EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº
173.924/13
Assunto: Inconstitucionalidade da Resolução
n. 686, de 07 de novembro de 2013, do Município de Jacareí.
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade da Resolução nº 686,
de 07 de novembro de 2013, do Município de Jacareí, que “regulamenta o subsídio
dos membros do Poder Legislativo, em atendimento ao artigo 29, VI, alínea ‘d’,
da Constituição Federal”. Ofensa à “regra da legislatura” (art. 29, VI, CF).
Precedentes do TJ reconhecendo, em hipóteses análogas, igual ofensa ao art. 144
da Constituição Paulista.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Resolução n. 686, de 07 de novembro de 2013, do Município de Jacareí, que “regulamenta o subsídio dos membros do Poder Legislativo, em atendimento ao artigo 29, VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal”, pelos fundamentos a seguir expostos:
I. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
Por meio da Resolução n. 686, de 07 de novembro de 2013, do Município de Jacareí, que “regulamenta o subsídio dos membros do Poder Legislativo, em atendimento ao artigo 29, VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal”, a Municipalidade fixou em R$ 9.300,00 (nove mil e trezentos reais), os subsídios dos Vereadores da Legislatura de 2013-2016, a contar de 07 de novembro de 2013 (fls. 58/59).
Referida Resolução contraria, frontalmente, o disposto nos artigos 111 e 144 da Constituição do Estado de São Paulo, como será demonstrado a seguir.
II. FUNDAMENTOS JURÍDICOS
Como se sabe, os subsídios dos Vereadores são fixados pela Câmara Municipal em cada legislatura para a subsequente, nos termos do art. 29, VI, da CR/88 (red. EC nº 25/2000), que estipula a denominada “regra da legislatura”, que contém, em essência, duas diretrizes: (a) primeiro, a determinação de que o valor dos subsídios pagos aos parlamentares seja fixado pela legislatura anterior para a subsequente; e (b) segundo, a vedação de aumentos no curso da própria legislatura, ou seja, em benefício dos próprios mandatários populares.
Isso é o que decorre do inciso VI do art. 29 da CR (red. EC 25/00), ao prever que “o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subseqüente (...)”.
Nesse sentido, vários precedentes elucidando a “regra da
legislatura” são apontados por Alexandre de Moraes,
“(...)
TJSP - A lei, ao estipular que a fixação dos subsídios dos
Vereadores seja feita em cada legislatura para a subseqüente, prevê
necessariamente, que o valor seja fixado antes das eleições, enquanto os
Vereadores não saibam se serão ou não reeleitos. Se a fixação fosse feita após
as eleições, eles estariam fixando, com certeza, os próprios vencimentos,
contrariando o espírito das leis. Assim, com infringência ao princípio da
moralidade e agindo com desvio de finalidade, é que foi aprovada a resolução
STF – Constitucional. Ação popular, Vereadores. Remuneração.
Fixação. Legislatura subseqüente. CF, 5º LXXIII; art.29, V. Patrimônio material
do poder público, Moralidade Administrativa: lesão. I. A remuneração do
Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores será fixada pela Câmara Municipal
em cada legislatura para a subseqüente, CF, art.29, V. Fixando os Vereadores a
sua própria remuneração, vale dizer, fixando esta remuneração para viger na
própria legislatura, pratica ato inconstitucional lesivo não só ao patrimônio
material do Poder Público, como à moralidade administrativa, que constitui
patrimônio moral da sociedade. Art.5º,
LXXIII” (STF, 2ª T., RE 206.889/MG – rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 165/373).
(…)”
É verdade, eminentes Desembargadores, que a Resolução ora impugnada é originada de projeto de lei oriundo da legislatura antecedente (Projeto de Lei nº 99/2011), o qual foi “anulado”, por sentença judicial, prolatada em ação civil pública proposta pelo Ministério Público, onde o eminente Magistrado de 1º grau reconheceu a existência de vício formal no processo legislativo (fls. 97/98 do protocolado).
Não passa despercebido, também, o fato de que o eminente relator, que apreciou o recurso interposto pela Câmara Municipal de Jacareí contra a respeitável sentença de primeiro grau, consignou no venerando acórdão que a Câmara estaria autorizada a aprovar o projeto no ano de 2013, ou seja na mesma legislatura, desde que o valor do subsídio, anteriormente previsto, não fosse modificado.
Contudo, com a devida vênia do eminente Desembargador, duas ponderações devem aqui ser realizadas.
A primeira delas é que o pedido principal da ação civil pública proposta pelo Ínclito Representante do Ministério Público, data vênia do entendimento do douto Representante Ministerial, jamais poderia ser o da anulação da lei. Com efeito, a competência para retirar do ordenamento jurídico a eficácia de lei municipal ou estadual, por incompatibilidade com a Constituição Estadual, é privativa desse Egrégio Tribunal de Justiça (art. 74, XI da Constituição Estadual), por meio da declaração de inconstitucionalidade em ação proposta por pessoas e entidades expressamente arroladas na Constituição Estadual (art. 90 da Constituição Estadual).
A segunda e mais importante delas é que, sempre com o respeito que lhe é merecido, não poderia o Poder Judiciário, em julgamento de recurso interposto contra sentença prolatada em ação civil pública, facultar a não observância de um comando constitucional.
Por outras palavras, não poderia a Colenda Câmara que apreciou o recurso permitir a desobediência à regra da anterioridade de legislatura para fixação dos subsídios dos vereadores (fls. 99/116).
Com efeito, a sistemática remuneratória dos Vereadores tem regramento absolutamente próprio na Constituição Federal, pois, além da “regra da legislatura” há previsão de: (a) limites que associam a população do Município à fração do que percebem os Deputados Estaduais para definição dos subsídios dos Vereadores (art. 29, VI, da CR, red. EC 25/00); (b) limites em percentual da receita do Município (5%, nos termos do art. 29, VII, da CR, red. EC 01/92); (c) limites percentuais associados ao somatório da receita tributária e transferências constitucionais inerentes ao Município considerado (art. 29-A da CR, red. EC 25/00).
Todos estes argumentos são trazidos para reforçar a tese de que, não obstante o contido no venerando acórdão mencionado, a Câmara de Vereadores não estava autorizada a ferir o princípio contido no artigo 29, VI, da Constituição Federal.
Por tais motivos, a Resolução n. 686, de 07 de novembro de 2013, de Jacareí, ofende frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo por manifesta incompatibilidade vertical com seus arts. 111 e 144, verbis:
Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão
por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal
e nesta Constituição.
De fato, o E.
Tribunal de Justiça tem firme orientação de que a ofensa à “regra da
legislatura” e aos princípios constitucionais de observância obrigatória no
âmbito dos Municípios consiste em frontal violação dos parâmetros
constitucionais ora invocados, como demonstram recentes julgados da Corte.
Confiram-se:
Ação direta
de inconstitucionalidade - Lei 4.822/2003, do Município de Ourinhos, que dispõe
sobre a fixação dos subsídios dos Vereadores, referentemente à Legislatura que se
inicia em 1º de janeiro de 2005 – Inconstitucionalidade formal e material - A
primeira, centrada no fato de que fixação dos subsídios dos Vereadores é ato de
competência exclusiva da Câmara Municipal, exercitável por resolução, e não por
lei, ofendendo princípio da Constituição Federal atinente ao processo
legislativo, que cogente para Estados e Municípios, mercê do art. 144 da
Constituição do Estado de São Paulo, e a própria autonomia do Poder Legislativo
local, ao influxo do disposto no art. 5º e § 1ºdesta última - Inconstitucionalidade
material, pois ao dispor a lei, no art. 1º, que o valor do subsídio dos
Vereadores corresponderá a 40% dos subsídios dos Deputados da Assembléia Legislativa
do Estado, está permitindo que o mesmo seja reajustado na mesma legislatura,
pois assim é autorizado para os Deputados Estaduais, violando o art. 29, VI, da
Constituição Federal, que se configura como princípio desta que se impõe à
organização municipal, como decorre do art. 144 da Constituição do Estado de
São Paulo que, portanto, se vê diretamente contrariado — Ação julgada
procedente (ADIN nº 125.269.0/9-00, rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, j.
26.04.2006).
AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE OBJETIVANDO A DESCONSTITUIÇÃO DO ARTIGO 68 DA LEI
ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE RANCHARIA, COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA À LEI
ORGÂNICA Nº 1/2005, PASSANDO A DETERMINAR QUE OS SUBSÍDIOS DOS VEREADORES SEJAM
FIXADOS POR MEIO DE RESOLUÇÃO DA MESA DA CÂMARA, NUMA LEGISLATURA, PARA VIGER
NA SUBSEQUENTE, BEM COMO SEJAM REVISTOS ANUALMENTE, TAMBÉM POR RESOLUÇÃO.
INCISO VI DO
ARTIGO 29 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL
25/2000 - APLICAÇÃO AOS MUNICÍPIOS, POR FORÇA DO ARTIGO 144 DA CONSTITUIÇÃODO
ESTADO
- Matéria de
competência privativa da Câmara Municipal. Não poderia, pois, lei fixar os
subsídios dos Vereadores, sob pena de violação da autonomia do Poder
Legislativo local (C. Est., art. 5º e § 1º) e, por conseguinte, da
independência e harmonia dos Poderes, vedada a delegação Principio da
Constituição Federal atinente ao processo legislativo, que é cogente para
Estados e Municípios (art. 144 da C. Est.) Precedentes desta Egrégia Corte de
Justiça.
- O inciso X
do artigo 37 da Constituição Federal estabelece que a remuneração dos
servidores públicos e o subsídio, de que trata o § 4 ° do artigo 39 da Carta
Magna, somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica. O texto
constitucional refere-se lato senso ao termo "lei" Por se tratar,
aqui, de ato interna corporis,
realizado para normatizar matéria de competência especifica da Câmara
Municipal, a espécie legislativa apropriada é a Resolução. Entendimento do
Egrégio Tribunal de Contas do Estado
- Sem embargo
disso, a "regra da legislatura'", reintroduzida pela mencionada
Emenda Constitucional, consiste em que o subsídio dos Vereadores será fixado
pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura, para a subsequente.
- A previsão
de reajuste anual dos subsídios contraria aludida regra, que é especial e não
prevê qualquer majoração, nominal ou real, durante a legislatura.
INCONSTITUCIONALIDADE
PARCIAL, POR VIOLAÇÃO DIRETA DO PRINCÍPIO CONHECIDO COMO "REGRA DA
LEGISLATURA" (CF, ART 29, VI, E CE, ART 144), ACOLHENDO-SE A AÇÃO PARA
DESCONSTITUIR O § 2% E, POR DECORRÊNCIA, A EXPRESSÃO, INTEGRANTE DO § 3:
"E NA REVISÃO ANUAL PREVISTA NO PARÁGRAFO ANTERIOR", AMBOS DO ARTIGO 68 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE
RANCHARIA.
Ação
parcialmente procedente (ADIN nº 130.409-0/0-00, rel. Des. Mohamed Amaro, j. 16
Mai. 2007).
III – Pedido liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da Resolução do Município de
Jacareí apontada como violadora de princípios da Constituição Federal e da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se dispêndio indevido de recursos públicos e a consequente
oneração financeira do erário.
À luz deste perfil, requer a concessão de
liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta
ação, da Resolução nº 686, de 07 de novembro de 2013.
III. CONCLUSÃO E PEDIDO
Posto
isso, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que, ao
final, seja julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade da Resolução n. 686, de 07 de novembro de 2013,
do Município de Jacareí.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para sua manifestação, protestando por nova vista, em seguida, para fins de manifestação final.
São Paulo, 28 de outubro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao
Protocolado nº 173.924/2013
Interessados: Benjamin Valmir Cândido Pereira, Edgard
Takashi Sasaki e Maurício Aparecido
Haka
Assunto: Inconstitucionalidade da Resolução n. 686,
de 07 de novembro de 2013, do Município de Jacareí
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Resolução n. 686, de 07 de novembro de 2013, do Município de Jacareí, que “regulamenta o subsídio dos membros do Poder Legislativo, em atendimento ao artigo 29, VI, alínea ‘d’, da Constituição Federal”, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Expeçam-se ofícios aos interessados, informando-lhes a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 28 de outubro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao