EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº
168.958/13
EMENTA:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE EM FACE DE ALGUNS
DISPOSITIVOS DAS LEIS NSº 4.048, DE 07 DE MARÇO DE 2008, 3.629, DE 28 DE
NOVEMBRO DE 2003 E LEI COMPLEMENTAR Nº 45, DE 26 DE FEVEREIRO DE 2004, TODAS DO
MUNICÍPIO DE BARRETOS. CARGO DE PAJEM TRANSFORMADO NO CARGO DE EDUCADOR DA
EDUCAÇÃO INFANTIL; COORDENADOR DE CRECHE TRANSFORMADO NO CARGO DE DIRETOR DE
ESCOLA INFANTIL E MONITOR DE CRIANÇA E ADOLESCENTE TRANSFORMADO NO CARGO DE
EDUCADOR DE CRIANÇA E ADOLESCENTE. INCLUSÃO DOS CARGOS DE EDUCADOR DA EDUCAÇÃO
INFANTIL, EDUCADOR DE CRIANÇA E ADOLESCENTE E DIRETOR DE ESCOLA INFANTIL NO
QUADRO E CARREIRA DO MAGISTÉRIO PÚBLICO MUNICIPAL. 1 - Ofensa ao
princípio do concurso público e de seus corolários lógicos. 2 - Transposição ofensiva aos arts. 111
e 115, II, da Constituição Estadual e Súmula 685, do egrégio Supremo Tribunal
Federal. 3 - Precedentes
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 2º, da Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, e das expressões “Educador da Educação Infantil”, “Educador de Criança e Adolescente” e “Diretor de Escola de Educação Infantil”, previstos na alínea a e b, do inciso I, alínea d, do inciso II e inciso II, do §1º, todos do art. 5º, parágrafo único, inciso I, do art. 7º, incisos I, V, VI e VII, do §1º do art. 12, inciso III, do art. 18 e Anexos I e V, todos da Lei nº 3.629, de 28 de novembro de 2003, na redação dada pela Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, bem como na alínea a e b, do inciso I, alínea d, do inciso II, ambos do art. 5º, incisos I e II, do art. 6º, inciso I, do parágrafo único, do art. 24, inciso III, do §3º, do art. 36, alínea b, do inciso III, do art. 39 – A e Anexo I, todos da Lei Complementar nº 45, de 26 de fevereiro de 2004, de Barretos, pelos fundamentos a seguir expostos.
1.
DOS
ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.
Inicialmente, cumpre salientar que Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, do Município de Barretos alterou alguns dispositivos da Lei nº 3.629, de 28 de novembro de 2003, do mesmo Município mencionado, sendo que este ato normativo dispõe “SOBRE O PLANO DE CARREIRA, VENCIMENTOS E SALÁRIOS PARA OS INTEGRANTES DO QUADRO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE BARRETOS”.
Especificamente no art. 2º da Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, do Município de Barretos, houve a transformação dos cargos de Pajem no cargo de Educador da Escola Infantil, Coordenador de Creche no cargo de Diretor de Escola de Educação Infantil e Monitor de Criança e Adolescente no cargo de Educador de Criança e Adolescente (fls. 13/20, 314/315 e 413/420), a qual tem a seguinte redação:
“(...)
Art. 2º. Nos termos dos artigos 1º, 2º e 3º, do Estatuto do Magistério Público Municipal, aprovado pela Lei Complementar nº 45, de 26 de fevereiro de 2004, e alterações posteriores, e em obediência ao que dispõe o artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal e ao que determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, especialmente em seus artigos 4º, IV; 11, I, II e V; 13; 18, I; 21, I; 22; 29; 30; 31 e, sobretudo, ao que estabelece, ainda, o seu artigo 88, passam a integrar o quadro e a carreira do Magistério Público Municipal, sob novas denominações, mantidos inalterados os vencimentos, as lotações, as quantidades e as funções atuais dos seguintes cargos:
I – Os cargos de Pajem cujas atribuições docentes são exercidas nas Escolas ou Centros Municipais de Educação, Infantil e Ensino Fundamental, passam a denominar-se Educador da Educação Infantil.
II – Os cargos de Coordenador de Creche cujas atribuições de direção e administração são exercidas nas Escolas ou Centros Municipais de Educação Infantil e Ensino Fundamental, passam a denominar-se Diretor de Escola de Educação Infantil.
III – Os cargos de Monitor de Criança e Adolescente cujas atribuições são exercidas em projetos de atividades complementares próprias do regime de escolas de tempo integral, a que se referem os artigos 34 e 87, § 5.º, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional mencionada no caput, na Educação Infantil ou no Ensino Fundamental, passam a denominar-se Educador de Criança e Adolescente.
(...)”
Além disso, os cargos de Educador da
Escola Infantil, Educador de Criança e Adolescente e Diretor de Escola Infantil
foram incluídos no quadro do Magistério Público do Município de Barretos,
conforme dispõem as alíneas a e b, do inciso I e alínea d, do inciso II, ambos do art. 5º, da
Lei nº 3.629, de 28 de novembro de 2003, do mesmo Município, alterado pelo art.
1º, da Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, nos seguintes termos (fls.
607/654):
“(...)
Art. 5º. - Os cargos do quadro do
Magistério Público do Município de Barretos estão distribuídos pelas classes:
1 – Classe de Docentes:
a)
Educador da Educação Infantil;
b)
Educador de Criança e Adolescente;
(...)
II – Classe de Suporte
Pedagógico:
d) Diretor de Escola de
Educação Infantil.
§ 1º Haverá cargo de:
II – Diretor de Escola de Educação Infantil, em escola
de educação infantil e em Centro Municipal de Educação Infantil e Ensino
Fundamental – CEMEIEF.
(...)”
Essas inclusões ocorreram sem
respeito à regra do concurso público, pois esses cargos foram inseridos em
classes a que não pertenciam.
Ademais, em razão da inconstitucionalidade
da transposição dos cargos mencionados impugna-se os dispositivos que vinculam direitos
dos docentes aos cargos de Educador de Educação Infantil e Educador de Criança
e Adolescente, na Lei nº 3.629, de 28 de novembro de 2003, na redação dada pela
Lei 4.048, de 07 de março de 2008, ambas de Barretos (fls. 607/654), nos
seguintes termos:
DA JORNADA DE TRABALHO
Art. 7.º (...)
Parágrafo único – A jornada de trabalho do titular do
cargo de:
I – Educador da Educação Infantil e de Educador de
Criança e Adolescente cumprirá jornada integral de trabalho de docente.
DO VENCIMENTO
Art. 12 – A (...)
I – I – O básico da carreira do Magistério Público
Municipal é o fixado para o cargo de Professor I, da classe inicial e no nível
mínimo de habilitação, exceto para os cargos de Professor de Suplência I,
Educador da Educação Infantil, Educador de Criança e Adolescente.
V – básico inicial do cargo de Educador da Educação
Infantil é o correspondente à Faixa Inicial, da escala de vencimentos da classe
de docentes, prevista no Anexo III;
VI – básico inicial do cargo de Educador de Criança e
Adolescente é o correspondente à Faixa Inicial, da escala de vencimentos da
classe de docentes, prevista no Anexo III;
VII – básico inicial do cargo de Diretor de Escola de
Educação Infantil é o correspondente ao padrão I, da faixa 1, da escala de
vencimentos da classe de suporte pedagógico, prevista no Anexo IV, desta Lei;
DAS VANTAGENS
Art. 18 – Constituem indenizações ao servidor:
III – 10% (dez por centro) do nível inicial do cargo,
posto de trabalho ou função para Diretor de Escola, Vice-Diretor, Diretor de Escola de Educação Infantil,
Professor-Coordenador, Encarregado de Projeto e Chefe de Setor que visita
escola. (g.n)
Não bastando isso, houve alterações
na Lei Complementar nº 45, de 26 de fevereiro de 2004, de Barretos, a qual
dispõe sobre o Estatuto do Magistério Público Municipal, no que concerne à
inconstitucionalidade da transposição dos cargos acima, nos seguintes termos
(fls. 655/704):
“(...)
Art.
5º - O quadro do Magistério é constituído das seguintes classes:
I – Classe dos docentes:
a) Educador
da Educação Infantil;
b) Educador
de Criança e Adolescente;
II –
Classe de Suporte Pedagógico:
d) Diretor de Escola de Educação Infantil;
Art.
6º - Os ocupantes de cargo ou de função docente atuarão:
I –
Educador da Educação Infantil: na Educação Infantil;
II –
Educador de Criança e Adolescente: nas atividades educacionais complementares;
DA
JORNADA DE TRABALHO E DA CARGA HORÁRIA
Art.
24 (...)
Parágrafo
único. A jornada de trabalho do titular do cargo de:
I –
Educador da Educação Infantil e de Educador de Criança e Adolescente cumprirá
jornada integral de trabalho docente; e
Art.
36 – Constituem indenizações ao servidor:
§3
(....)
III
– 10 (dez por cento) do nível inicial do cargo, posto de trabalho ou função
para o Diretor de Escola, Vice-Diretor, Diretor
de Escola de Educação Infantil, Professor – Coordenador, Encarregado de
Projeto e Chefe de Setor que visita escola. (g.n)
Art.
39A – (...)
b) por
1 (um) supervisor de ensino do ensino fundamental; 1 (um) supervisor de ensino
de educação infantil; 1 (um) diretor de escola; 1 (um) diretor de escola de educação infantil; 1 (um)
coordenador pedagógico do ensino fundamental; 1 (um) coordenador pedagógico da
educação infantil; 1 (um) professor; 1 (um) educador da educação infantil; 1
(um) professor I; 1 (um) professor II; 1
(um) educador da educação infantil e 2 (dois) representantes dos demais
servidores, todos eleitos pelos seus pares. (g.n)
(...)”
É possível afirmar que os atos normativos acima ofendem frontalmente os seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 111, 115, incisos I e II, e 144.
É o que será demonstrado a seguir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O art.
2º, da Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, do Município de Barretos que
transformou os cargos de Pajem no cargo de Educador da Educação Infantil,
Coordenador de Creche no cargo de Diretor de Escola de Educação Infantil e
Monitor de Criança e Adolescente no cargo de Educador de Criança e Adolescente
e, posteriormente, a inclusão dos cargos de Educador da Educação Infantil,
Educador de Criança e Adolescente e Diretor de Escola de Educação Infantil no
quadro e carreira do magistério, insertos no art. 5º, da Lei nº 3.629, de 28 de
novembro de 2003, do Município de Barretos, violam princípios constitucionais que exigem a
realização de concurso público para acesso aos cargos e empregos na
administração pública, e, por consequência, viola também a regra da
acessibilidade geral e da isonomia com relação ao provimento de cargos na
administração pública, que decorrem dos seguintes dispositivos da Constituição
Estadual:
“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
Art.115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como os estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo de provimento em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração.”
É
oportuno recordar que tais dispositivos são reproduções do disposto no art. 37,
incisos I e II, da CR/88, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da
Constituição Paulista.
Dispensa
maiores digressões a afirmação de que a realização de concurso público, para
acesso aos cargos, empregos e funções públicas, é a regra. Ela só admite
exceções nas estritas hipóteses previstas nas Constituições Federal e Estadual,
quais sejam: (a) a nomeação para cargos de provimento em comissão previstos em
lei específica de cada ente federativo (nos casos de cargos ou funções de
direção, chefia ou assessoramento superior da administração, em que deva
prevalecer o vínculo de especial confiança entre o servidor e o agente superior
ao qual se vincule), e (b) a contratação temporária, nas hipóteses previstas em
lei de cada ente federativo, para atendimento a necessidade temporária de
excepcional interesse público (cf. art. 115, incs. II, V e X, da Constituição
Paulista; art. 37, incs. I, II e IX, da CR/88).
Diante
disso, qualquer dispensa indevida da realização de concurso para fins de
ingresso no serviço público, ou mesmo a realização de provimentos a partir de
concursos internos, para que servidores ocupem cargos ou empregos situados em
carreira distinta, ou finalmente o
simples aproveitamento de servidores em cargos ou empregos integrantes de
carreira distinta são atos que significam, na prática, burla à regra do
concurso. Traduzem-se, do mesmo modo, em criação de óbice à acessibilidade de
todos os cidadãos aos cargos públicos previstos em lei, e, por conseguinte,
violação ao princípio da isonomia. Criam, finalmente, possibilidade de
favorecimento, com quebra do princípio da impessoalidade.
Ademais, a inclusão destes novos cargos na estrutura do quadro geral e carreira de magistério acarretou a aquisição de todos os direitos e deveres destes.
