EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR
PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado n. 126.475/13
Ementa: Constitucional. Ação direta de
inconstitucionalidade. Art. 2º, inciso IV, da Lei n. 625, de 27 de setembro de
2013, do Município de Queluz. Exigência de “Curso Superior” para a
elegibilidade do Membro do Conselho Tutelar. Ofensa ao princípio Democrático.
Invasão da competência da União para, concorrentemente com os Estados e
Distrito Federal, legislar sobre proteção à Infância e à Juventude.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 29, I, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), no art. 103, II, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e no art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º e 129, IV, da Constituição Federal, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do artigo 2º, inciso IV, da Lei nº 625, de 27 de setembro de 2013, do Município de Queluz, pelos fundamentos a seguir expostos:
1. O artigo 2º da Lei nº 625, de 27 de setembro de 2013, tem, com o nosso destaque, a seguinte redação:
“Art. 2º. Para a candidatura de
membro do Conselho Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos:
I – Reconhecida idoneidade moral;
II – Idade superior a 21 anos;
III – Residir no Município;
IV – Curso Superior;
V – Certidão negativa de antecedentes
criminais
2. Cumpre
observar, no entanto, que a Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto
da Criança e do Adolescente), ao tratar do Conselho Tutelar, dispõe:
“Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho Tutelar, serão
exigidos os seguintes requisitos:
I – reconhecida idoneidade moral;
II – idade superior a vinte e um anos;
III – residir no município”
3. A
lei ora impugnada, como se vê, criou requisito não previsto no Estatuto da
Criança e do Adolescente, norma federal editada de acordo com a competência
concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre proteção à
infância e à juventude (art. 24, inciso XV, da Constituição Federal).
4. A autonomia municipal, como é
cediço, é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito
estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao
disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo
reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.
5. Eventual
ressalva à aplicabilidade das Constituições Federal e Estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo
que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município,
não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva, nem em assunto sujeito
aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm
remissão expressa ao direito estadual.
6. Posta
essa premissa, o artigo 2º, inciso IV, da Lei nº 625, de 27 de setembro de 2013,
é incompatível com os seguintes dispositivos da Constituição Federal, de
observância obrigatória nos municípios:
“Art. 1º A República Federativa do
Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
Parágrafo Único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
“Art. 24. Compete à União, aos
Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
XV – proteção à infância e à
juventude”
I - DA VIOLAÇÃO AO
PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO.
7. Os princípios
fundamentais da Constituição Federal, segundo José Afonso da Silva, podem ser
assim discriminados: (a) princípios relativos à existência, forma e tipo de
Estado; (b) princípio relativo à forma de governo; (c) princípio relativo à organização
dos Poderes; (d) princípios relativos à organização da sociedade; (e)
princípios relativos à vida política; (f)
princípios relativos ao regime democrático – princípio da soberania popular,
princípio da representação política e princípio da participação popular direta
(art. 1º, parágrafo único); (g) princípios relativos à prestação positiva
do Estado; e (h) princípios relativos à comunidade internacional (in Comentário Contextual à Constituição,
Malheiros, 7ª edição, pagina 31).
8.
Discorrendo sobre o princípio democrático, afirma o mestre que “Democracia é
conceito histórico. Não sendo, por si, um valor-fim, mas meio e instrumento de
realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem
basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a
historicidades destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhes o conteúdo a
cada etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela
revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse
aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas
é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que
o povo vai conquistando no correr da história”.
9. E
remata o renomado constitucionalista: “O povo é a fonte primária do poder, que
caracteriza o princípio da soberania popular, fundamento do regime democrático
(...) É no regime de democracia representativa que se desenvolvem a cidadania e
as questões da representatividade, que tende a fortalecer-se no regime de
democracia participativa. A Constituição combina representação e participação
direta, tendendo, pois, para a democracia participativa. É o que desde o parágrafo único do art. 1º já está configurado, quando
ai se diz que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos, [democracia representativa] ou diretamente’ [democracia
participativa]. Consagram-se nesse dispositivo os princípios fundamentais da
ordem democrática adotada” (Op. cit., pag. 43)
10. No
caso em exame, ao estabelecer requisito não previsto no Estatuto da Criança e
do Adolescente para a elegibilidade do membro, restringindo, consequentemente,
o processo democrático de escolha do Conselheiro Tutelar, o legislador
municipal feriu o princípio democrático, ou princípio da soberania popular,
porque impôs limitações não previstas na lei federal para a eleição, livre e
democrática, dos Conselheiros Tutelares.
11. Em
vista disso, requer-se seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º,
inciso IV, da Lei Municipal referida, por violação do princípio democrático.
II - INVASÃO DA
COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA, CONCORRENTEMENTE COM OS ESTADOS E O DISTRITO
FEDERAL, LEGISLAR SOBRE A PROTEÇÃO À INFÂNCIA E À JUVENTUDE.
12. Não bastasse a
ofensa ao princípio da soberania popular, o legislador municipal ainda invadiu
a competência normativa da União para, concorrentemente com os Estados e
Distrito Federal, legislar sobre a proteção à infância e à juventude (art. 24,
XV, da Constituição Federal).
13. Portanto,
o artigo 2º, inciso IV, da Lei Municipal de Queluz é incompatível com a
autonomia municipal expressa no art. 144 da Constituição Estadual que reproduz
o art. 29 da Constituição Federal.
14. Legislar
sobre a capacidade eleitoral passiva dos membros do Conselho Tutelar, estabelecendo
requisitos para a elegibilidade, é assunto que não pertence à esfera normativa
dos Municípios, por não se conter na predominância do interesse local nem se
adstringir à suplementação da legislação federal ou estadual na medida do
interesse local.
15. É
da essência da organização política brasileira o princípio federativo que
ilumina a repartição de competências normativas e administrativas entre as
unidades federadas.
16. Bem por isso, é cabível o contraste
de lei local com a Constituição Federal a partir da norma remissiva contida no
art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29 caput da Constituição Federal – e que determina a observância na
esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da
Constituição Federal, sendo denominada “norma estadual de caráter remissivo, na
medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete
para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo
Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de
lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes,
31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello,
18-10-2010, DJe 26-10-2010).
17. Destarte,
é possível o contraste dos preceitos normativos locais com o art. 144 da
Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e, em especial,
ao art. 24, XV.
III – Pedido liminar
18. À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da lei municipal apontada como
violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando suas nocivas
consequências sobre a composição, organização e funcionamento de órgão de
capital importância para a proteção da infância e da juventude.
19. À
luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, do artigo 2º, inciso IV, da Lei n. 625, de 27 de setembro
de 2013, do Município de Queluz.
IV – Pedido
20. Posto
isso, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao
final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 2º, inciso IV, da
Lei n. 625, de 27 de setembro de 2013, do Município de Queluz.
21. Requer ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Queluz, bem como
posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente,
para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 20 de outubro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao
Protocolado n. 126.475/13
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do artigo 2º, inciso IV, da Lei n. 625, de 27 de setembro de 2013, do Município de Queluz, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 20 de outubro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao