EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 99.811/2010

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 137 e 138 da Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira. Gratificações de “nível técnico” e de “nível secundário” a servidor público ocupante de cargo cuja lei criadora exija para seu preenchimento nível técnico ou nível secundário.

2)      A concessão de gratificação a servidores públicos, sem critérios objetivos determinados ou que considera como critério objetivo requisito para provimento do cargo, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público.

3)      Norma que confere indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheada aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos.

4)      Delegação ao Chefe do Poder Executivo para fixação do percentual. A concessão de gratificação a servidores públicos, por meio de Delegação ao Chefe do Poder Executivo, viola os princípios da legalidade e da separação dos poderes

5)      Constituição Estadual: arts. 5, 111, 128 e 144.

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 99.811/2010, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 137 e 138 da Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

A Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira, que “Disciplina o Regime Jurídico dos Funcionários Públicos do Município de Pedreira”, assim dispõe no que interessa:

 SUBSEÇÃO V

DA GRATIFICAÇÃO DE NÍVEL TÉCNICO

ARTIGO 137) – A critério do senhor Prefeito Municipal poderá ser concedida ao funcionário titular de cargos de provimento efetivo cuja lei criadora exija, para seu preenchimento, nível técnico, gratificação de até 30% (trinta por cento) sobre seu vencimento.

SUBSEÇÃO VI

DA GRATIFICAÇÃO DE NÍVEL SECUNDÁRIO

ARTIGO 138) - A critério do senhor Prefeito Municipal poderá ser concedida ao funcionário titular de cargos de provimento efetivo cuja lei criadora exija, para seu preenchimento, nível secundário, gratificação de até 20% (vinte por cento) sobre seu vencimento.”

Os atos normativos transcritos são inconstitucionais por violação dos arts. 5, 111, 128 e 144 da Constituição Estadual.

2.     DA FUNDAMENTAÇÃO

a.    VIOLAÇAO AOS ARTS. 111 E 128 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL

Os atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

As regras jurídicas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

(...)”

Sabe-se que as vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

Se tradicional ensinamento assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

           Oportuno admoestar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).   

As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

         É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

           Na espécie, os arts. 137 e 138 da Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira, possibilitaram a concessão de gratificação aos ocupantes de cargos públicos sem a indicação da excepcionalidade que a justifique.  

           De fato, a norma confere indiscriminado aumento indireto e dissimulado da remuneração, estando alheia aos parâmetros de razoabilidade, interesse público e necessidade do serviço que devem presidir a concessão de vantagens pecuniárias aos servidores públicos, conforme alude o artigo 128 da Constituição Bandeirante.

Podem ser beneficiados pelas gratificações de nível técnico e de nível secundário quaisquer servidores que ocupam cargos públicos de provimento efetivo cujo acesso reclame formação em nível técnico ou secundário.

Os atos normativos impugnados instituem gratificações não decorrentes do caráter técnico específico exigido para o exercício de determinadas atividades da administração, mas simplesmente por ser um dos requisitos para o provimento do cargo.

A gratificação criada não se funda em uma especial habilitação para o exercício de uma função específica na administração, mas de habilitação ordinária e inerente ao próprio cargo. Não se funda em uma maior especialização profissional, além daquela ordinária e inerente ao próprio cargo.

Assim, não se mostra razoável e nem mesmo moral, conceder vantagem pecuniária em função exclusiva do cumprimento de um dos requisitos de seu cargo, qual seja, a formação em nível técnico ou secundário.

Se, para determinados cargos, a escolaridade de nível técnico ou secundário é condição inerente ao seu provimento e exercício, não atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço o estabelecimento de vantagem pecuniária a todo servidor pelo simples fato de possuir qualificação que é da própria natureza do cargo que ocupa.

A formação em nível técnico ou secundário, sendo aspecto ordinário para a ocupação e exercício, não pode, por si só, fundamentar a instituição de vantagem pecuniária.

Da forma como concebidas pelos atos normativos impugnados, as gratificações criadas não se justificam por não trazerem nenhum benefício à atividade administrativa.

Para o emprego legítimo do dinheiro público, evitando concessão indiscriminada de gratificações, toda vantagem pecuniária deve estar relacionada à função exercida e não à condição de acessibilidade, inerente ao próprio cargo.