Com feito, a própria lei que dispõe sobre o quadro e carreira de magistério, a qual dispõe sobre “O PLANO DE CARREIRA, VENCIMENTOS E SALÁRIOS PARA OS INTEGRANTES DO QUADRO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DO MUNICÍPIO DE BARRETOS”, vinculou os direitos dos docentes aos cargos de Educador da Educação Infantil e Educador de Criança Infantil advindos da Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, como no tocante a jornada de trabalho, vencimentos etc, nos seguintes termos:
“(...)
Art. 7º A jornada semanal de trabalho
do titular docente é constituída de horas atividades com alunos, horas de
trabalho pedagógico na Unidade Escolar e Secretaria Municipal de Educação,
Esportes e Lazer – SMELL e de horas de trabalho pedagógico em local de livre
escolha, a saber:
(...)
Parágrafo único – A jornada de
trabalho do titular do cargo de:
I – Educador da Educação Infantil e
de Criança e Adolescente cumprirá jornada integral de trabalho docente;
Art. 12 – A remuneração do titular da
carreira corresponde ao vencimento relativo à classe e ao padrão a que se
encontra, acrescido das vantagens, incorporáveis ou não.
V – básico inicial do cargo de
Educador da Educação Infantil é o correspondente à Faixa Inicial, da escala de
vencimentos da classe de docentes, prevista no Anexo III.
(...)”
Não
se pode confundir o caso tratado nestes autos com situações em que, por lei
nova, é conferida nova denominação a cargos públicos, sem que haja mudança de atribuições. Em tais casos, o enquadramento
dos antigos titulares, admitidos por concurso público, é feito sem maiores
dificuldades ou questionamentos, pois que é admissível a “transposição” do
servidor para cargo idêntico, da
mesma natureza, em novo sistema de classificação (STF, RTJ 150/26).
Note-se
que, para que tal solução seja legítima, é imprescindível que o aproveitamento
de ocupantes de cargos extintos nos recém-criados se opere em vista de “completa identidade substancial entre os
cargos em exame, além de compatibilidade funcional e remuneratória e
equivalência dos requisitos exigidos em concurso” (ADIs 1.591, Rel. Min.
Octavio Gallotti, e 2.713, Rel. Min. Ellen Gracie).
Esta
situação não se confunde com a hipótese de “transformação”, em que se verifica
a alteração do título e das atribuições do cargo, e por isso configura novo
provimento, a depender da exigência de concurso público (ADI 266, Rel. Min.
Octavio Gallotti, julgamento em 18-6-93, DJ de 6-8-93).
Vale recordar que o conceito de carreira diz
respeito ao “agrupamento de classes da
mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para
acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram, mediante provimento
originário” (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito
Administrativo Brasileiro, 34ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 424).
No mesmo sentido: Edmir Netto de Araújo, Curso
de Direito Administrativo, São Paulo, 2005.
Natural
assim a evolução funcional, que deve ocorrer, dentro de uma mesma carreira, de
um cargo ou emprego situado em plano inferior, para outro localizado em patamar
superior.
Diversa,
entretanto, é a hipótese em exame, pois aqui o que se verifica, é a burla, de
forma indireta, do princípio do concurso público e de seus corolários lógicos.
Nosso
sistema constitucional consagrou o livre acesso aos cargos, empregos e funções
públicas, na forma prevista em lei, e a submissão prévia a concurso público,
ressalvadas, evidentemente, as nomeações para cargos
É por meio do concurso que se resguarda “a aplicação do princípio da igualdade de
todos (CF., art. 37, I) e, ao mesmo tempo, o interesse da Administração em
admitir somente os melhores” (Celso Ribeiro Bastos, op. cit., p. 66), afastando-se “os
ineptos e apaniguados, que costumam abarrotar as repartições públicas, num
espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que
se alçam e se mantêm no poder, leiloando empregos públicos” (Hely Lopes
Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34ª ed., São Paulo, RT, 2008, p.
440/441).
Acrescente-se,
ademais, que a existência de formas de provimento derivadas “de modo algum significa abertura para
costear se o sentido próprio do concurso público. Como este é sempre específico
para dado cargo, encartado em carreira certa, quem nele se investiu não pode
depois, sem novo concurso público, ser trasladado para cargo de natureza
diversa ou de outra carreira melhor retribuída ou de encargos mais nobres e
elevados. O nefando expediente a que se alude foi algumas vezes adotado, no
passado, sob a escusa de corrigir desvio de funções ou com arrimo na
nomenclatura esdrúxula de ‘transposição de cargos’. Corresponde a uma burla
manifesta do concurso público. É que permite a candidatos que ultrapassaram
apenas concursos singelos, destinados a cargos de modesta expressão – e que se
qualificaram tão somente para eles – venham a aceder, depois de aí investidos,
a cargos outros, para cujo ingresso se demandaria sucesso em concursos de
dificuldades muito maiores, disputados por concorrentes de qualificação bem
mais elevada” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Regime Constitucional dos Servidores da Administração Direta e Indireta,
São Paulo, RT, 1995, p. 55).
Não
se nega, observe-se, a possibilidade de aprimoramento na organização
administrativa de determinado ente federativo, e tampouco a reestruturação do
respectivo quadro de cargos, empregos e funções. Tal possibilidade é ínsita à
própria autonomia de cada ente federativo, e em especial dos Municípios (art.
29, 30, inc. I, da CR/88).
Também
não se refuta a possibilidade de enquadramento de servidores, já integrantes da
administração, nos casos de extinção ou transformação de cargos, empregos e
funções, desde que idênticas as
atribuições do novo cargo, e idênticos os requisitos ou condições exigidos dos
candidatos ao seu provimento. Contudo, como anota Hely Lopes Meirelles, “se a transformação implicar alteração do
título e das atribuições do cargo, configura novo provimento, que exige
concurso público” (Direito
Administrativo Brasileiro, cit.,
p. 427).
É
oportuno averbar que no STF a matéria é pacífica. Encontra-se sedimentada no
verbete nº 685 da súmula da jurisprudência dominante da Corte, com a seguinte
dicção:
“É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido” (SÚM. 685).
Há
diversos precedentes do STF que, sob vários aspectos e em situações diferentes,
confirmam que nosso sistema constitucional não transige com a regra do concurso
público. Assim, como quando a Corte veda a ascensão e a transferência, que são
formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público
ingressou por concurso (ADI 231, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 5-8-92,
DJ de 13-11-92; ADI 3.582, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 1º-8-07,
DJ de 17-8-07); ou proibe o mero enquadramento de prestadores de serviço (ADI
3.434-MC, voto do Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-8-06, DJ de 28-9-07);
ou mesmo veda o enquadramento de servidores que exerçam determinadas funções,
em cargos que integram carreira distinta, ainda que com período prévio de
reciclagem (ADI 388, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 20-9-07, DJ de
19-10-07; ADI 3.442, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 7-11-07, DJ de
7-12-07).
Relevante
notar, do mesmo modo, que a exigência de concurso público para a investidura em
cargo assegura, entre outras coisas, o respeito aos princípios da impessoalidade
e da isonomia. A estabilidade constitucional anômala e transitória prevista no
art. 19 do ADCT-CR/88, aplicável aos servidores não concursados que, quando da
promulgação da Carta Federal, contassem com, no mínimo, cinco anos
ininterruptos de serviço público, tem sido interpretada restritivamente. O STF
tem, reiteradamente, afirmado a inconstitucionalidade de normas estaduais que
ampliam a exceção à regra da exigência de concurso para o ingresso no serviço:
ADI 498, Rel. Min. Carlos Velloso (DJ de 9-8-1996); ADI 208, Rel. Min. Moreira
Alves (DJ de 19-12-2002); ADI 100, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em
9-9-04, DJ de 1º-10-04; ADI 88, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 11-5-00,
DJ de 8-9-00; ADI 289, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ
de 16-3-07; ADI 125, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-2-07, DJ de
27-4-07.
Nesse
sentido, também já se pronunciou o egrégio Tribunal de Justiça (em caso
bastante similar), nos termos abaixo:
“Ação direta de
inconstitucionalidade – Lei Complementar Municipal nº 77/10 (a qual “dispõe
sobre a transformação dos cargos de Assistente de Desenvolvimento Infantil e
Crecheira/Pajem para Professor do Desenvolvimento inicial, e promove a Inclusão
no Quadro do magistério Municipal como Profissionais de Educação e dá outras
providências” – fls. 26 do apenso) – Vício de inconstitucionalidade material
configurado, por afronta ao disposto nos artigos 111, 115, inciso I e II, e
144, todos da Carta Estadual – Precedentes deste Colendo órgão Especial – Ação
procedente.” (ADI nº 0296377-69.2011, Relator Guilherme G. Strenger, julgamento
em 23/05/2012).
