Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 154.313/13

Assunto: Inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, do Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, e da Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013, todos do Município de Cotia

 

 

 

 

Ementa: Artigo 6º da Lei Complementar nº167, de 27 de dezembro de 2012. Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013. Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013. Município de Cotia. Imposição de obrigações e penalidades a oficiais de registro de imóveis decorrentes de realização de atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos.   Competência da União para legislar sobre direito civil e registros públicos (art. 22, I e XXV, CF). Incompatibilidade, ainda, com os arts. 5º caput; 69, II, “b”; 77 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Competência privativa do Poder Judiciário para legislar sobre organização dos serviços notariais e de registro.

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, do Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, e da Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013, todos do Município de Cotia, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – DOS Atos Normativos Impugnados

 

                   O Artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, que “altera dispositivos da legislação tributária”, tem a seguinte redação:

Art. 6º - Os tabeliães estão obrigados a comunicar todos os atos translativos de domínio imobiliário, instruindo a comunicação com cópia dos documentos comprobatórios da transação, no prazo e na forma definidos em regulamento.

Parágrafo único – A infração ao disposto no caput deste artigo sujeita o infrator à multa de 30% (trinta por cento) do Imposto sobre Transmissão Intervivos a Qualquer Título que recaia sobre a transação, observado o mínimo de R$ 1.000,00 (um mil reais) por ato omitido.”

                   O Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, que “regulamenta o disposto no art. 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2013”, por sua vez, assim dispõe:

“(...)

Art. 1º. Os tabeliães das serventias extrajudiciais responsáveis pelo exercício da atividade notorial relativamente à transmissão de bens imóveis deverão enviar, por meio eletrônico, os registros das transações de imóveis realizados durante o mês para o Web Service disponibilizado para esse fim pela Secretaria Municipal de Administração e Receita, que atualizará em seu cadastro a cadeia sucessória de proprietários de imóvel.

§ 1º A serventia extrajudicial receberá da Secretaria Municipal de Administração e Receita uma chave única de acesso que será inserida no seu sistema cliente e será enviado toda vez que o serviço for acessado para autenticação dos dados.

§ 2º O envio das informações deverá ser efetuado até o último dia útil do mês subsequente ao da lavratura da escritura.

§ 3º Cópia digitalizada da escritura deverá ser anexada ao arquivo contendo as informações de que trata este artigo.

Art. 2º. A Secretaria Municipal de Administração e Receita poderá baixar normas complementares necessárias ao fiel cumprimento deste Decreto.

Art. 3º Este decreto entra em vigor na data de sua publicação, surtindo efeitos a partir de 1º de agosto de 2013.

(...)”

                   Por fim, a Resolução/SAR nº 01, de 1º de julho de 2013, que “disciplina o envio de informações decorrentes de escrituras lavradas por tabelião e atos praticados junto ao Cartório de Imóveis desta Comarca, referentes à transmissão de bens imóveis”, prescreve:

“(...)

Art. 1º. O envio dos registros das transações de imóveis de que trata o art. 1º do Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, observará as seguintes regras:

O endereço de acesso para o envio dos arquivos é: prefeituradecotia.sp.gov.br.

Os arquivos deverão estar no formato Portable Document Format (PDF);

Os arquivos deverão ter a resolução de 100 dpi (dots per inch);

Para cada matrícula deverá corresponder um arquivo.

Parágrafo Único. O Departamento de Tecnologia da Informação da Secretaria Municipal de Administração e Receita dará todo o suporte necessário, podendo, se necessário, realizar visitas técnicas e dar treinamento junto às serventias extrajudiciais.

Art. 2º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

(...)”

 

II – DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade.

 

                   O artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, o Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, e a Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013, todos do Município de Cotia, contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

 

Referidos atos normativos são incompatíveis com os artigos 5º, caput; 69, II, “b”, 77 e 144, todos da Constituição Estadual, e com art. 22, I e XXV da Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Bandeirante, os quais assim estabelecem:

“Art. 5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

“Art. 69. Compete privativamente ao Tribunal de Justiça:

(...)

II – pelos seus órgãos específicos:

a)     (...)

b)     organizar suas secretarias e serviços auxiliares, velando pelo exercício da respectiva atividade correicional;”

“Art. 77. Compete, ademais, ao Tribunal de Justiça, por seus órgãos específicos, exercer controle sobre atos e serviços auxiliares da Justiça, abrangidos os notariais e os de registro.”

 

“Art. 144 . Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

                                     

                   Com efeito, o art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, à medida que, disciplinando a autonomia municipal, limita-a a vários princípios constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

                  

         Disso decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seus artigos 22, I e XXV, que assim dispõem:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

I – direito civil (...);

(...)

XXV – registros públicos;”

            Neste contexto normativo, exsurge “ictu oculi” que a iniciativa legislativa do Município de Cotia, e do próprio Poder Executivo que editou o decreto e a resolução mencionados, afrontou a prescrição constitucional de que compete ao Poder Judiciário iniciativa de lei a respeito de serventias judiciais e extrajudiciais (art. 69, II, “b” da Constituição Estadual), sem se olvidar de que o Município legislou sobre registro público e transmissão de propriedade imóvel, invadindo competência exclusiva da União (art. 22, I e XXV da CF).

         Ora, é cediço que os tabelionatos e registros são serviços auxiliares da justiça e, assim sendo, cabe ao Poder Judiciário privativamente disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos notários, oficiais e prepostos.

         Neste sentido caminha a jurisprudência do STF:

“ADI 3773 / SP - SÃO PAULO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO Julgamento: 04/03/2009 Órgão Julgador:  Tribunal Pleno Publicação DJe-167  DIVULG 03-09-2009  PUBLIC 04-09-2009 EMENT VOL-02372-01  PP-00132 Parte(s) REQTE.(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA REQDO.(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO REQDO.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO INTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL - ANOREG-BR ADV.(A/S): RENAN LOTUFO

EMENTA. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Estadual (SP) nº 12.227/06. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Art. 96, II, "b" e "d", da Constituição Federal. 1. A declaração de inconstitucionalidade proferida por Tribunal estadual não acarreta perda de objeto da ação ajuizada na Suprema Corte, pendente ainda recurso extraordinário. 2. Vencido o Ministro Relator, que extinguia o processo sem julgamento do mérito, a maioria dos Julgadores rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir por ausência de impugnação do art. 24, § 2º, item 6, da Constituição do Estado de São Paulo, com entendimento de que este dispositivo não serve de fundamento de validade à lei estadual impugnada. 3. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as leis que disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas "b" e "d" do inciso II do art. 96 da Constituição da República. Precedentes: ADI nº 1.935/RO, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 4/10/02; ADI nº 865/MA-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/4/94. 4. Inconstitucionalidade formal da Lei Estadual (SP) nº 12.227/06, porque resultante de processo legislativo deflagrado pelo Governador do Estado. 5. Ação direta que se julga procedente, com efeitos ex tunc.

Cumpre observar, ainda, que, recentemente, esse Colendo Órgão Especial, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0131578-72.2012.8.26.0000, relator o eminente Desembargador Caetano Lagrasta, pronunciou-se sobre a matéria, em acórdão assim ementado:

“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Artigos 17, 18, 19 e 21, da Lei Municipal nº 323, de 27/10/2010, de iniciativa do Executivo Municipal, que dispõem sobre a imposição de obrigações e penalidades aos notários, oficiais de registro de imóveis e prepostos decorrentes de realização de atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos. Dispositivos que violam a competência da União para legislar sobre registro público e a do Poder Judiciário para disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos que exercem essas atividades. Violação ao Princípio da Independência e harmonia entre os Poderes. Precedentes. Ação Procedente”.

 

                   Extrai-se do venerando acórdão, datado de 8 de maio de 2013:

“(...)

É pacífico o entendimento do C. Supremo Tribunal Federal no sentido de que leis que tratam de serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa privativa do Poder Judiciário, conforme disposição expressa do art. 96, I, “b”, da Constituição Federal. Ao legislar sobre tal matéria, o Executivo Municipal invadiu competência do Tribunal de Justiça par a iniciativa legislativa, organização, controle e aplicação de penalidades no tocante aos serviços auxiliares, incluídos os notariais e de registro, nos termos do art. 96, I, “b”, da CF, bem como artigos 69, II, “b” e 77, estes da Constituição do Estado, o que viola o princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 5º, da CF).

O art. 19 da mencionada lei, ao impor penalidades aos notários, oficiais de Registro de Imóveis e prepostos, não observou que tal competência é exclusiva do Poder Judiciário, nos termos dos artigos 69, II, “b” e 77, ambos da Constituição do Estado.

Nada obstante invadir competência privativa do Poder Judiciário, o Executivo Municipal invadiu competência da União para legislar sobre registro público e transmissão de propriedade de bem imóvel, o que se verifica pela redação do art. 17, violando, assim, o quanto preconizado no art. 22, I e XXV, da CF.

Os dispositivos atacados revelam, desta forma, a incompatibilidade vertical com a Constituição Federal e com a Constituição do Estado de São Paulo (...)”

                  Portanto, o artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, o Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, e a Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013, todos do Município de Cotia, são inconstitucionais por incompatibilidade com os arts. 5º,caput;  69, II, “b”; 77 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo e com o art. 22, I e XXV da Constituição Federal.

 

III – Pedido liminar

 

            À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do Município de Cotia apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se a imposição de inconstitucionais penalidades aos oficiais do registro de imóveis.

         À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, do Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, e da Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013, todos do Município de Cotia.

 

IV – Pedido

 

                   Posto isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade dos atos normativos acima referidos.

                  

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Cotia, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                   Termos em que, pede deferimento.

                  

                   São Paulo, 29 de outubro de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 154.313/13

Interessado: Delegado do 1º Tabelião de Notas e de Protestos de Letras e Títulos da Comarca de Cotia

Assunto: Inconstitucionalidade do artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, do Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, e da Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013, todos do Município de Cotia.

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do artigo 6º da Lei Complementar nº 167, de 27 de dezembro de 2012, do Decreto nº 7.697, de 27 de junho de 2013, e da Resolução nº 01, de 1º de julho de 2013, todos do Município de Cotia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 29 de outubro de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao