Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 171.784/13

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 45-C da Lei n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, do Município de Buritizal, com a redação conferida pelo artigo 1º da Lei n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012. Conselho Tutelar. prorrogação de mandato do Membro do Conselho. Ofensa ao princípio Democrático. Invasão da competência da União para, concorrentemente com os Estados e Distrito Federal, legislar sobre proteção à Infância e à Juventude.

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 29, I, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), no art. 103, II, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e no art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º e 129, IV, da Constituição Federal, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do artigo 45-C da Lei n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, do Município de Buritizal, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, do Município de Buritizal, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

1.                A Lei Municipal n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, de Buritizal, tem, com o nosso destaque, a seguinte redação:

                                      LEI Nº 1285 DE 05 DE DEZEMBRO DE 2012

Altera a Lei Municipal nº 1126 de 15 de outubro de 2009, para dispor sobre o Conselho Tutelar, e dá outras providências.

Art. 1º) A Lei Municipal nº 1126 de 15 de outubro de 2009, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 44-A) O processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar ocorrerá a cada quatro anos, no primeiro domingo do mês de outubro do ano subseqüente ao da eleição presidencial. (sic)

§ 1º A posse dos conselheiros tutelares ocorrerá no dia 10 de janeir o do ano subsequente ao processo de escolha.

§ 2º No processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, é vedado ao candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor.

Art. 44-B) Aos membros do Conselho Tutelar pelo exercício efetivo da função de conselheiro, fica assegurado:

I – cobertura previdenciária;

II – gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 do valor da remuneração mensal;

III – licença maternidade;

IV – licença paternidade;

V – 13º salário;

VI – Reajustes nas épocas e pelos mesmos índices dos reajustes concedidos aos servidores públicos municipais;

Artigo 45-C) O mandato dos atuais conselheiros tutelares fica prorrogado até a posse dos conselheiros eleitos nos termos do § 1º, do artigo 139 da Lei 8069/90, alterada pela Lei 12.696/2012.

Art. 45-D) Constará da Lei Orçamentária Municipal, previsão de recursos necessários para remuneração dos Conselheiros nas forma supra (sic).

Art. 2º) Fica o Chefe do Executivo autorizado a regulamentar a presente Lei, no prazo de 60 dias, caso necessário.

Art. 3º) Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

2.                Referido ato normativo, muito provavelmente, visou promover, malgrado se excedesse, a adequação da Lei Municipal n. 1.126, de 15 de dezembro de 2009, de Buritizal, que dispõe sobre a política municipal de atendimento dos direitos da criança e do adolescente, à Lei Federal n. 12.696, de 25 de julho de 2012, que alterou dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:

“LEI N. 12.696, DE 25 DE JULHO DE 2012

Altera os arts. 132, 134, 135 e 139 da Lei n o 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre os Conselhos Tutelares.

 

Art. 1º Os arts. 132, 134, 135 e 139 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 132 Em cada Município e em cada Região Administrativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conselho Tutelar como órgão integrante da administração pública local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela população local para o mandato de 4 (quatro) anos, permitida 1 (uma) recondução, mediante novo processo de escolha’ (NR)

Art. 134 Lei municipal ou distrital disporá sobre o local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto à remuneração dos respectivos membros, aos quais é assegurado o direito a:

I – cobertura previdenciária;

II – gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da remuneração mensal;

III – licença-maternidade;

IV – licença- paternidade;

V – gratificação natalina.

Parágrafo único. Constará da lei orçamentária municipal e da do Distrito Federal previsão dos recursos necessários ao funcionamento do Conselho Tutelar e à remuneração e formação continuada dos conselheiros tutelares’ (NR).

Art. 135 O exercício efetivo da função de conselheiro constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral.

Art. 139.........................................

§ 1º O processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar ocorrerá em data unificada em todo o território nacional a cada 4 (quatro) anos, no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial.

