EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 190.347/13

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 94 e 96 da Lei Complementar nº 71, de 17 de novembro de 2011, do Município de Pedranópolis.  gratificação. violação ao artigos 111 e 128 da Constituição Estadual. 1 – A concessão de gratificação a servidores públicos, sem critérios objetivos determinados ou que considera como critério objetivo atributo intrínseco ao exercício de qualquer função pública, viola os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, razoabilidade, interesse público. 2.  Constituição Estadual: artigos 111 e 128.

 

 O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos artigos 94 e 96 da Lei Complementar nº 71, de 17 de novembro de 2011, do Município de Pedranópolis, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

I. OS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

 

1.                Os artigos 94 e 96 da Lei Complementar nº 71, de 17 de novembro de 2011, que “dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Públicos de Pedranópolis, revoga a Lei Complementar nº 47, de 04 de fevereiro de 2009 e dá outras providências” têm a seguinte redação:

 

“ARTIGO 94 - Poderá ser concedida gratificação por atividade especial, no percentual de 30% (trinta por cento) sobre o seu vencimento, ao servidor designado pela autoridade maior do Poder Executivo ou do Legislativo, para exercer atividades especiais dentro de sua área de atuação, ou prestar serviços técnicos ou científicos além de suas atividades normais.

Parágrafo único – A vantagem será devida enquanto perdurar o efetivo desempenho das atribuições que justificaram a concessão da gratificação.”

“ARTIGO 96 – Conceder-se-á gratificação por zelo de veículos e máquinas rodoviárias, aos servidores que exercerem função de motorista ou operador de máquina, no percentual de 10% (dez) por cento do vencimento, caso não ocorrer nenhum dano no veículo ou equipamento no decorrer do mês base de pagamentos.”

 

II. O PARÂMETRO DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

2.                Os dispositivos impugnados do Município de Pedranópolis contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

3.                Ainda, referidos dispositivos municipais são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e que assim estabelecem:

 

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

 

(...)

 

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

III. DA INCONSTITUCIONALIDADE

4.                As vantagens pecuniárias são acréscimos permanentes ou efêmeros ao vencimento dos servidores públicos, compreendendo adicionais e gratificações.

5.                Enquanto o adicional significa recompensa ao tempo de serviço (ex facto temporis) ou retribuição pelo desempenho de atribuições especiais ou condições inerentes ao cargo (ex facto officii), a gratificação constitui recompensa pelo desempenho de serviços comuns em condições anormais ou adversas (condições diferenciadas do desempenho da atividade – propter laborem) ou retribuição em face de condições pessoais ou situações onerosas do servidor (propter personam) [Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 449; Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 760].

6.                Se tradicional conceito assinala que “o que caracteriza o adicional e o distingue da gratificação é o ser aquele uma recompensa ao tempo do serviço do servidor, ou uma retribuição pelo desempenho de funções especiais que refogem da rotina burocrática, e esta, uma compensação por serviços comuns executados em condições anormais para o servidor, ou uma ajuda pessoal em face de certas situações que agravam o orçamento do servidor” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., p. 452), agrega-se a partir de uma distinção mais aprofundada que “a gratificação é uma vantagem relacionada a circunstâncias subjetivas do servidor, enquanto o adicional se vincula a circunstâncias objetivas. (...) dois servidores que desempenhem um mesmo cargo farão jus a adicionais idênticos. Já as gratificações serão a eles concedidas em vista das características individuais de cada um. No entanto, é evidente que tais gratificações se sujeitam ao princípio da isonomia, de modo a que dois servidores que apresentem idênticas circunstâncias objetivas farão jus a benefícios iguais” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 3ª ed., p. 761).

7.                Ou seja, os adicionais são compensatórios dos encargos decorrentes de funções especiais apartadas da atividade administrativa ordinária e as gratificações dos riscos ou ônus de serviços comuns realizados em condições extraordinárias. Com efeito, “se o adicional de função (ex facto officii) tem em mira a retribuição de uma função especial exercida em condições comuns, a gratificação de serviço (propter laborem) colima a retribuição do serviço comum prestado em condições especiais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 85). 

8.                Ademais, oportuno obtemperar que “as vantagens pecuniárias, sejam adicionais, sejam gratificações, não são meios para majorar a remuneração dos servidores, nem são meras liberalidades da Administração Pública. São acréscimos remuneratórios que se justificam nos fatos e situações de interesse da Administração Pública” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 233).  

9.                Os adicionais são devidos em razão do tempo de serviço (adicionais de vencimento ou por tempo de serviço) ou do exercício de cargo (condições inerentes ao cargo) que exige conhecimentos especializados ou regime especial de trabalho (adicionais de função) como melhora de retribuição. O adicional de função (ex facto officii) repousa no trabalho que está sendo feito (pro labore faciendo), razão pela qual cessado seu motivo, elide-se o respectivo pagamento, e compreende as seguintes espécies: “de tempo integral (regime em que o servidor fica inteiramente à disposição da pessoa a que se liga e proibido de exercer qualquer outra atividade pública ou privada), de dedicação plena (regime em que o servidor desempenha suas atribuições exclusivamente à pessoa pública a que se vincula, sem estar impedido de desempenhar outras em entidade pública ou privada, diversas das que desempenha para a pessoa pública em regime de dedicação plena) e de nível universitário (desempenho de atribuições que exige um conhecimento especializado, só alcançado pelos detentores de títulos universitários)” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., pp. 230-231).

10.              As gratificações são precária e contingentemente instituídas para o desempenho de serviços comuns em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço) ou a título de ajuda em face de certos encargos pessoais (gratificações pessoais). A gratificação de serviço é propter laborem e “é outorgada ao servidor a título de recompensa pelos ônus decorrentes do desempenho de serviços comuns em condições incomuns de segurança ou salubridade, ou concedida para compensar despesas extraordinárias realizadas no desempenho de serviços normais prestados em condições anormais” (Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2008, 13ª ed., p. 232), albergando, por exemplo, situações como risco de vida ou saúde, serviços extraordinários (prestação fora da jornada de trabalho), local de exercício ou da prestação do serviço, razão do trabalho (bancas, comissões).

11.              É assaz relevante destacar que “o que caracteriza essa modalidade de gratificação é sua vinculação a um serviço comum, executado em condições excepcionais para o funcionário, ou a uma situação normal do serviço mas que acarreta despesas extraordinárias para o servidor”, razão pela qual “essas gratificações só devem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento” (Hely Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2001, 26ª ed., pp. 457-458).

                  

DA GRATIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 94 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 71, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2011.

 

12.              Patente a inconstitucionalidade do artigo 94 da Lei Complementar nº 71, de 17 de novembro de 2011, que prevê uma gratificação por atividade especial, sem especificar no que consiste a “atividade especial” e qual o critério a ser adotado para a designação do servidor que desempenhará essa “atividade”.

13.              A omissão na definição da atividade especial e a abrangência do dispositivo legal significam, na prática, fixação de benefício sem indicação de fundamento, o que contraria o disposto no art. 128 da Constituição do Estado, segundo o qual “as vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço”, bem como os princípios da razoabilidade e da moralidade, previstos no art. 111 da Constituição Paulista.

14.              Mas não é só.

15.              O dispositivo legal impugnado ainda fornece aos Chefes dos Poderes Executivo e Legislativo do Município de Pedranópolis ampla e excessiva discricionariedade, permitindo-lhes aquinhoar, por escolha imotivada, ou motivada por critérios alheios ao interesse público primário, os servidores credores das gratificações, o que se não amolda às exigências da moralidade e impessoalidade, da razoabilidade e do interesse público, à medida que é permeável a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade, imparcialidade, igualdade e impessoalidade.

16.              Deveras. Na compreensão do princípio da impessoalidade está, entre outros, a matriz da igualdade, repudiando tratamentos discriminatórios desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a sua finalidade.

DA GRATIFICAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 96 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 71, DE 17 DE NOVEMBRO DE 2011.

17.              O artigo 96 da Lei Complementar nº 71, de 17 de novembro de 2011, é verticalmente incompatível com o artigo 128 da Constituição Estadual, porque institui gratificação que, às escâncaras, não atende ao interesse público e nem tampouco às exigências do serviço.

18.              Ora, agir com zelo com os bens públicos dos quais, no exercício de suas funções, os servidores públicos necessitam se utilizar, consiste, em verdade, em dever funcional imposto a todo e qualquer funcionário público.

19.              A gratificação instituída, destarte, a par de, como já se disse, não atender ao interesse público e às exigências do serviço, fere, em muito, o princípio da razoabilidade.

20.              Com efeito, se não há uma razão peculiar, que vá além do simples exercício da própria função inerente ao cargo ou do próprio cumprimento do dever funcional atribuído a todo e qualquer servidor, não se justifica a instituição, por lei, de vantagem pessoal na forma de gratificação.

21.              O zelo com o bem público, por outras palavras, nada mais é do que atributo intrínseco do exercício de qualquer função pública, não podendo, assim, ser considerado como critério para concessão da gratificação ora impugnada.

22.              Pelo exposto, fica evidente a transgressão ao artigo 111 e 128 da Constituição Estadual.

VII. PEDIDO LIMINAR

 

23.              Demonstrada quantum satis a inconstitucionalidade dos dispositivos legais apontados, requerida é a concessão de medida liminar para suspensão de sua eficácia.

24.              Em se tratando do controle normativo abstrato, uma vez verificada a cumulativa satisfação dos requisitos legais concernentes ao fumus boni iuris e ao periculum in mora, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia dos preceitos legais tidos inconstitucionais.

25.              Convergem para tanto a plausibilidade jurídica da tese exposta na inicial e o delineamento da situação do risco irreparável consistente no pagamento e manutenção de vantagens ilegalmente fixadas, de modo a gravar ilicitamente o erário e dispensar tratamento desigualitário com sérias repercussões financeiras e jurídicas na comuna.

26.              Posto isso, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos atos normativos impugnados, durante o trâmite da presente ação e até seu final julgamento.

VIII. PEDIDO.

 

27.              Assim, em face do exposto, requer-se o recebimento e processamento da presente ação, que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade dos artigos 94 e 96 da Lei Complementar nº 71, de 17 de novembro de 2011, do Município de Pedranópolis.

28.              Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Pedranópolis, bem como a citação do douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 04 de novembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 190.347/2013

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos artigos 94 e 96 da Lei Complementar nº 71, de 17 de novembro de 2011, do Município de Pedranópolis, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 04 de novembro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao