EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado n.  137.357/2013

 

 

 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DA LEI COMPLEMENTAR N. 235, DE 23 DE AGOSTO DE 2013, DO MUNICÍPIO DE ARAÇATUBA. 1. Inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público. 2. As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. 3. Ausência de fixação de atribuições do cargo de provimento em comissão de Diretor do Departamento de Administração de Bens e Serviço (arts. 98, 99, 100, 111, 115, incisos II e V, e 144, CE/89).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, em face das expressões “Assessor Executivo da Procuradoria Geral do Município” e “Assessor Executivo do Gabinete do Prefeito” constantes do art. 2º e Anexo I,Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Assessoria de Apoio, Controle e Elaboração dos Atos Oficiais”, “Assessor de Apoio Especial do Gabinete do Prefeito”, “Diretor do Departamento de Coordenação e Materiais e Serviços da Secretaria Municipal da Administração”, “Diretor do Departamento de Procedimentos Administrativos de Aquisição e Contratos da Secretaria Municipal da Administração”, “Assessor de Implementação e Gestão da Escola de Governo”, “ Diretor do Departamento de Contencioso da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos”, “Diretor do Departamento de Apoio Administrativo e Financeiro da Secretaria Municipal da Cultura”, “Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde”, “Diretor do Departamento da Modernização em Gestão da Secretaria Municipal da Saúde”, “Diretor do Departamento Saúde Integrada da Secretaria Municipal da Saúde”, “Diretor do Departamento de Serviços e Obras da Secretaria Municipal de Educação”, Diretor do Departamento de Dados Escolares da Secretaria Municipal de Educação”, “Diretor do Departamento de Produção e Análise de Informação da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Assessor de Relações Institucionais da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Assessor de Gestão de Projetos da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Diretor do Departamento de Contadoria da Secretaria Municipal Fazenda”, “Assessor de Planejamento da Secretaria Municipal da Fazenda”, “Assessor Econômico da Secretaria Municipal da Fazenda”, “Assessor de Políticas Sociais”, “Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Assistência Social”,  “Diretor do Departamento de Gestão Administrativa e Financeira da Secretaria Municipal de Assistência Social”, “Diretor do Departamento de Bens e Serviços”, constantes do Anexo I, e dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, da Lei Complementar n. 235, de 23 de agosto de 2013, do Município de Araçatuba, pelos fundamentos expostos a seguir:

 

I – DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

 

                  A Lei Complementar n. 235, de 23 de agosto de 2013, do Município de Araçatuba dispõe sobre a Estrutura Administrativa e dos Cargos de Comando da Prefeitura Municipal de Araçatuba e dá outras providências.

 

                   O artigo 1º da Lei mencionada extingue e exclui do Anexo II da Lei Complementar nº 206, de 30 de junho de 2010, os cargos de provimento em comissão de códigos CC1, CC2 e CC3, declarados inconstitucionais por esse E. Tribunal (ADIN n. 0436584-55.2010.8.26.0000, Rel. Des. Guilherme G. Strenger, j. 19.09.2012).

                 

A partir do artigo 2º, a Lei Complementar n. 235/2013 cria, além de departamentos, novos cargos de provimento em comissão. Vejamos:

 

 

 

 

                   A previsão normativa desses cargos de provimento em comissão não condizem os preceitos da Constituição Estadual. É o que será demonstrado a seguir.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

                   Os dispositivos acima transcritos dos atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

 

                  Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

 

                   As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

 

Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.

§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.

§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.

(...)

Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:

I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;

II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;

III - representar a Fazenda do Estado perante o Tribunal de Contas;

IV - exercer as funções de consultoria jurídica e de fiscalização da Junta Comercial do Estado;

V - prestar assessoramento jurídico e técnico-legislativo ao Governador do Estado;

VI - promover a inscrição, o controle e a cobrança da dívida ativa estadual;

VII - propor ação civil pública representando o Estado;

VIII - prestar assistência jurídica aos Municípios, na forma da lei;

IX - realizar procedimentos administrativos, inclusive disciplinares, não regulados por lei especial;

X - exercer outras funções que lhe forem conferidas por lei.

Artigo 100 - A direção superior da Procuradoria-Geral do Estado compete ao Procurador Geral do Estado, responsável pela orientação jurídica e administrativa da instituição, ao Conselho da Procuradoria Geral do Estado e à Corregedoria Geral do Estado, na forma da respectiva Lei Orgânica.

Parágrafo único - O Procurador Geral do Estado será nomeado pelo Governador, em comissão, entre os Procuradores que integram a carreira e terá tratamento, prerrogativas e representação de Secretário de Estado, devendo apresentar declaração pública de bens, no ato da posse e de sua exoneração.

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (...)”.

A – CRIAÇÃO ABUSIVA E ARTIFICIAL DE CARGOS OU EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO

 

As atribuições dos cargos em comissão de Assessor Executivo da Procuradoria Geral do Município, Assessor Executivo do Gabinete do Prefeito, Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Assessoria de Apoio, Controle e Elaboração dos Atos Oficiais, Assessor de Apoio Especial do Gabinete do Prefeito, Diretor do Departamento de Coordenação e Materiais e Serviços da Secretaria Municipal da Administração, Diretor do Departamento de Procedimentos Administrativos de Aquisição e Contratos da Secretaria Municipal da Administração, Assessor de Implementação e Gestão da Escola de Governo, Diretor do Departamento de Contencioso da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos, Diretor do Departamento de Apoio Administrativo e Financeiro da Secretaria Municipal da Cultura, Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde, Diretor do Departamento da Modernização em Gestão da Secretaria Municipal da Saúde, Diretor do Departamento Saúde Integrada da Secretaria Municipal da Saúde, Diretor do Departamento de Serviços e Obras da Secretaria Municipal de Educação, Diretor do Departamento de Dados Escolares da Secretaria Municipal de Educação, Diretor do Departamento de Produção e Análise de Informação da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação, Assessor de Relações Institucionais da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação, Assessor de Gestão de Projetos da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação, Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação, Diretor do Departamento de Contadoria da Secretaria Municipal Fazenda, Assessor de Planejamento da Secretaria Municipal da Fazenda, Assessor Econômico da Secretaria Municipal da Fazenda, Assessor de Políticas Sociais, Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Assistência Social, Diretor do Departamento de Gestão Administrativa e Financeira da Secretaria Municipal de Assistência Social, Diretor do Departamento de Bens e Serviços, têm natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional, o que revela a ausência de relação de confiança, pois, marcadas por tarefas executivas e subordinadas.

Outros aspectos dos mencionados cargos também lhes conferem natureza de unidades que desempenham atividades subalternas.

Um deles é que a Lei nº 235/2013 traz a descrição detalhada das atribuições dos órgãos, o que não se confunde com a necessária previsão das atribuições dos cargos públicos.

Quanto aos cargos, o legislador, na maioria das vezes, se limitou a dizer que aos Diretores e Assessores compete “comandar e supervisionar a execução das atribuições” dos órgãos respectivos.

De qualquer modo, observa-se que as atribuições dos órgãos criados pela lei são comuns ou mistas - com funções eminentemente técnicas, burocráticas e comuns - e, portanto, a sua chefia e direção não deve ser conferida a detentor de cargo de provimento em comissão.

Outro aspecto é a ausência de exigência de qualquer nível de escolaridade para a assunção dos cargos, aspecto que, conjugado com as demais características dos cargos impugnados, reforçam a natureza de unidades executórias de pouca complexidade, sem poder de mando e comando superior e necessidade do elemento fiduciário para seu desempenho, o que justificaria o provimento em comissão.

A propósito do nível de escolaridade compatível com cargos de provimento em comissão, destacam-se os seguintes julgados desse Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Legislações do Município que Alvares Machado que estabelece a organização administrativa, cria, extingue empregos públicos e dá outras providências -Funções descritas que não exigem nível superior para seus ocupantes - Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos – Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e144 da Constituição Estadual — Ação procedente.(TJSP, ADIn 0107464-69.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 12 de dezembro de 2012)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Legislações do Município que Tietê, que dispõe sobre a criação de cargos de provimento em comissão - Funções que não exigem nível superior para seus ocupantes — Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos — Inexigibilidade de curso superior aos ocupantes dos cargos, que afasta a complexidade das funções - - Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn0130719-90.2011.8.26.000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 17 de outubro de 2012)

Além deste aspecto indicativo de que os cargos impugnados desempenham funções subalternas, de pouca complexidade, não se exigindo tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição de suas atribuições evidenciam a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior. Vejamos.

O cargo de Assessor Executivo do Gabinete do Prefeito e Assessor de Apoio Especial do Gabinete do Prefeito são subordinados e assessoram diretamente o Chefe de Gabinete, e não exercem atividades que reclamem confiança especial para o seu bom desempenho.

O cargo de Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Assessoria de Apoio, Controle e Elaboração dos Atos Oficiais têm atribuições burocráticas relacionadas ao controle de documentos no âmbito do Gabinete do Prefeito.

O cargo de Diretor de Coordenação de Materiais e Serviços da Administração desempenha atividades burocráticas relacionadas a logística de reposição e distribuição de materiais.

Os cargos de Diretor do Departamento de Procedimentos Administrativos de Aquisição e Contratos da Secretaria Municipal de Administração e o Diretor do Departamento de Contadoria da Secretaria Municipal da Fazenda têm atribuições nitidamente burocráticas relativas as atividades de emprego do dinheiro público e controle fiscal, não se tratando de exercício de função de direção superior do Município.

Com efeito, a elaboração de editais e a execução e o controle dos processos licitatórios são atividades comuns, a serem exercidas por servidores regularmente admitidos por concurso público de provas ou de provas e títulos.

O Diretor do Departamento de Apoio Administrativo e Financeiro da Secretaria Municipal de Cultura e Diretor do Departamento de Gestão Administrativa e Financeira da Secretaria Municipal de Assistência Social desenvolvem atividades burocráticas de gestão de pessoal e financeira sem posição de direção superior no âmbito da respectiva secretaria.

Os cargos de Diretor do Departamento de Obras da Secretaria Municipal de Educação e Diretor de Dados Escolares da Secretaria Municipal de Educação desempenham atividades nitidamente burocráticas relacionadas à área da educação.

Os cargos de Diretor do Departamento de Produção e Análise de Informação da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação desempenha atividade executória na área da habitação.

Os cargos de Diretor do Departamento de Modernização em Gestão da Secretaria Municipal da Saúde, Diretor do Departamento Saúde Integrada da Secretaria Municipal da Saúde não desempenham atribuições de gestão superior na área da Saúde.

As atividades previstas para os cargos de Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação, têm natureza técnico-profissional, ligando-se ao controle de documentos e publicações oficiais no âmbito da Secretaria, não caracterizando exercício de gestão superior do Município que reclame confiança especial para seu bom desempenho.

Do mesmo modo, os cargos de Assessores não apresentam nenhum componente a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas.

Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115 incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Este foi o entendimento do E.TJSP ao julgar a ADI 994.09.221010-0, que impugnou a Lei Complementar nº 87, de 29 de janeiro de 2001, do Município de Araçatuba, com destaque para o voto n.10.569 do Des. PALMA BISSON:

“Os Secretários Municipais e o Chefe de Gabinete do Prefeito, como, aliás, à partida reconheceu o promovente, efetivamente exercem funções de direção, chefia e assessoramento, pois à evidencia são co-urdidores e fiéis garantidores das políticas do governo municipal, então podendo ser livremente nomeados, provendo-se em comissão seus cargos.

Já o Diretor de Coordenação de Gabinete cuida do Departamento respectivo, vale dizer, daquele de Coordenação do Gabinete do Prefeito, definido como órgão deste próprio; logo, assessora diretamente não o alcaide, sim o Chefe de Gabinete – este o direto assessor do Chefe do Executivo -, então não havendo como se fugir da certeza de que exercer função técnica ou prática, típica de cargo de provimento efetivo, mediante concurso.

