EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº
135.025/2012
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de cargo de provimento em comissão criado pelo Anexo II da Lei Complementar nº 19, de 16 de outubro de 2013, do Município de João Ramalho.
2)
Cargo
de provimento em comissão de Assessor Jurídico. As atividades de advocacia
pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e
suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo
sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
O
PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar
Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda
no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 135.025/2012,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão
“Assessor Jurídico” constante do
Anexo II, da Lei complementar nº 19, de 16 de outubro de 2013, do Município de João
Ramalho, pelos fundamentos expostos a seguir:
1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta
de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada
pelo Sr. Ailton de Freitas Francisco (fls. 02/15).
O Anexo II da Lei Complementar nº 19, de 16 de outubro de 2013, do Município de João Ramalho que estabeleceu a nova estrutura administrativa municipal e o novo quadro de cargos políticos e comissionados prevê o seguinte (fl. 559):
ANEXO
II
(...)
Quadro
II – Cargos em comissão:
Diretor
de Gabinete |
Assessor
Jurídico |
Diretor
do Fundo Municipal de Previdência Social |
Diretor
de Atenção Básica em Saúde |
Diretor
de Vigilância em Saúde e Regulação |
Diretor
e Obras, Serviços, Frota e Transporte |
Diretor
de Planejamento e Engenharia |
Diretor
de Assistência Social |
O ato normativo transcrito, na parte em que criou o
cargo de provimento em comissão de Assessor
Jurídico, é inconstitucional por violação dos arts. 98 a 100, 111, 115, incisos
I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.
2.
DA ATRIBUIÇÃO DO CARGO DE ASSESSOR
JURÍDICO
O Anexo II da
Lei Complementar nº 19, de 16 de outubro de 2013, do Município de João Ramalho,
traz a seguinte descrição da atribuição do cargo de Assessor Jurídico (fls.
560/561):
“(...)
PROCURADORIA JURÍDICA
DO MUNICÍPIO
Título
do Cargo: Assessor Jurídico |
|
Descrição
das Atribuições e Funções |
|
Prestar serviços de assistência
jurídica à Municipalidade nos diversos segmentos do Direito, consultando,
pesquisando, analisando, avaliando e interpretando jurisprudências, atos
normativos, leis e outros instrumentos; Prestar assistência jurídica aos
órgãos componentes da estrutura organizacional da prefeitura; Assessorar
diretamente o Prefeito Municipal em assuntos jurídicos; Representar o
município em juízo ou fora dele nas ações que este for autor, réu,
assistente, opoente ou interveniente; Acompanhar e instruir processos,
formulando defesas, acusações e outras peças de caráter jurídico que possam
sustentar as ações judiciais ou extrajudiciais onde o Município esteja
citado; Emitir pareceres em consultas formuladas pelos órgãos da
Administração Direta e ou pelo executivo Municipal, sobre matérias de
natureza jurídica, envolvendo matérias que afetem, sob o ponto de vista
jurídico, a administração municipal; Apreciar, previamente, os processos de
licitação, as minutas de contrato, convênios, acordos e demais atos relativos
a obrigações assumidas pelos órgãos da Administração Direta; Elaborar
informações a serem prestadas pela autoridade da Administração em mandados de
segurança; Estudar e minutar contratos de concessão, locação, comodato,
termos de compromisso e responsabilidade, convênios, escrituras e outros atos
e proceder ao exame de documentos e processos necessários à formalização dos
mesmos; Estudar os processos de aquisição, doação, transferência oi alienação
de bens em que for interessado o município, examinado toda a documentação
referente à transação; Efetuar a representação judicial e extrajudicial do
Município e cobrança administrativa ou judicial da dívida ativa ou de
qualquer outra natureza; Examinar minutas de portarias ou outras normas
submetidas pelos diversos órgãos da administração ao Prefeito Municipal,
opinando sobre a legalidade, competência ou aspecto formal; Prestar
assessoramento técnico-legislativo ao Prefeito Municipal e às chefias da
unidade; Executar outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas
pelo Prefeito Municipal. |
|
Requisitos de Provimento e
Exigências de Ingresso |
1.
Existência de vaga no Cargo; 2.
Curso Superior Completo (Graduação em Direito); 3.
Requisito Regular na OAB; 4.
Cargo Comissionado de Livre nomeação e exoneração pelo Prefeito Municipal. |
Quantidade |
01 |
Padrão Básico de Remuneração |
Fixo
– tabela do anexo III |
Jornada de Trabalho |
20
horas semanais |
3. DA NATUREZA DAS ATIVIDADES DE
ADVOCACIA PÚBLICA
A atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais recrutados pelo sistema de mérito.
É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.
Este modelo deve ser observado pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008)., inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100, CE/89).
Assim, a natureza técnica profissional do cargo de Assessor Jurídico, por força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, não possibilita que o cargo seja de provimento em comissão.
4. DOS PEDIDOS
a)
Do Pedido Liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do
Município de João Ramalho apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a
consequente oneração financeira do erário.
Está claramente
demonstrada que a natureza do cargo de Assessor
Jurídico é reservado a profissionais recrutados pelo sistema de mérito, por
força dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual, o que não possibilita que o
cargo seja de provimento em comissão.
O perigo da demora
decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e
da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação.
Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres
públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
Basta
lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para
ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela
argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da
prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A
ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a
apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de
inconstitucionalidade.
Note-se
que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível
restabelecer o status quo ante.
Assim,
a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de
maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida.
Com
efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares
para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante,
que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,
preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf.
ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello;
ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p.
16.182).
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar
para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, da expressão
“Assessor Jurídico” constante do
Anexo II, da Lei complementar nº 19, de 16 de outubro de 2013, do Município de
João Ramalho.
b)
Do Pedido Principal
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da
expressão “Assessor Jurídico”
constante do Anexo II, da Lei complementar nº 19, de 16 de outubro de 2013, do
Município de João Ramalho.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de João Ramalho, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o
ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos em que, aguarda-se deferimento.
São Paulo, 15 de agosto de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm
Protocolado nº 135.025/2012
Assunto: inconstitucionalidade
de cargo em comissão criado por Lei do Município de João Ramalho
1.
Distribua-se a inicial da ação direta de
inconstitucionalidade, em face da expressão “Assessor Jurídico” constante do Anexo II, da Lei complementar nº
19, de 16 de outubro de 2013, do Município de João Ramalho, junto ao E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 15 de agosto de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/dcm