arts.
144 e 180, VII, da Constituição Estadual.
Foram
solicitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal.
Este é o breve relato.
Para os fins dessa representação, a lei em questão há
de ser confrontada com o disposto no artigo 180, inciso VII, da Constituição do
Estado:
“Artigo 180 -
No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano,
o Estado e os Municípios assegurarão:
VII - as
áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais
não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados,
exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização
de:
a)
loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente
ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social destinados à população
de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão;
b)
equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e
objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento;
c) imóveis
ocupados por organizações religiosas para suas atividades finalísticas. (NR)
§ 1º - As
exceções contempladas nas alíneas “a” e “b” do inciso VII deste artigo serão
admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja consolidada
até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação, que se dará com a
disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos
já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação. (NR)
§ 2º - A
compensação de que trata o parágrafo anterior poderá ser dispensada, por ato
fundamentado da autoridade municipal competente, desde que nas proximidades da
área pública cuja destinação será alterada existam outras áreas públicas que
atendam as necessidades da população. (NR)
§ 3º - A
exceção contemplada na alínea ‘c’ do inciso VII deste artigo será permitida
desde que a situação das áreas públicas objeto de alteração da destinação
esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a devida compensação ao
Poder Executivo Municipal, conforme diretrizes estabelecidas em lei municipal
específica.”
Sobre a questão, importante mencionar o disposto no art.
17 da Lei 6.766/79, segundo o qual o loteador não poderá alterar a destinação
dos espaços livres de uso comum, as vias e praças, as áreas destinadas a
edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes do projeto e
memorial descritivo.
Esses espaços se transformam em bens públicos, com o
registro do loteamento (art. 22) e, com a aprovação do projeto, trazem consigo
a afetação específica ao interesse público considerado pelo Município.
Transposta essa etapa, agora por determinação da
Constituição do Estado (art. 180, VII), as áreas definidas em projetos de
loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação,
fim e objetivos originais alterados, exceto em hipóteses específicas, já
transcritas nesta manifestação.
Pois
bem. Analisadas as questões objeto da representação, é importante anotar que
não é o caso de ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade, não se
descartando eventual questionamento via controle difuso.
Ocorre
que a lei em comento não é dotada de densidade normativa que a sujeite ao
controle concentrado de constitucionalidade. Não se caracteriza pela abstração
ou generalidade, pois dispõe sobre a desafetação e a afetação de área
específica, regulando situação jurídica particular e concreta.
Por
leis e decretos de efeitos concretos “entendem-se aqueles que trazem em si
mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos
de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou
desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem
atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que
fixam tarifas, os que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou
decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a
forma imprópria de lei ou decreto, por exigências administrativas. Não contêm
mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam
concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos
individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de
segurança” (Hely Lopes Meirelles, Mandado
de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas
Data, 12ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 17).
Por
isso, afirma Alexandre de Moraes que “atos estatais de efeitos concretos não se
submetem, em sede de controle concentrado, à jurisdição constitucional
abstrata, por ausência de densidade normativa no conteúdo de seu preceito” (Direito constitucional, 9ª. ed., São
Paulo: Atlas, 2001, p. 584).
O
mesmo entendimento tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Federal:
“Todos
sabemos que o controle concentrado de constitucionalidade somente pode incidir
sobre atos do Poder Público revestidos de suficiente densidade normativa,
cabendo assinalar, neste ponto, que a noção de ato normativo, para efeito de
sua fiscalização em tese, requer, além de autonomia jurídica da deliberação
estatal, também a constatação de seu necessário coeficiente de generalidade
abstrata sem prejuízo da indispensável configuração de sua essencial
impessoalidade (RTJ 143/510, Rel. Min. Celso de Mello). É por essa razão que
atos de efeitos concretos não expõem, em nosso sistema de direito positivo – e
na linha de diretriz jurisprudencial firmada por esta Corte –, à possibilidade
jurídico-processual de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o
Supremo Tribunal Federal (TTJ 108/505, RTJ 119/65, RTJ 139/73), eis que tais
espécies jurídicas, que tem objeto determinado e destinatários certos, não
veiculam, em seu conteúdo, normas que disciplinem relações jurídicas em
abstrato (RTJ 140/36). A ausência do necessário coeficiente de generalidade
abstrata impede, desse modo, a instauração do processo objetivo de controle
normativo abstrato (RTJ 146/483)”.
A
Corte Paulista acolheu essa orientação e, julgando a ADIN nº 95.142-0/8,
proclamou a inviabilidade do controle concentrado sobre a Lei nº 3.461, de 15
de março de 2002, do município de Bragança Paulista, que promoveu a desafetação
de trecho de determinada avenida e autorizou a utilização da área desafetada
para a implantação de um complexo esportivo interligando o Ginásio Municipal de
Esportes ao Estádio. Eis a ementa:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - Inadmissibilidade - Controle concentrado de
constitucionalidade somente dos atos normativos dotados de generalidade e
abstração – Exclusão daqueles que, malgrado sua forma de lei, veiculam atos de
efeitos concretos - Jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal -
Extinção sem exame do mérito.”
Em
outro caso sobre autorização de concessão de direito real de uso de terreno a
empresa específica, o processo foi extinto sem julgamento de mérito:
“Ação direta
de inconstitucionalidade. Lei municipal. Autorização de concessão de direito
real de uso de um terreno a empresas específicas. Preliminar de ilegitimidade
ativa da Prefeita rejeitada. Dispositivo combatido que não pode ser objeto de
controle pela via concentrada da ação direta de inconstitucionalidade. Lei
apenas em sentido formal. A ação direta de inconstitucionalidade não é sede
adequada para o controle de validade jurídico-constitucional de atos concretos
destituídos de qualquer normatividade. Não se tipificam como normativos os atos
estatais desvestidos de qualquer coeficiente de abstração, generalidade e
impessoalidade. Extinção do processo sem julgamento do mérito” (ADIN nº
100.011.0/0, j. 22.09.04, rel. Des. Oliveira Ribeiro).
No
mesmo sentido:
“ADIN -
Controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto
determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a
forma de lei. Inadmissibilidade. Não preenchimento das condições da ação (falta
de interesse de agir). Extinto o processo sem apreciação do mérito” (ADIN nº
071.300-0/4, j. 12.11.03, rel. Des. Sinésio de Souza).
Em
caso mais recente (5.11.2008), o E. Tribunal de Justiça de São Paulo julgou
procedente, por votação unânime, a ADIN nº 163.696-0/1-00, que tratava de leis
do Município de Ituverava que, de forma genérica, previam a possibilidade de
desafetação e doação de bens públicos municipais por ato administrativo. Do
corpo do v. Acórdão se extrai a seguinte lição sobre o tema enfrentado:
“De se
observar, ademais, que a edição de lei municipal específica dispondo sobre a
desafetação e sobre a doação de bens públicos, estará sujeita ao controle
jurisdicional de legalidade, expondo-se, assim, ao ataque pela via do mandado
de segurança, da ação popular ou da ação civil pública, conforme o direito ou o
interesse por ela lesados.”
Assim,
o controle abstrato de normas só se presta a examinar a constitucionalidade de
espécies normativas próprias, ou seja, daquelas que são dotadas de generalidade
e abstração.
Essas
características, contudo, não são encontradas na lei objeto da representação,
que encerra ato concreto de administração, sendo lei apenas em sentido formal.
É
curial, todavia, que a lei analisada pode ser impugnada na via ordinária e se
sujeita ao controle incidental de constitucionalidade, como ilustra
recentíssimo Acórdão do C. Órgão Especial, assim ementado:
“Incidente de
inconstitucionalidade. Incidente suscitado pela 11ª. Câmara da Seção de Direito
Publico do Tribunal de Justiça objetivando a declaração de
inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.528/97 do Município de Tambaú, que
desafetou área institucional reservada em loteamento, alterando sua destinação
para conceder direito de uso a entidade privada filantrópica, para destinação
especial e diversa da prevista originalmente. Alteração vedada pela
Constituição Estadual. Inconstitucionalidade da lei municipal em face dos arts
180, VII, e 144 da Constituição Paulista. Argüição incidenter tantum procedente (II nº 172.801-0/7-00, rel. José
Santana, j. 1/4/2009).”
Diante do
exposto, nosso parecer é no sentido do arquivamento
deste protocolado, com as comunicações de praxe.
São Paulo, 10 de abril de 2012.
Marcos Destefenni
Promotor de Justiça Assessor
Protocolado n. 007.905/12
Interessado: Promotoria de Justiça de Tietê
Objeto: Representação para promoção de ação
direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal n. 61, de 21 de
novembro de 2011, do município de Tietê
1. Homologo o parecer ofertado pelo Corpo Técnico.
2. Determino o arquivamento dos autos, com as comunicações de praxe.
São Paulo, 10 de abril de 2012.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
/md