“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE –
Artigo 75 da Lei n] 4.681/98 do Município de São Bernardo do Campo – Legislação
local que dispõe sobre o ensino público municipal – Órgão Fracionário deste
Tribunal que aponta inconstitucionalidade ao supramencionado dispositivo de lei
por afronta ao inciso II do artigo 37 da Constituição Federal e incisos I e II
do artigo 115 da Constituição do Estado de São Paulo – ocorrência – Legislação
local que transforma os cargos isolados de provimento efetivo de ‘Monitor’ e
‘Monitor de Creche’ em ‘cargo de carreira’ de ‘Professor de Educação Básica –
Infantil’ – Violação da obrigatoriedade da realização de concurso público de
provas e títulos para o provimento do cargo – Inteligência do disposto no
inciso II do artigo 37 e inciso V do disposto do artigo 206 ( com a redação
dada à época da edição da lei pela EC 19/98), ambos, da Constituição Federal – Disparidade
entre a titulação e atribuições exigidas para os cargos que impede a
transformação, sob pena de violação indireta das regras de provimento e
progressão – entendimento doutrinário no sentido – aplicação da súmula nº 685
do E. Supremo Tribunal Federal – Disposição de lei local que dá tratamento
privilegiado àqueles que já estavam no serviço público, em detrimento dos
demais cidadãos que poderiam concorrer ao cargo – Inconstitucionalidade do
artigo 75 da Lei nº 4.681 do Município de São Bernardo do Campo reconhecida –
Incidente de inconstitucionalidade procedente, com determinação” (Arguição de
Inconstitucionalidade nº 990.10.202758-9 – Rel. Des. José Reynaldo – j.
22.09.2010 – V.U).
3. CONCLUSÃO E
PEDIDO.
Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos apontados.
Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente Ação Declaratória, para que ao final seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade em face do art. 2º, da Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, e das expressões “Educador da Educação Infantil”, “Educador de Criança e Adolescente” e “Diretor de Escola de Educação Infantil”, previstos na alínea a e b, do inciso I, alínea d, do inciso II e inciso II, do §1º, todos do art. 5º, parágrafo único, inciso I, do art. 7º, incisos I, V, VI e VII, do §1º do art. 12, inciso III, do art. 18 e Anexos I e V, todos da Lei nº 3.629, de 28 de novembro de 2003, na redação dada pela Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, bem como na alínea a e b, do inciso I, alínea d, do inciso II, ambos do art. 5º, incisos I e II, do art. 6º, inciso I, do parágrafo único, do art. 24, inciso III, do §3º, do art. 36, alínea b, do inciso III, do art. 39 – A e Anexo I, todos da Lei Complementar nº 45, de 26 de fevereiro de 2004, de Barretos, pelos fundamentos a seguir expostos.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Barretos, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 25 de agosto
de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj/mi
Protocolado nº 168.958/13
Interessados: Mônica Aparecida Mello Ortigosa e
outros
1. Distribua-se a petição
inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 2º, da
Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008, e das expressões “Educador da Educação
Infantil”, “Educador de Criança e Adolescente” e “Diretor de Escola de Educação
Infantil”, previstos na alínea a e b, do inciso I, alínea d, do inciso II e
inciso II, do §1º, todos do art. 5º,
parágrafo único, inciso I, do art. 7º, incisos I, V, VI e VII, do §1º do
art. 12, inciso III, do art. 18 e Anexos I e V, todos da Lei nº 3.629, de 28 de
novembro de 2003, na redação dada pela Lei nº 4.048, de 07 de março de 2008,
bem como na alínea a e b, do inciso I, alínea d, do inciso II, ambos do art. 5º,
incisos I e II, do art. 6º, inciso I, do parágrafo único, do art. 24, inciso
III, do §3º, do art. 36, alínea b, do
inciso III, do art. 39 – A e Anexo I, todos da Lei Complementar nº 45, de 26 de
fevereiro de 2004, de Barretos, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo.
2.
Oficie-se aos interessados, informando-lhe a propositura da
ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 25 de agosto de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj/mi