§ 2º A posse dos conselheiros tutelares ocorrerá no dia 10 de janeiro do ano subsequente ao da escolha.

§ 3º No processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar, é vedado ao candidato doar, oferecer, prometer ou entregar ao eleitor bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive brindes de pequeno valor’ (NR)

Art. 2º (VETADO)

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

3.                A lei federal, em linhas gerais, aumentou de 03 para 04 anos o mandato do conselheiro tutelar, estendeu a eles alguns direitos sociais previstos no artigo 7º da Constituição Federal e unificou a data do processo de escolha dos membros do Conselho, determinando que a eleição passe a ocorrer a cada quatro anos, no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição para Presidente da República.

4.                No entanto, o artigo 45-C, da Lei n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, do Município de Buritizal, é inconstitucional por violar o artigo 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

5.                De proêmio, cumpre esclarecer que a autonomia municipal é regulamentada no art. 29 da Constituição da República, o qual estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual. Tal disposição, por sua vez, foi reproduzida pelo art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, como denota-se de sua transcrição:

Art. 144 Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

6.                Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva, nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contêm remissão expressa ao direito estadual.

7.                Posta essa premissa, o artigo 45-C da Lei Municipal n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, cuja redação foi alterada pela Lei Municipal n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, de Buritizal, é incompatível com referido artigo 144 da Constituição Estadual, e, por remissão, com os seguintes dispositivos da Constituição Federal, de observância obrigatória nos municípios:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

Parágrafo Único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

(...)

Art. 24 Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XV – proteção à infância e à juventude;

(...).”

8.                Em especial, o dispositivo legal impugnado contraria o princípio democrático (art. 1º da Constituição Federal) e também viola a competência normativa da União para, concorrentemente com o Estado, legislar sobre a proteção à infância e juventude (art. 24, XV, da Constituição Federal), os quais, vale repetir, são aplicáveis aos Municípios por força do art. 144, da Constituição do Estado.

III – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO (OU DE TEMPORARIEDADE DAS FUNÇÕES ELETIVAS) E AO PRINCÍPO FEDERATIVO

9.                Assentadas essas premissas, cumpre analisar, pormenorizadamente, de que forma o ato normativo impugnado, ao desrespeitar princípios da Carta Magna, viola o artigo 144 da Constituição do Estado de São Paulo.  

10.              Em primeira análise, constata-se que a Constituição Federal de 1988 estabelece, como um de seus princípios estabelecidos o denominado princípio democrático, apontado, inclusive, no art. 1º da Constituição da República.

11.              Nesse sentido, referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estados: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. Ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.). 

12.             Ademais, os princípios fundamentais da Constituição Federal, segundo o mesmo autor, podem ser assim discriminados: (a) princípios relativos à existência, forma e tipo de Estado; (b) princípio relativo à forma de governo; (c) princípio relativo à organização dos Poderes; (d) princípios relativos à organização da sociedade; (e) princípios relativos à vida política; (f) princípios relativos ao regime democrático – princípio da soberania popular, princípio da representação política e princípio da participação popular direta (art. 1º, parágrafo púnico); (g) princípios relativos à prestação positiva do Estado; e (h) princípios relativos à comunidade internacional (in Comentário Contextual à Constituição, Malheiros, 7ª edição, pagina 31).

13.              Discorrendo sobre o princípio democrático, afirma o renomado constitucionalista que “Democracia é conceito histórico. Não sendo, por si, um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem, compreende-se que a historicidade destes a envolva na mesma medida, enriquecendo-lhes o conteúdo a cada etapa do evolver social, mantido sempre o princípio básico de que ela revela um regime político em que o poder repousa na vontade do povo. Sob esse aspecto, a democracia não é um mero conceito político abstrato e estático, mas é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história”.

14.              Conclui o autor: “O povo é a fonte primária do poder, que caracteriza o princípio da soberania popular, fundamento do regime democrático (...) É no regime de democracia representativa que se desenvolvem a cidadania e as questões da representatividade, que tende a fortalecer-se no regime de democracia participativa. A Constituição combina representação e participação direta, tendendo, pois, para a democracia participativa. É o que desde o parágrafo único do art. 1º já está configurado, quando ai se diz que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, [democracia representativa] ou diretamente’ [democracia participativa]. Consagram-se nesse dispositivo os princípios fundamentais da ordem democrática adotada” (Op. cit., pag. 43).

15.              No caso em exame, ao prorrogar os atuais mandatos dos Conselheiros Tutelares até a data da primeira eleição unificada (primeiro domingo do mês de outubro de 2015), o legislador municipal desrespeitou o princípio democrático, ou princípio da soberania popular, infringindo, pois, o artigo 144 da Constituição Estadual.

16.              Com efeito, se o Estatuto da Criança e do Adolescente determina que os Conselheiros Tutelares sejam escolhidos mediante eleição direta no município - e se todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente - disso decorre logicamente que os mandatos dos Conselheiros Tutelares não poderiam ter sido singelamente prorrogados por meio de lei municipal, havendo induvidosa ofensa ao princípio republicano.

17.              Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

“EMENTA: - Prorrogação do mandato do Governador e Vice-Governador de Minas Gerais, por lei constitucional votada pela Assembleia Legislativa do Estado. Contraria a constituição da República o ato legislativo, porque atenta contra o princípio da forma republicana representativa e o princípio democrático da temporariedade das funções eletivas. As assembleias legislativas estaduais não têm o poder de substituir o eleitorado, votando leis que substituam as eleições. Procedência da Representação.

(...)

O Supremo Tribunal, em memorável acórdão, de que foi relator o nosso eminente colega Ministro Cândido Motta Filho, (Representação nº 322 de Goiás, julgada em 18-9-1957) firmou sua jurisprudência no sentido de que a prorrogação de mandatos fere a forma republicana representativa e o princípio democrático da temporariedade das funções eletivas. Tratava-se da prorrogação do mandato do ex-governador de Goiás, do vice-governador e prefeitos daquele Estado, em 1957. O então Procurador Geral da República, Dr. Carlos Medeiros Silva, também naquele caso, impugnara com veemência a lei constitucional goiana: ‘Na prorrogação do mandato, disse o Procurador Geral de então, visa-se a pessoa determinada e o ato que a confere emana de corpo eleitoral restrito que, segundo a Constituição Federal, não tem poderes para substituir ao eleitorado geral’. E o egrégio relator, em voto magistral, apoiado por todo o Tribunal, acentuou que quem exercita um mandato eletivo, por determinado prazo, tem o seu mandato configurado por esse prazo. Prorrogá-lo é frustrar a sua índole representativa; é retirar do mandato as suas condições e as suas qualidades inerentes e proporcionar com isso, o desrespeito à Constituição. O mandatário atraiçoa o mandante, porque o substitui, sem poderes (...) ‘O que estamos julgando hoje não é apenas o caso de um Estado da Federação. Estão em causa a predominância do princípio republicano representativo em nossa pátria e o resguardo de um mínimo de moral política, sem o qual as nossas instituições democráticas afundarão no desprestígio e na ruína e cedo teríamos de deplorar o seu naufrágio.” (Representação nº 650 – MG, relator Ministro Gonçalves de Oliveira)

18.              Subsumido o caso concreto a tais diretrizes, possível reconhecer que o dispositivo normativo questionado, ao prorrogar os mandatos dos atuais Conselheiros Tutelares até a posse dos conselheiros eleitos, não respeita, na exata concreção do seu alcance, o princípio republicano, traduzido, aqui, na temporariedade dos mandatos eletivos.[1]

19.              Dessa forma, claro está que o artigo 45-C da Lei n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, do Município de Buritizal, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 1º da Lei n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, do Município de Buritizal, ao desrespeitar o princípio democrático ou de temporariedade das funções eletivas, previsto na Constituição Federal, transgrediu diretamente o artigo 144 da Constituição Federal, razão pela qual deve ser declarado inconstitucional.     

20.              Não é só.  Além da ofensa ao princípio da soberania popular, o legislador municipal ainda invadiu a competência normativa da União para, concorrentemente com os Estados e o Distrito Federal, legislar sobre a proteção à infância e à juventude (art. 24, XV, da Constituição Federal), sendo, portanto, incompatível com a autonomia municipal expressa no art. 144 da Constituição Estadual. Senão vejamos.

21.              Legislar sobre a periodicidade dos mandatos dos membros do Conselho Tutelar, prorrogando-os, é assunto que não pertence à esfera normativa dos Municípios por não se conter na predominância do interesse local, nem se adstringir à suplementação da legislação federal ou estadual na medida do interesse local.

22.              É da essência da organização política brasileira o princípio federativo que ilumina a repartição de competências normativas e administrativas entre as unidades federadas, com assento nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

23.              Como é cediço, a Constituição da República estabelece a repartição constitucional de competências entre as diversas esferas da federação brasileira, consistindo no corolário mais evidente do princípio federativo.

24.              Um dos aspectos de maior relevo, e que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os respectivos entes, bem como a fixação da autonomia e dos limites dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

25.              Anota, a propósito, Fernanda Dias Menezes de Almeida que “avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.” Daí a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências é ‘a chave da estrutura do poder federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’. (Competências na Constituição Federal de 1988, 4. Ed., São Paulo, Atlas, 2007, p. 19/20).

26.              A preservação do princípio federativo tem contado com anuência do C. STF, pois, como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:

“(...) a idéia de Federação – que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones – revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I).” (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21.8-01, DJ de 14-9-01). (sic)

27.              Por essa linha de raciocínio, pode-se também afirmar que a Lei Municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal e do estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

28.              Para a solução do caso, é necessário ter em mente que a matéria referente a proteção à infância e à juventude encontra-se inserida dentro da competência legislativa concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal, estabelecida no art. 24, XV, da Constituição Federal.

29.              Bem por isso, é cabível o contraste de lei local com a norma remissiva contida no art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29 caput da Constituição Federal – e que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, sendo denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

30.              Desse modo, o dispositivo normativo impugnado também é inconstitucional por violar o princípio federativo, tendo em vista seu contraste com o art. 144 da Constituição Estadual, tendo em vista a sua remissão à Constituição Federal e, em especial, ao art. 24, XV.

31.              Em síntese, o artigo 45-C da Lei Municipal n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, com a redação conferida pela Lei Municipal n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, de Buritizal, é verticalmente incompatível com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, fundamento este suficiente para a procedência desta ação direta de inconstitucionalidade.

IV – Pedido

32.              Posto isso, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 45-C da Lei Municipal n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, com a redação conferida pela Lei Municipal n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, de Buritizal.

33.              Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Buritizal, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 03 de dezembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao/mjap

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 171.784/13

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 45-C, da Lei Municipal n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, cuja redação foi alterada pela Lei Municipal n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, de Buritizal.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do artigo 45-C da Lei Municipal n. 1.126, de 15 de outubro de 2009, cuja redação foi alterada pela Lei Municipal n. 1.285, de 05 de dezembro de 2012, de Buritizal, de junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se à interessada, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.     Encaminhe-se cópia da ação ao Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e Juventude para ciência.

 

                   São Paulo, 03 de dezembro de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

mao/mjap

 



[1] CANOTILHO anota que, diferente embora de sistema constitucional para sistema constitucional,  o princípio democrático, na sua dimensão representativa, impõe o sufrágio periódico e a renovação dos cargos políticos.  Traduzindo-se no princípio da periodicidade do sufrágio.   (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina,  7ª ed., 2003,  n.6., p.306).