EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 94.025/12

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. artigos 6º e 7º da Lei nº 2.103, de 30 de outubro de 1989, Lei nº 2.182, de 17 de outubro de 1990 e Lei nº 2.183, de 19 de outubro de 1990, todas do Município de Guaratinguetá. gratificação. violação aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade. 1 – A concessão de gratificação a servidores públicos, sem critérios objetivos, determinados ou que considera como critério objetivo atributo intrínseco ao exercício de qualquer função pública, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público. 2 - Fixação do quantum da gratificação, constante em norma revogada, cujo percentual era livre e subjetivamente escolhido, possibilitando escolha aleatória, subjetiva, pessoal e diferenciada dos percentuais de gratificação, agravada com ofensa à legalidade, à moralidade, à impessoalidade e ao interesse público. 3. Impossibilidade de invocação do princípio da irredutibilidade dos vencimentos dos servidores públicos ou do direito adquirido, os quais não socorrem a percepção de verbas contrárias aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e razoabilidade. 4 - Constituição Estadual: artigos111 e 128.

 

                  O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos artigos 6º e 7º da Lei nº 2.103, de 30 de outubro de 1989, da Lei nº 2.182, de 17 de outubro de 1990, e da Lei nº 2.183, de 19 de outubro de 1990, todas do Município de Guaratinguetá, pelos fundamentos a seguir expostos.

I. OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que dá ensejo à propositura desta ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado por força de representação encaminhada pelo Digno Promotor de Justiça de Guaratinguetá.

Após o exame das leis, e a vinda de informações solicitadas à Presidência da Câmara Municipal e ao Prefeito do Município de Guaratinguetá, foi possível constatar a inconstitucionalidade dos artigos 6º e 7º da Lei nº 2.103, de 30 de outubro de 1989, da Lei nº 2.182, de 17 de outubro de 1990, e da Lei nº 2.183, de 19 de outubro de 1990, todas do Município de Guaratinguetá:

Com efeito, os artigos 6º e 7º da Lei nº 2.103, de 30 de outubro de 1989, têm a seguinte redação:

“Art. 6° - Fica o Prefeito Municipal autorizado a atribuir gratificação aos servidores especificados neste artigo, na seguinte conformidade:

I – De até 50% (cinquenta por cento) do nível inicial da respectiva carreira:

a)     Aos Operadores de Máquinas, Operadores de Usina e Motoristas – quando zelarem e mantiverem em permanente estado de uso os equipamentos sob suas responsabilidades.

b)     Aos Auxiliares de Mecânico quando atuarem com presteza e desempenho eficiente na manutenção da frota de veículos e máquinas da Prefeitura, mantendo em pleno funcionamento no mínimo 70% da mesma.

II – De até 100% (cem por cento) do nível inicial da respectiva carreira, aos Fiscais de Obras e de Tributos.

Parágrafo Único – A gratificação será mediante avaliação e proporcional aos índices de desempenho obtidos pelos servidores de que trata este artigo.

Art. 7º - Aos servidores da União, dos Estados e de outros Municípios e das respectivas entidades da Administração Indireta, que vierem a colaborar com a Prefeitura Municipal, ficando afastados ou à disposição, parcial ou integralmente, poderá ser atribuída gratificação por ato do Prefeito Municipal.

Parágrafo Único – O valor da gratificação será fixado, no máximo, até uma vez o valor do que percebe o Secretário Municipal, em função do ‘curriculum’ do servidor e das atribuições que lhe são cometidas”.

Prescreve, por seu passo, a Lei nº 2.182, de 17 de outubro de 1990, que altera a redação do inciso I do artigo 6º da Lei nº 2.103/89, acima transcrito:

“Art. 1º - O ‘caput’ do inciso ‘I’, do artigo 6º, da Lei Municipal nº 2.103, de 30 de outubro de 1989 passa a ter a seguinte redação:

‘Art. 6º - ...

I – De até 250% (duzentos e cinquenta por cento) do nível inicial da respectiva carreira.

Art. 2º - Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

Por fim, dispõe a Lei nº 2.183, de 19 de outubro de 1990:

“Artigo 1º - Fica o Prefeito Municipal autorizado a estender a todos os servidores municipais, indistintamente das funções em que estão lotados, a possibilidade de atribuição da gratificação especificada nas alíneas ‘a’ e ‘b’, do inciso I, do artigo 6º, da Lei Municipal nº 2.103, de 30 de outubro de 1989, com a devida alteração contida na Lei Municipal nº 2.182, de 17 de outubro de 1990.

Artigo 2º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, retroagindo os seus efeitos a data de 1º de outubro de 1990, revogadas as disposições em contrário”.

II. O PARÂMETRO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Os dispositivos legais impugnados do Município de Guaratinguetá contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Ainda, referidos dispositivos municipais são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e que assim estabelecem:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

 

(...)

 

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

III. DA INCONSTITUCIONALIDADE

As vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

 Se tradicional ensinança assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

Ademais, oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo) que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, e compreende as seguintes espécies: “de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

                  

DA GRATIFICAÇÃO PREVISTA NOS ARTIGOS 6º E 7º DA LEI N. 2.103/89, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 2182/90, E NA LEI Nº 2.183/90.

 

O artigo 6º da Lei nº 2.103/89 prevê gratificação mensal, de até 250%, para operadores de máquinas, operadores de usina e motoristas que zelem e mantenham em permanente estado de uso os equipamentos sob suas responsabilidades. O dispositivo legal ainda prevê outras duas gratificações: uma de até 250%, para os auxiliares de mecânico e mecânicos, que atuem com presteza e desempenho eficiente na manutenção da frota de veículos e máquinas da Prefeitura; e outra de até 100% “do nível inicial da respectiva carreira”, para fiscais de obras e tributos.

As gratificações, segundo o parágrafo único do artigo 6º, serão concedidas mediante avaliação e serão proporcionais aos índices de desempenho obtidos pelos servidores.

O artigo 7º da Lei nº 2.103/90 institui gratificação aos servidores da União, dos Estados e de outros Municípios, bem como aos das respectivas entidades da Administração Indireta, que venham a colaborar com a Prefeitura Municipal, ficando afastados ou à disposição, “parcial ou integralmente”, cujo valor, fixado em função do “curriculum” do servidor e das atribuições que lhe vierem a ser cometidas, será, no máximo, o do subsídio do Secretário Municipal.

A Lei nº 2.183/90 autoriza o Prefeito Municipal a conceder gratificação, de até 250%, para todos os servidores municipais, podendo-se interpretar, na melhor das hipóteses, que a gratificação será concedida mediante avaliação e será também proporcional aos índices de desempenho alcançados pelo servidor (parágrafo único do artigo 6º da Lei nº 2.103/89).

Como se vê, os fundamentos da gratificação nada mais são do que atributos intrínsecos ao exercício do próprio cargo, não podendo, assim, ser considerados como critérios para concessão da vantagem ora impugnada.

Cumpre observar que o princípio constitucional da eficiência não recomenda, mas exige que o servidor público seja zeloso e apresente desempenho produtivo no exercício do cargo, de modo que os motivos ensejadores da gratificação prevista na legislação de Guaratinguetá não ultrapassam a fronteira do próprio dever funcional imposto aos servidores da Administração Direta ou Indireta do Município pela Constituição Federal.

Se não há uma razão peculiar, que vá além do simples exercício da própria função inerente ao cargo, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de adicional ou gratificação.

Isso equivale, na prática, à fixação de benefício sem indicação de fundamento, e contraria, frontalmente, o disposto no art. 128 da Constituição do Estado, segundo o qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, bem como os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

Por outro lado, não passam despercebidas a absoluta ausência de critério e a ilimitada discricionariedade conferida ao Chefe do Poder Executivo Municipal para estabelecer o valor da gratificação.

Com efeito, nos termos da legislação impugnada, a vantagem pode ser fixada em até 250% da remuneração do servidor beneficiado, o que ofende o princípio da razoabilidade e da impessoalidade, previstos no artigo 111 da Constituição Estadual.

Registre-se que, na hipótese do artigo 7º da Lei nº 2.103/89, o valor da gratificação pode chegar ao valor do subsídio do Secretário do Município de Guaratinguetá, em clara ofensa ao artigo 128 da Constituição Estadual.

 

IV. DA JURISPRUDÊNCIA

 

Em torno do tema, o Supremo Tribunal Federal prestigia a prevalência da reserva legal na remuneração dos servidores públicos e sua indelegabilidade:

“O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).

“Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções n.ºs 26, de 22/12/94; 15, de 23/10/97, e 16, de 30/10/97, todas do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, havendo a primeira criado a gratificação de representação, correspondente a 40% do valor global atribuído a diversos cargos, estendendo-a, inclusive, aos inativos que se aposentaram em cargos de igual denominação ou equivalente. 2. Alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo. 3. Medida cautelar deferida e suspensa, com eficácia ex nunc, a eficácia das Resoluções impugnadas. 4. Procedência da alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo, eis que há necessidade de lei em sentido formal para a criação de vantagens pecuniárias a servidores do Poder Judiciário. 5. A Lei Magna não assegura aos Tribunais fixar, sem lei, vencimentos ou vantagens a seus membros ou servidores. 6. Jurisprudência do STF no sentido de que ‘não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob o fundamento da isonomia’ (Súmula 339 e ADINs n.º 1776, 1777 e 1782). 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente”(STF, ADI 1.732-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17-04-2002, v.u., DJ 07-06-2002, p. 81).

                  

Perfilhando esta orientação, merece destaque recente julgamento deste egrégio Tribunal de Justiça cuja ementa é a seguinte:

 

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Ato normativo municipal que confere ao Chefe do Poder Executivo a possibilidade de, mediante portaria e a seu alvedrio, conceder gratificações de 20 e até 100% sobre os vencimentos dos servidores – Violação da cláusula da reserva legal, visto que somente por lei, em sentido formal, podem ser fixadas gratificações e vantagens – Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal – Preceito normativo que, ademais, vulnera a moralidade, o princípio da impessoalidade e da razoabilidade – Ofensa aos artigos 5º, 24, § 2º, nº 1, 111, 115, XI, todos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios ex vi o artigo 144 da mesma Carta – Inconstitucionalidade do § 1º do artigo 5º da Lei nº 3.122 do Município de Cruzeiro reconhecida – Inconstitucionalidade também do § 2º do mesmo preceito por arrastamento – Ação procedente” (TJSP, ADI 169.057-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, 28-01-2009, v.u.).

 

VI. CONCLUSÃO

 

Os esquemas normativos impugnados fornecem ao Chefe do Poder Executivo Municipal ampla e excessiva discricionariedade, permitindo-lhe aquinhoar, por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse público primário, servidores credores das gratificações com valores variáveis, pessoais e individualizados que não se amoldam às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que é permeável a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade.

Na compreensão do princípio da impessoalidade está, entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.

Importante frisar que o reconhecimento da inconstitucionalidade dos dispositivos que autorizam o pagamento da gratificação não importa em violação ao princípio da irredutibilidade dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no artigo 115, XVII, da CE, ou mesmo do direito adquirido, pois estes princípios pressupõem a legalidade, moralidade e razoabilidade do adicional, não podendo, portanto, ser invocados para amparar pagamentos flagrantemente contrários aos princípios constitucionais da Administração Pública.

Pelo exposto, fica evidente a transgressão aos princípios da legalidade, da moralidade, da impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, cunhados nos artigos 111 e 128 da Constituição Paulista.

 

VIII. PEDIDO.

 

Posto isso, requer o recebimento e processamento da presente ação que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade dos artigos 6º e 7º da Lei nº 2.103, de 30 de outubro de 1989, da Lei nº 2.182, de 17 de outubro de 1990, e da Lei nº 2.183, de 19 de outubro de 1990, todas do Município de Guaratinguetá.

Requer, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guaratinguetá, bem como a citação do douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 09 de setembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 94025/12

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos artigos 6º e 7º da Lei nº 2.103, de 30 de outubro de 1989, da Lei nº 2.182, de 17 de outubro de 1990, e da Lei nº 2.183, de 19 de outubro de 1990, todas do Município de Guaratinguetá, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 9 de setembro 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça