Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

Protocolado n. 2446/13

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, e da Lei 2.889, de 07 de novembro de 2012, ambas do município de Guararema, e, por arrastamento, das Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009, todas de Guararema

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Programa Emergencial Auxílio ao Desempregado. Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, modificada pela Lei nº 2.889, de 07 de novembro de 2012, do Município de Guararema. Diploma legal que não se ajusta ao art. 115, II e X, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade por excepcionar a regra do concurso público e por instituir admissão temporária de pessoal que não atende relevante necessidade administrativa de excepcional interesse público.

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734/93 e no art. 29, I, da Lei n. 8.625/93, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, e da Lei nº 2889, de 07 de novembro de 2012, ambas do Município de Guararema, e por arrastamento das Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009, todas de Guararema, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I - DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

 

1.                A Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, do Município de Guararema, que “institui o Programa Emergencial Auxílio ao Desempregado e dá outras providências”, tem a seguinte redação:

 

Art. 1º. O Município de Guararema institui o Programa Emergencial Auxílio ao Desempregado, na forma do disposto nesta Lei.

§ 1º O Programa se desenvolve através de Frente de Trabalho, que se destinarão, exclusivamente, à realização de serviços de limpeza e manutenção das vias e logradouros públicos, praças, escolas, prédios e monumentos públicos.

§ 2º O Programa visa proporcionar aos seus beneficiários ocupação, meios de subsistência, requalificação profissional e recolocação no mercado de trabalho.

Art. 2º O Programa Emergencial Auxílio ao Desempregado atenderá até 350 (trezentos e cinquenta) cidadãos, pelo prazo de 6 (seis) meses, podendo ser prorrogado por igual período [redação dada pela Lei nº 2.889, de 07 de novembro de 2012, de Guararema].

§ 1º A jornada de trabalho aos beneficiários do programa é de 8 (oito) horas diárias e 40 (quarenta) horas semanais, sem que haja vínculo trabalhista de subordinação.

§ 2º Os beneficiários do Programa receberão:

I – mensalmente, bolsa-auxílio no valor de R$ 660,00 (seiscentos e sessenta reais);

II – uniforme;

III – refeição diária, que poderá compreender café da manhã e almoço;

IV – vale-transporte;

V – seguro contra acidentes de trabalho.

Art. 3º Os requisitos necessários para os cidadãos se candidatarem às Frentes de Trabalho são:

I – residir no Município de Guararema, no mínimo, há 2 (dois) anos;

II – estar desempregado há mais de 1 (um) ano;

III – não ter nenhuma fonte de renda e subsistência;

IV – não estar recebendo seguro-desemprego

V – ter condições físicas e mentais para a execução das tarefas objetos deste Programa.

Parágrafo Único. Os interessados deverão apresentar os seguintes documentos:

I – carteira de identidade;

II – título de eleitor;

III – certidão de nascimento ou certidão de casamento;

IV – certidão de nascimentos dos filhos menores ou deficientes físicos ou mentais, que estejam sob sua dependência financeira;

V – carteira de trabalho;

VI – comprovante de domicílio no Município de Guararema pelo período mínimo de 02 (dois) anos.

Art. 4º. Havendo um número de inscritos superior ao número de vagas a serem preenchidas, deverão ser utilizados os seguintes critérios de desempate:

I – maior tempo desempregado;

II – maior número de filhos menores de idade ou portadores de necessidades especiais, que estejam na dependência financeira do interessado;

III – não possuir imóvel próprio;

IV – residir no Município de Guararema há mais tempo.

Art. 5º Fica o Poder Executivo autorizado a regulamentar por Decreto o Termo de Compromisso a ser celebrado com os beneficiários do Programa

Art. 6º As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 8º Ficam revogadas as Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009, por estarem consolidadas na presente Lei”

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

2.                Os dispositivos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

 

3.                Com efeito, os atos normativos contestados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, os quais assim estabelecem:

“Art. 115 – Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)    

II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)    

X – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

4.                Regra constitucional é a admissão de pessoal nos órgãos e entidades da Administração Pública mediante prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como estampa o art. 115, II, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, II, da Constituição Federal.

 

5.                Ressalvada a investidura em cargos de provimento em comissão, a admissão de pessoal é sempre orientada por essa regra.

 

6.               De outra parte, a Constituição Estadual no art. 115, X, reproduz o quanto disposto no art. 37, IX, da Constituição da República, possibilitando limitada, residual e excepcionalmente a admissão de pessoal por tempo determinado em razão de necessidade administrativa transitória de excepcional interesse público.

 

7.                Destarte, não é qualquer interesse público que autoriza a contratação temporária – que constitui outra exceção à regra do concurso público –, mas, tão somente, aquela que veicula uma necessidade do aparelho administrativo na prestação de seus serviços, devendo, ademais, concorrer a excepcionalidade desse interesse público, a temporariedade da contratação e a submissão à previsão legal.

 

8.                Embora tenha motivos nobres, por ser voltada ao amparo do trabalhador desempregado, a lei impugnada é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com o seu art. 115, II e X.

 

9.                A admissão de pessoal a termo, portanto, deve objetivar situações anormais, urgentes, incomuns e extraordinárias que molestem as necessidades administrativas, não servindo ao combate ao desemprego. E, ademais, não se admite dissimulação na investidura em cargo ou emprego públicos à margem do concurso público e para além das ressalvas constitucionais.

 

10.    Neste sentido:

 

“A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: CF, art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. CF, art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos cargos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional. Lei 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo, que autoriza o Poder Executivo a contratar, temporariamente, defensores públicos: inconstitucionalidade” (STF, ADI 2.229, Rel. Min. Carlos Velloso, 09-06-2004, DJ 25-06-2004).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Artigo 2º, inciso V, da Lei n° 1.423, de 08 de outubro de 2002, que dispõe sobre a contratação temporária de excepcional interesse público e considera como tal a contratação de pessoal para ministrar cursos profissionalizantes, de natureza não permanente - Dispositivo que institui hipótese de contratação de servidor que não se enquadra em situação emergencial e de excepcional interesse público, de modo a dispensar a regra geral que é a da contratação mediante concurso público Inadmissibilidade - Violação dos artigos 111,115, Il e X e 144 da Constituição do Estado de São Paulo – Ação procedente” (TJSP, ADI 161.768-0/0-00, Rel. Des. Debatin Cardoso, 22-10-2008).

 

11.              Sendo inconstitucional a Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, as leis que também instituíram o mesmo programa (Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009) – e que foram expressamente revogadas pelo artigo 8º do ato normativo expressamente impugnado nesta ação - também estão eivadas do mesmo vício, devendo, por isso, também ser declaradas inconstitucionais, por arrastamento.

 

III – Pedido liminar

 

12.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do Município de Guararema apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se dispêndio indevido de recursos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

 

13.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, da Lei 2.889, de 07 de novembro de 2012, e, por arrastamento, das Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009, todas do município de Guararema.

 

IV – Pedido

 

14.              Posto isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, e da Lei 2.889, de 07 de novembro de 2012, ambas do município de Guararema, e, por arrastamento, das Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009, todas de Guararema.

 

15.              Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Guararema, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 16 de outubro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

mao

Protocolado n. 2446/13

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, e da Lei 2.889, de 07 de novembro de 2012, ambas do município de Guararema, e, por arrastamento, das Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009, todas de Guararema.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 2.705, de 09 de abril de 2010, e da Lei 2.889, de 07 de novembro de 2012, ambas do município de Guararema, e, por arrastamento, das Leis nº 1980/2000, nº 1997/2000, nº 2070/2001, nº 2183/2002, nº 2242/2003, nº 2338/2005, nº 2348/2006, nº 2407/2007, nº 2553/2009 e nº 2565/2009, todas de Guararema, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 16 de outubro de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

mao