EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 00084.246/2012

 

 

 

Ementa:

1. Inconstitucionalidade do art. 3º da Resolução n.02, de 08 de maio de 2012, do Município de Guararema, responsável por fixar os subsídios dos Vereadores e do Presidente da Câmara Municipal para a Legislatura 2013-2016. INEXISTÊNCIA DOS DIREITOS À REVISÃO GERAL ANUAL AOS AGENTES POLÍTICOS PARLAMENTARES MUNICIPAIS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA E ÀS REGRAS DA ANTERIORIDADE DA LEGISLATURA E DA INALTERABILIDADE DO SUBSÍDIO DURANTE ESSE PERÍODO (ART. 144, CE).  Os vereadores não possuem direito à revisão geral anual em obséquio às regras de anterioridade da legislatura e da inalterabilidade do subsídio durante esse período (art. 29, VI, da Constituição Federal), iluminadas pelo princípio da moralidade administrativa (art. 111, Constituição do Estado) e atraídas pela remissão do art. 144 da Constituição Estadual aos princípios da Constituição Federal.

2. A garantia contida no art. 37, X da CR/88 aplica-se apenas aos servidores públicos em geral. Em decorrência da “regra da legislatura” não é aplicável aos Vereadores a normativa contida no art. 37, X da CR. Não se pode falar, quanto a eles, em “revisão geral anual”.

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, autuado sob n. 00084.246/2012, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 3º da Resolução n. 02, de 08 de maio de 2012, do Município de Guararema, pelos fundamentos a seguir expostos:

I. DO DISPOSITIVO IMPUGNADO

A Câmara Municipal de Guararema editou a Resolução n. 02, de 08 de maio de 2012, responsável por fixar os subsídios dos Vereadores e do Presidente da Câmara Municipal para a Legislatura 2013-2016, que iniciar-se-á em 1º de janeiro de 2013.

Reza o art. 3º de referida Resolução:

“Fica assegurada a revisão geral anual aos subsídios dos Vereadores, nos termos do art. 37, inciso X, da Constituição Federal”.

Como se vê do texto destacado, o legislador municipal garante aos vereadores o direito à revisão geral anual.

II. DOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO

Como se sabe, os subsídios dos Vereadores são fixados pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subsequente, nos termos do art. 29, VI da Constituição Federal (red. EC nº 25/2000), que estipula a denominada “regra da legislatura”.

Por força dessa disposição é que se entende que é vedado o aumento de subsídios dos Vereadores na legislatura em curso.

De outro lado, ao tratar da questão no âmbito do Poder Executivo, o art. 37, X da Constituição Federal (red. EC nº 19/98) estabelece que a “remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso”.

Ademais, esse mesmo dispositivo (art. 37, X da Constituição Federal), em sua parte final determina que seja “assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices”.

Há, portanto, duas questões diversas relacionadas ao art. 37, X da CR/88.

Não se pode confundir a (a) fixação dos subsídios, ou mesmo sua majoração, com a (b) revisão geral anual da remuneração e dos subsídios, que diz respeito à respectiva atualização monetária, para preservar o poder aquisitivo da moeda. Essa distinção já foi destacada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal (ADI 2.726, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-12-02, Plenário, DJ de 29-8-03).

A finalidade da revisão geral e anual sem distinção de índices e na mesma data é singela: assegurar tratamento isonômico aos servidores públicos quanto ao índice e à data que serão empregados para afastar a corrosão do poder aquisitivo do capital em função da inflação, na medida em que sendo esta um fenômeno uniforme, não se justificaria, quanto a ela, a adoção de índices diferenciados.

É por tal fundamento que o Colendo Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a atribuição privativa do Poder Executivo para o encaminhamento do projeto de lei destinado à definição do índice de revisão geral anual da remuneração e dos subsídios, previsto no art. 37, X, in fine da CR/88 , o que impede ao “Poder Judiciário deferir pedido de indenização no tocante à revisão geral anual de servidores, por ser atribuição privativa do Poder Executivo” (RE 548.967-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-11-07, 1ª Turma, DJE de 8-2-08). No mesmo sentido: RE 529.489-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 27-11-07, 2ª Turma, DJE de1º-2-08; RE 561.361-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-11-07, 1ª Turma, DJE de 8-2-08; RE 547.020-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 6-11-07, 1ª Turma, DJE de15-2-08.

Do mesmo modo, já pontuou o Colendo Supremo Tribunal Federal que:

“(...)

Mesmo que reconheça mora do Chefe do Poder Executivo, o Judiciário não pode obrigá-lo a apresentar projeto de lei de sua iniciativa privativa, tal como é o que trata da revisão geral anual da remuneração dos servidores, prevista no inciso X do artigo 37 da Lei Maior, em sua redação originária. Ressalva do entendimento pessoal do Relator. Precedentes: ADI 2.061, Relator Ministro Ilmar Galvão; MS 22.439, Relator Ministro Maurício Corrêa; MS 22.663, Relator Ministro Néri da Silveira; AO 192, Relator Ministro Sydney Sanches; e RE 140.768, Relator Ministro Celso de Mello. Agravo regimental desprovido. (RE 519.292-AgR, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em 15-5-07, 1ª Turma, DJ de 3-8-07, g.n.)

(...)

 

Tal entendimento – no sentido de que uma única lei deve definir o índice relacionado à revisão geral da remuneração dos servidores prevista no art. 37, X da Constituição Federal -, foi inclusive sedimentado, ao menos na esfera da União, com a edição da Lei nº 10.331/2001, que, conforme respectiva rubrica, “Regulamenta o inciso X do art. 37 da Constituição, que dispõe sobre a revisão geral e anual das remunerações e subsídios dos servidores públicos federais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais”, prevendo em seu art. 1º, combinado com o art. 2º, II, que mediante lei específica “as remunerações e os subsídios dos servidores públicos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, das autarquias e fundações públicas federais, serão revistos, na   forma do inciso X do art. 37 da Constituição, no mês de janeiro, sem distinção de índices, extensivos aos proventos da inatividade e às pensões”.

Outra questão, contudo, é saber os Vereadores estão sujeitos à revisão, nos moldes acima expostos.

Em outras palavras, importa saber se a isonomia na revisão da remuneração do pessoal do serviço público alcança apenas os servidores públicos em geral, ou atinge também os agentes políticos, e, em especial, os Vereadores.

Referindo-se ao art. 37, X da Constituição Federal, Maria Sylvia Zanella Di Pietro anota que “Os servidores passam a fazer jus à revisão geral anual, para todos na mesma data e sem distinção de índices (estas últimas exigências a serem observadas em cada esfera de governo). A revisão anual, presume-se que tenha por objetivo atualizar as remunerações de modo a acompanhar a evolução do poder aquisitivo da moeda; se assim não fosse, não haveria razão para tornar obrigatória a sua concessão anual, no mesmo índice e na mesma data para todos. Esta revisão anual constitui direito dos servidores, o que não impede revisões outras, feitas com o objetivo de reestruturar ou conceder melhorias a carreiras determinadas, por outras razões que não a atualização do poder aquisitivo dos vencimentos e subsídios” (Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 523). No mesmo sentido o pensamento de Carmen Lúcia Antunes Rocha, Princípios constitucionais dos servidores públicos, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 323.

Destaque-se: a doutrina acima, ao tratar do tema, deixa implícito o entendimento de que a garantia contida no art. 37, X da Constituição Federal aplica-se apenas aos servidores públicos em geral.

Não se pode perder de vista no exame da matéria, ademais, que a Constituição Federal submete a fixação da retribuição pecuniária devida aos Vereadores à denominada “regra da legislatura”, que contem em essência, duas diretrizes: (a) primeiro, a determinação de que o valor dos subsídios pagos aos parlamentares seja fixado pela legislatura anterior, para a subsequente; (b) segundo, a vedação de aumentos no curso da própria legislatura, ou seja, em benefício dos próprios mandatários populares.

Isso é o que decorre do inciso VI do art. 29 da Constituição Federal (red. EC 25/00), ao prever que “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente (...)”.

Nesse sentido, vários precedentes elucidando o sentido da “regra da legislatura” são apontados por Alexandre de Moraes, em sua Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo, Atlas, 2002, p. 718/719:

“(...)

TJSP - A lei, ao estipular que a fixação dos subsídios dos Vereadores seja feita em cada legislatura para a subseqüente, prevê necessariamente, que o valor seja fixado antes das eleições, enquanto os Vereadores não saibam se serão ou não reeleitos. Se a fixação fosse feita após as eleições, eles estariam fixando, com certeza, os próprios vencimentos, contrariando o espírito das leis. Assim, com infringência ao princípio da moralidade e agindo com desvio de finalidade, é que foi aprovada a resolução 2, a qual deve ser declarada nula (JTJ 153/152).

STF – Constitucional. Ação popular, Vereadores. Remuneração. Fixação. Legislatura subseqüente. CF, 5º LXXIII; art.29, VI. Patrimônio material do poder público, Moralidade Administrativa: lesão. I. A remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subseqüente, CF, art.29, V. Fixando os Vereadores a sua própria remuneração, vale dizer, fixando esta remuneração para viger na própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivo não só ao patrimônio material do Poder Público, como à moralidade administrativa, que constitui patrimônio moral da sociedade. Art.5º, LXXIII” (STF, 2ª T., RE 206.889/MG – rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 165/373).

(…)”

Em síntese, em decorrência da “regra da legislatura” não é aplicável aos Vereadores a normativa contida no art. 37, X da Constituição Federal. Não se pode falar, quanto a eles, em “revisão geral anual”.

Ademais, vem em reforço desse raciocínio o fato de que a sistemática remuneratória dos Vereadores tem regramento absolutamente próprio na Constituição Federal, pois, além da “regra da legislatura” há previsão de: (a) limites que associam a população do Município à fração do que percebem os Deputados Estaduais para definição dos subsídios dos Vereadores (art. 29, VI da CR, red. EC 25/00); (b) limites em percentual da receita do Município (5%, nos termos do art. 29, VII da Constituição Federal, red. EC 01/92); (c) limites percentuais associados ao somatório da receita tributária e transferências constitucionais inerentes ao Município considerado (art. 29-A da CR, red. EC 25/00).

Todos estes argumentos induzem à conclusão de que não há revisão geral anual para os Vereadores, a fim de reposição de índices inflacionários, sob pena de desrespeitar-se o disposto no art. 29, VI da Constituição Federal, ou seja, a “regra da legislatura”.

Essa conclusão foi assentada também em sede doutrinária por Wallace Paiva Martins Júnior, Remuneração dos agentes públicos, São Paulo, Saraiva, 2009, p. 120, ao observar com precisão que “a revisão geral não se aplica aos agentes políticos investidos em mandatos eletivos na medida em que para eles a providência situa-se no domínio da conveniência política”, mencionando ainda o r. autor importante precedente do E. TJSP nesse sentido (AI 356.170-5/5-00. 9ª Câmara de Direito Público, rel. des. Gonzaga Franceschini, j. 25.8.2004, v.u.).

         O art. 3º da Resolução n. 02, de 08 de maio de 2012 do Município de Guararema, ofende frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo por manifesta incompatibilidade vertical com seus arts. 111, 144 e 297.

         Com efeito, assim dispõe a Constituição Estadual:

“Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Artigo 297 – São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.

         Contraria igualmente o art. 29, VI da Constituição Federal aplicável aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual, deixando claro que o direito à revisão geral anual é exclusivo dos servidores públicos. 

III. CONCLUSÃO E PEDIDO

         Face ao exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que, ao final, seja julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 3º da Resolução n. 02, de 08 de maio de 2012, responsável por fixar os subsídios dos Vereadores e do Presidente da Câmara Municipal para a Legislatura 2013-2016, do Município de Guararema.

         Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guararema, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para sua manifestação, protestando por nova vista, em seguida, para fins de manifestação final.

São Paulo, 7 de março de 2013.

 

                            Márcio Fernando Elias Rosa

                            Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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Protocolado nº 00084.246/2012

Interessado:  Conselho de Moradores de Bairros do Município de Guararema

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 3º da Resolução n. 02/2012, do Município de Guararema.

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 3º da Resolução n. 02/2012, do Município de Guararema, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Entretanto, no tocante à representação para declaração de inconstitucionalidade em relação à Lei n. 2862, de 14 de maio de 2012, que “dispõe sobre a fixação dos subsídios do Prefeito Municipal e do Vice-Prefeito de Guararema e dá outras providências”, do Município de Guararema, o arquivamento é de rigor, eis que o art. 3º da referida lei foi vetado.

3.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial (art. 3º da Resolução n. 02 de 08 de maio de 2012) e, em relação ao arquivamento quanto à impugnação da Lei n. 2.862 de maio de 2012, do Município de Guararema.

 

São Paulo, 7 de março de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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