Quanto aos demais Diretores de Departamento eu digo o mesmo, pois os Departamentos, na estrutura organizacional da Prefeitura Municipal de Araçatuba, ou são órgãos de Gabinete do Prefeito, ou são unidades administrativas das Secretarias Municipais, e seus Diretores servem profissionalmente os assessores diretos do alcaide, sem ter qualquer vínculo com este, que reclame confiança ou fidelidade às diretrizes políticas por ele traçadas.

(...)

O Secretário Executivo do Gabinete tem título que diz tudo: executa tarefas gerais do Gabinete do Prefeito, dentre as quais sobressaem as de preparar o expediente, atender ou fazer atender pessoas, organizar a pauta de audiências, a agenda, a recepção de visitantes e hospedes, dar as devidas condições de trabalho ao Chefe de Gabinete e ao Prefeito; é feito e não gestor; deve ser concursado, portanto.”

 

         No mesmo sentido concluiu o E.TJSP no julgamento da ADI 0436584-55.2010.8.26.0000, que declarou a inconstitucionalidade da Lei 206, de 30 de junho de 2010, do Município de Araçatuba:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Complementar Municipal n° 206/10 (que dispõe acerca do quadro de servidores do Poder Executivo do Município de Araçatuba) Inconsistência da preliminar de inépcia da petição inicial - Diploma legal que cria cargos de provimento em comissão, cujas atribuições não possuem caráter de direção, chefia ou assessoramento, tampouco pressupõem a existência de um vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado - Vício de inconstitucionalidade material configurado, por afronta ao disposto nos artigos 111, 115, incisos I, II e V, e 144, todos da Carta Estadual – Precedentes deste Colendo Órgão Especial e do Pretório Excelso - Necessidade, por fim, de se proceder à modulação dos efeitos temporais desta decisão, a fim de que tenha eficácia pro futuro (artigo 27 da Lei Federal n° 9.868/99) - Ação procedente.”

 

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”(Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a jurisprudência proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).

 

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

 

 

B – dos cargos de assessor executivo da procuradoria geral do município e diretor do departamento de contencioso da secretaria municipal de assuntos jurídicos

 

 

O cargo comissionado de Assessor Executivo da Procuradoria Geral (§ 2º do art. 2º), que possui como atribuição substituir o Procurador Geral do Município em suas ausências e representá-lo em perante autoridades quando designado, revela-se inconstitucional. Padece do mesmo vício o cargo comissionado de Diretor do Departamento de Contencioso da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos (§ 2º do art. 8º), que possui no rol de suas atribuições funções típicas de assessoramento jurídico.

 

 As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito. Desta forma, seria um contrassenso admitir que o substituto do Procurador Geral do Município seja detentor de cargo de provimento em comissão.

 

É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.

 

Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público, inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes, o que é reverberado pela jurisprudência:

 

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

C – DA FALTA DA DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO DE BENS E SERVIÇOS

Não há na Lei Complementar nº 235/2013, do Município de Araçatuba, a descrição das atribuições do cargo de provimento em comissão de Diretor do Departamento de Administração de Bens e Serviço (Art. 25 e Anexo I).

Tal omissão vulnera o princípio da legalidade ou reserva legal e o art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal ).

Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo, a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)

Não há, evidentemente, nenhum componente no posto previsto na lei local a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivas aos princípios de moralidade, eficiência e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

 

III – Pedido liminar

 

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais, do Município de Araçatuba, apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

Está claramente demonstrada que muitos dos cargos criados não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Além da ofensa ao princípio da reserva legal, haja vista falta da descrição das atribuições de cargo de provimento em comissão criado na estrutura administrativa da Prefeitura Municipal de Araçatuba.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante. Assim, a imediata suspensão da eficácia dos diplomas normativos impugnados evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, em face das expressões “Assessor Executivo da Procuradoria Geral do Município” e “Assessor Executivo do Gabinete do Prefeito” constantes do art. 2º e Anexo I,Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Assessoria de Apoio, Controle e Elaboração dos Atos Oficiais”, “Assessor de Apoio Especial do Gabinete do Prefeito”, “Diretor do Departamento de Coordenação e Materiais e Serviços da Secretaria Municipal da Administração”, “Diretor do Departamento de Procedimentos Administrativos de Aquisição e Contratos da Secretaria Municipal da Administração”, “Assessor de Implementação e Gestão da Escola de Governo”, “    Diretor do Departamento de Contencioso da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos”, “Diretor do Departamento de Apoio Administrativo e Financeiro da Secretaria Municipal da Cultura”, “Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde”, “Diretor do Departamento da Modernização em Gestão da Secretaria Municipal da Saúde”, “Diretor do Departamento Saúde Integrada da Secretaria Municipal da Saúde”, “Diretor do Departamento de Serviços e Obras da Secretaria Municipal de Educação”, Diretor do Departamento de Dados Escolares da Secretaria Municipal de Educação”, “Diretor do Departamento de Produção e Análise de Informação da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Assessor de Relações Institucionais da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Assessor de Gestão de Projetos da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Diretor do Departamento de Contadoria da Secretaria Municipal Fazenda”, “Assessor de Planejamento da Secretaria Municipal da Fazenda”, “Assessor Econômico da Secretaria Municipal da Fazenda”, “Assessor de Políticas Sociais”, “Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Assistência Social”,  “Diretor do Departamento de Gestão Administrativa e Financeira da Secretaria Municipal de Assistência Social”, “Diretor do Departamento de Bens e Serviços”, constantes do Anexo I, e dos artigos  3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, da Lei Complementar n. 235, de 23 de agosto de 2013, do Município de Araçatuba.

 

IV – Pedido

                   Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade em face das expressões “Assessor Executivo da Procuradoria Geral do Município” e “Assessor Executivo do Gabinete do Prefeito” constantes do art. 2º e Anexo I,Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Assessoria de Apoio, Controle e Elaboração dos Atos Oficiais”, “Assessor de Apoio Especial do Gabinete do Prefeito”, “Diretor do Departamento de Coordenação e Materiais e Serviços da Secretaria Municipal da Administração”, “Diretor do Departamento de Procedimentos Administrativos de Aquisição e Contratos da Secretaria Municipal da Administração”, “Assessor de Implementação e Gestão da Escola de Governo”, “    Diretor do Departamento de Contencioso da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos”, “Diretor do Departamento de Apoio Administrativo e Financeiro da Secretaria Municipal da Cultura”, “Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Saúde”, “Diretor do Departamento da Modernização em Gestão da Secretaria Municipal da Saúde”, “Diretor do Departamento Saúde Integrada da Secretaria Municipal da Saúde”, “Diretor do Departamento de Serviços e Obras da Secretaria Municipal de Educação”, Diretor do Departamento de Dados Escolares da Secretaria Municipal de Educação”, “Diretor do Departamento de Produção e Análise de Informação da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Assessor de Relações Institucionais da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Assessor de Gestão de Projetos da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Diretor do Departamento de Atividades Complementares da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação”, “Diretor do Departamento de Contadoria da Secretaria Municipal Fazenda”, “Assessor de Planejamento da Secretaria Municipal da Fazenda”, “Assessor Econômico da Secretaria Municipal da Fazenda”, “Assessor de Políticas Sociais”, “Assessor de Comunicação da Secretaria Municipal de Assistência Social”,  “Diretor do Departamento de Gestão Administrativa e Financeira da Secretaria Municipal de Assistência Social”, “Diretor do Departamento de Bens e Serviços”, constantes do Anexo I, e dos artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24 e 25, da Lei Complementar n. 235, de 23 de agosto de 2013, do Município de Araçatuba.

 

                   Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Araçatuba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                            Termos em que, pede deferimento.

                            São Paulo, 12 de agosto de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n.  137.357/2013

Assunto: Inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar n. 235, de 23 de agosto de 2013, do Município de Araçatuba

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar n. 235, de 23 de agosto de 2013, do Município de Araçatuba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 12 de agosto de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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