Cabe ressaltar que a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito do “bom administrador”. Quando se trata da gestão do patrimônio público, todas as condutas devem concorrer para a criação do bem comum, e, para tanto, devem observar não somente o que é lícito ou ilícito, o justo ou injusto, mas atender a critérios morais que hoje dão valor jurídico à vontade psicológica do administrador. A gestão do dinheiro público exige do administrador prudência muito maior do que aquela que empregamos na gestão dos nossos bens.

Hoje a moralidade administrativa foi erigida em fator de legalidade não só do ato administrativo, mas também da produção normativa.

Assim, não basta a conformação do emprego e disponibilidade do dinheiro público à lei, mas também à moral administrativa e ao interesse coletivo.

A instituição das gratificações de nível técnico ou secundário para servidores ocupantes de cargos para os quais determinada formação seja requisito de seu próprio provimento não se conforma com a moral administrativa e com o interesse público.

A necessidade de verificar se a vantagem pecuniária atende efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço, está motivada pela sobriedade e prudência que os Municípios devem ter em relação à gestão do dinheiro público. Não se desconsidera a importância e necessidade de bem remunerar os servidores públicos. No entanto, devem ser observados os princípios orientadores da Administração Pública, constitucionalmente previstos.

Bem observa Wellington Pacheco Barros, destacado Professor e Desembargador:

“Comungo com o pensamento político moderno de que uma das causas do inchaço da despesa pública é a remuneração com pessoal, que não raramente inviabiliza a tomada de decisões do agente político sobre investimentos de obras públicas de caráter benéfico à população. E uma das causas da despesa pública com pessoal é a atribuição indiscriminada pelo legislador de vantagens pecuniárias a servidor público sem que haja uma contraprestação de serviço e, o que é pior, com o rótulo de permanente e de efeito incorporador ao vencimento, elitizando a administração de existência de remunerações desproporcionais entre o maior e o menor vencimento de um cargo público” (O município e seus agentes, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 128).

Acrescenta o citado jurista, que gratificação é “a vantagem pecuniária, de conteúdo precário, concedida ao servidor público como forma de contraprestação pelo exercício a mais daquele que lhe é atribuído pelo seu cargo”.

No caso em tela não há qualquer contraprestação especial ou extraordinária para que haja incidência e justificativa para a gratificação.

A instituição de vantagens pecuniárias para servidores públicos só se mostra legítima se realizada em conformidade com o interesse público e com as exigências do serviço, nos termos do art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

As gratificações criadas pelos atos normativos impugnados não atendem a nenhum interesse público, e tampouco às exigências do serviço, servindo apenas como mecanismo destinado a beneficiar interesses exclusivamente privados daqueles agentes públicos.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da contrariedade ao art. 128 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios em razão do art. 144 da mesma Carta.

Ademais, o ato normativo contraria o princípio da razoabilidade, que deve nortear a Administração Pública e a atividade legislativa e tem assento no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste” de razoabilidade, vale dizer, que ela seja: (a) necessária (a partir da perspectiva dos anseios da Administração Pública); (b) adequada (considerando os fins públicos que com a norma se pretende alcançar); e (c) proporcional em sentido estrito (que as restrições, imposições ou ônus dela decorrentes não sejam excessivos ou incompatíveis com os resultados a alcançar).

As gratificações ora questionadas não passam por nenhum dos critérios do teste de razoabilidade: (a) não atendem a nenhuma necessidade da Administração Pública, vindo em benefício exclusivamente da conveniência dos agentes públicos beneficiados por essa vantagem pecuniária; (b) são, por consequência, inadequadas na perspectiva do interesse público; (c) são desproporcionais em sentido estrito, pois criam ônus financeiros que naturalmente se mostram excessivos e inadmissíveis, tendo em vista que não acarretarão benefício algum para a Administração Pública.

Manifesta-se claramente o desrespeito ao princípio da razoabilidade, pela desnecessidade de previsão normativa e por sua inadequação do ponto de vista do Poder Público, bem ainda pela falta de proporcionalidade em sentido estrito, ao criar encargos que não se justificam: não se pode efetuar o pagamento de verba em função de formação em nível técnico ou secundário que é condição inerente ao próprio cargo.

Além disso, houve transgressão aos princípios da moralidade e da impessoalidade, cunhados no art. 111 da Constituição Paulista.

O esquema normativo impugnado fornece ao Chefe do Poder Executivo ampla e excessiva discricionariedade, permitindo-lhe aquinhoar, por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse público primário, servidores credores das gratificações com valores variáveis, pessoais e individualizados que não se amoldam às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, na medida em que são permeáveis a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade.

Na compreensão do princípio da impessoalidade está, entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.

Desta forma, os atos normativos impugnados possibilitam ao Chefe do Poder Executivo atribuir valores (referentes às gratificações) sem qualquer critério objetivo ou por critérios sigilosos ou subjetivos, expondo a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais, desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário.

A propósito da matéria, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0063358-56.2011.8.26.0000 (julgado em 24/08/2011, este C. Órgão Especial proclamou inconstitucionalidade de dispositivo legal do Município de Pedreira que instituía gratificação de nível universitário para servidores ocupantes de cargos que exigem formação superior. Convém a transcrição do seguinte trecho do v. acórdão da lavra do Des. Campos Mello: 

 “(...)

Todavia, isso não é tudo. O exame do ato normativo questionado revela que a própria instituição da gratificação ali prevista acarreta ofensa aos princípios constitucionais acima mencionados. E que, nos termos dos fundamentos já externados no acórdão a fls. 120/128, da lavra do eminente Des. Guerrieri Rezende, "... essa gratificação não pode favorecer titular de cargo, cuja lei criadora já exija, para seu preenchimento, nível universitário" (cf. fls. 123). Vale lembrar ainda o que este Órgão Especial já deixou assentado, em caso que versava sobre gratificação análoga, verbis: "Esse adicional constitui uma vantagem anômala, instituída apenas para cortejar o servidor público, pois não atende ao interesse público e às exigências do serviço, como prevê o art. 128 da Carta Paulista, que, assim, restou afrontado. " (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 153.532-0/0, São Paulo, Rei. Sousa Lima, j . 01.04.2009).

(...)”

No mesmo sentido, merece destaque o recente acórdão:

“Funcionário público - Leis locais do Município de São João de Iracema, Comarca de General Salgado, deferindo gratificação de nível universitário a qualquer servidor que ostente esse grau - Inexistência de causa eficiente a justificar a concessão da benesse, já que as funções do servidor continuarão as mesmas, sem qualquer plus a justificar a regalia, sem que o cargo exercido reclame diploma universitário ou demande qualquer esforço suplementar inerente à graduação superior - Ação procedente, para reconhecer írritos os diplomas legais respectivos, de quinze e treze anos atrás. Com a necessária modulação para que o desfazimento não retroaja à data do presente julgamento, subsistindo os pagamentos anteriores uma vez recebidos de boa-fé.” (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2074272-43.2014.8.26.0000, São Paulo, Rel. Luiz Ambra, j . 20.8.2014).

           Posto isso, os arts. 137 e 138 da Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira, devem ser declarados inconstitucionais, uma vez que contrariam os artigos 111 e 128 da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

b.    VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

Os dispositivos impugnados dispõe que as gratificações serão concedidas a critério do Prefeito Municipal.

Os vencimentos dos servidores públicos devem ser fixados em lei específica, assim como as vantagens pecuniárias, até porque accessorium sequitur principale.

De qualquer modo, nessa compreensão, incluem-se as vantagens pecuniárias e seus respectivos valores porque a dimensão da reserva de lei - da tradição jurídico-constitucional brasileira (art. 15, n. 17, Constituição de 1824; art. 34, n. 24, art. 72, n. 32, Constituição de 1891; art. 65, IV, Constituição de 1946; arts. 43, V, e 57, II, Constituição de 1967; art. 37, X, Constituição de 1988) - abrange quaisquer espécies remuneratórias e, aliás, quaisquer estipêndios pagos pelo poder público sob qualquer rubrica, alcançando acréscimos e vantagens pecuniários, indenizações, auxílios, abonos que só podem ser concedidos por ato normativo da exclusiva alçada do Poder Legislativo, pois a ele compete a integralidade da disciplina da matéria.

Ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio: se à lei é reservada, com exclusividade, a função de fixação da remuneração do servidor público, inclusive de seu valor, pela mesma razão, pertence-lhe fixar adicional ou da gratificação e seu valor (ainda que fracionário ou percentual e até com diferenciações em razão do cargo situar-se em maior ou menor grau de hierarquia, de complexidade etc.), sob pena, inclusive, de inviabilidade do planejamento e da execução orçamentária (art. 169, Constituição Estadual).

Houve, portanto, ofensa aos princípios da separação dos poderes e da legalidade descritos no art. 5º da Constituição do Estado, pois os dispositivos impugnados autorizam, a critério do Chefe do Executivo, a fixação do percentual da gratificação, até o limite máximo de 50% (cinquenta por cento), no caso de gratificação de nível técnico, e de 30% (trinta por cento), para a gratificação de nível secundário.

Em torno do tema, o Supremo Tribunal Federal prestigia a prevalência da reserva legal na remuneração dos servidores públicos e sua indelegabilidade:

“O tema concernente à disciplina jurídica da remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva - constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional, por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional) condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo, no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).

“Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Resoluções n.ºs 26, de 22/12/94; 15, de 23/10/97, e 16, de 30/10/97, todas do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, havendo a primeira criado a gratificação de representação, correspondente a 40% do valor global atribuído a diversos cargos, estendendo-a, inclusive, aos inativos que se aposentaram em cargos de igual denominação ou equivalente. 2. Alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo. 3. Medida cautelar deferida e suspensa, com eficácia ex nunc, a eficácia das Resoluções impugnadas. 4. Procedência da alegação de ofensa a funções privativas dos Poderes Legislativo e Executivo, eis que há necessidade de lei em sentido formal para a criação de vantagens pecuniárias a servidores do Poder Judiciário. 5. A Lei Magna não assegura aos Tribunais fixar, sem lei, vencimentos ou vantagens a seus membros ou servidores. 6. Jurisprudência do STF no sentido de que ‘não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob o fundamento da isonomia’ (Súmula 339 e ADINs n.º 1776, 1777 e 1782). 7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente”(STF, ADI 1.732-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Néri da Silveira, 17-04-2002, v.u., DJ 07-06-2002, p. 81).

Perfilhando esta orientação, merece destaque julgamento deste egrégio Tribunal de Justiça cuja ementa é a seguinte:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Ato normativo municipal que confere ao Chefe do Poder Executivo a possibilidade de, mediante portaria e a seu alvedrio, conceder gratificações de 20 e até 100% sobre os vencimentos dos servidores – Violação da cláusula da reserva legal, visto que somente por lei, em sentido formal, podem ser fixadas gratificações e vantagens – Precedente do Colendo Supremo Tribunal Federal – Preceito normativo que, ademais, vulnera a moralidade, o princípio da impessoalidade e da razoabilidade – Ofensa aos artigos 5º, 24, § 2º, nº 1, 111, 115, XI, todos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios ex vi o artigo 144 da mesma Carta – Inconstitucionalidade do § 1º do artigo 5º da Lei nº 3.122 do Município de Cruzeiro reconhecida – Inconstitucionalidade também do § 2º do mesmo preceito por arrastamento – Ação procedente” (TJSP, ADI 169.057-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. A. C. Mathias Coltro, 28-01-2009, v.u.).

Destarte, impõe a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 137 e 138 da Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira.

3.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e o processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos arts. 137 e 138 da Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Pedreira, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

São Paulo, 15 de setembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

rbl/mam

 

 

 

Protocolado nº 99.811/2010

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos arts. 137 e 138 da Lei n. 1.745, de 27 de junho de 1994, do Município de Pedreira, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Arquive-se a representação no que se refere ao art. 136 da Lei n. 1.745/94, uma vez que foi revogado pela Lei n. 3.254, de 12 de junho de 2012, do Município de Pedreira, cuja cópia consta à fl. 95 do protocolado.

3.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                São Paulo, 15 de setembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

rbl/mam