EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 151.213/13
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 32 e Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 2 de maio de 2012, do Município de Taubaté. Ausência de disposição legal estabelecendo as atribuições das funções de confiança, no âmbito da Universidade de Taubaté e do Colégio Unitau - Autarquia Municipal. Incompatibilidade legislativa com o texto constitucional no tocante à exclusividade da função de confiança a ser exercida por servidores de cargo efetivo. Criação indevida de pro-labore. Violação aos arts. 111; 115, I, II e V; 128 e 144 da CE. 1. A ausência de fixação legal das atribuições inerentes ao desempenho das funções de confiança existentes na estrutura administrativa da autarquia municipal ofende a Carta Paulista (arts. 111 e 115, CE), porquanto resta impossibilitada qualquer aferição de seus pressupostos ensejadores, atentando contra a publicidade exigida no Estado Democrático de Direito, além de ser vedada a atribuição de qualquer vantagem descompassada do interesse público e das exigências do serviço. 2. Inconstitucionalidade do art. 32 da Lei Complementar nº 282/2012, pois confere indevidamente “pro-labore” que corresponde à diferença entre o valor de padrão de seu cargo e o da função ao servidor da Autarquia Municipal, em ofensa aos arts. 115, V, e 128 da Carta Bandeirante.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 151.213/13), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 32 e do Anexo IV, ambos da Lei Complementar n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté, pelos seguintes fundamentos:
I - DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
Editada em 02 de maio de 2012, no Município de Taubaté, a Lei Complementar nº 282 dispõe sobre o Código de Administração da Universidade de Taubaté, Autarquia Municipal, dando também outras providências.
Dentre as disposições contempladas na lei em epígrafe, destacam-se o artigo 32 e o Anexo IV, por meio dos quais a municipalidade instituiu funções de confiança, atribuindo aos servidores “pro-labore” correspondente à diferença entre o valor de padrão do seu cargo efetivo e o da função de confiança para as quais foram nomeados, no âmbito da Universidade de Taubaté e da Escola de Aplicação Dr. Alfredo José Balbi, nos seguintes termos:
“(...)
Art. 32. Os servidores nomeados para as funções de confiança,
exceto de magistério, farão jus a um pro-labore
que corresponderá à diferença entre o valor de padrão do seu cargo e o da
função.
Parágrafo Único. Sobre a diferença prevista no caput deste
artigo incidirão as vantagens pessoais do servidor.”
O
Anexo IV da Lei Complementar referida institui funções de confiança, destinadas
a servidores efetivos, sem, contudo, estabelecer, ou ao menos mencionar, as
atribuições correspondentes a cada uma das funções (fls. 07, 08 e 09 do
expediente). Vejamos:
ANEXO IV
SUBQUADRO
DE FUNÇÕES DE CONFIANÇA
SERVIDORES DA UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
E DA ESCOLA DE APLICAÇÃO DR. ALFREDO JOSÉ
BALBI
G.O.= Grupo Ocupacional (B=Básico; M=Médio;
S=Superior)
REF. = Referência Numérica
NUCC = Nível Universitário Compatível com o
Cargo
MS/1 a 10 = Padrão de Professor
RP/OC= Registro Profissional ou inscrição
em Órgão de Classe
DA UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Nº
CARGO |
DENOMINAÇÃO |
PADRÃO (G.O./REF.) |
ESCOLARIDADE/ REQUISITOS |
CONDIÇÃO
|
01 |
Assessor
de Articulação entre Ensino, Pesquisa e Extensão |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Assessor
de Atividades Culturais e Comunitárias |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Assessor
de Atividades de Extensão |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Assessor de Cooperação Universidade-Sociedade |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Assessor de Difusão Cultural e Institucional |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
06 |
Assessor
Técnico de Pró-reitoria |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Chefe
da Clínica de Fisioterapia |
MS/1 a 10 |
NUCC + RP/OC |
Prof. Efetivo |
01 |
Chefe da Clínica de
Nutrição |
MS/1 a 10 |
NUCC
+ RP/OC |
Prof. Efetivo |
01 |
Chefe
da Clínica de Odontologia |
MS/1 a 10 |
NUCC + RP/OC |
Prof. Efetivo |
01 |
Chefe
da Clínica de Psicologia |
MS/1 a 10 |
NUCC + RP/OC |
Prof. Efetivo |
01 |
Chefe
da Seção de Carpintaria e Marcenaria |
M/18 |
Ensino Fundamental Completo+ 6 meses
exp. na respectiva área profissional |
Serv. Efetivo |
01 |
Chefe da Seção de
Compras |
M/22 |
Ensino
Médio Completo |
Serv. Efetivo |
01 |
Chefe
da Seção de Digitalização |
M/18 |
Ensino Médio Completo |
Serv. Efetivo |
01 |
Chefe
da Seção de Manutenção de Máquinas e Equipamentos |
M/18 |
Ensino Médio Completo+ 6 meses exp.
na respectiva área profissional |
Serv. Efetivo |
Nº CARGO |
DENOMINAÇÃO |
PADRÃO (G.O./REF.) |
ESCOLARIDADE/ REQUISITOS |
CONDIÇÃO |
|
01 |
Chefe da Seção de Oficina Gráfica |
M/18 |
Ensino
Fundamental Completo+ 6 meses exp. na respectiva área profissional |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe da Seção de Telefonia |
M/18 |
Ensino
Fundamental Completo+ 6 meses exp. na respectiva área profissional |
Serv.
Efetivo |
|
20 |
Chefe de Seção (Administração Geral) |
M/18 |
Ensino
Médio Completo |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Apoio Logístico |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Arquivo Geral |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Cobrança Administrativa |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Contabilidade |
S/23 |
NUCC
+ RP/OC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Controle da Arrecadação e da
Dívida Ativa |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Controle de Despesas |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Controle Orçamentário |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Custos |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Diplomas |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Documentação Acadêmica |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Elaboração Orçamentária |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Folha de Pagamento |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Materiais |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Matrícula |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Patrimônio |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Prontuários e Documentação |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Recrutamento, Seleção e
Treinamento |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
01 |
Chefe do Serviço de Tesouraria e Documentação
Financeira |
S/23 |
NUCC |
Serv. Efetivo |
|
Nº CARGO |
DENOMINAÇÃO |
PADRÃO (G.O./REF.) |
ESCOLARIDADE/ REQUISITOS |
CONDIÇÃO |
01 |
Controlador Interno |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Coordenador da Central de Comunicação Social |
MS/1 a 10 |
NUCC
+ RP/OC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Apoio à Pesquisa |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Apoio à Pós-graduação |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Atendimento ao Estudante e aos Órgãos
Estudantis |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Coordenador de Convênios |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo |
01 |
Coordenador de Cooperação Internacional |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Educação Básica, Profissional de
Nível Médio e Especial |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Ensino de Graduação Presencial |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Formação de Professores para a Educação Básica |
MS/1
a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Relações com a Comunidade Externa |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Relações com a Comunidade Interna |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Relações Externas |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Coordenador de Seleção e Supervisão Docente |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Diretor Clínico do Hospital Universitário |
MS/1
a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Diretor Técnico do Hospital Universitário |
MS/1
a 10 |
NUCC
+ RP/OC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Ouvidor |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof. Efetivo com 5 anos de exercício no serv.
público |
01 |
Superintendente Geral da Rádio e da Televisão
Educativa |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
01 |
Supervisor da Central de Estágios |
MS/1 a 10 |
NUCC |
Prof.
Efetivo |
Nº CARGO |
DENOMINAÇÃO |
PADRÃO (G.O./REF.) |
ESCOLARIDADE/REQUISITOS |
01 |
Diretor de Educação
Infantil (Creche) |
S/30 |
NUCC |
01 |
Diretor de Educação
Infantil (Pré-escola) |
S/30 |
NUCC |
03 |
Vice-diretor de
Escola de Educação Básica |
S/31 |
NUCC |
Nesse
quadro normativo se funda a presente exordial, por meio da qual buscar-se-á
demonstrar a inconstitucionalidade das normas apontadas, tendo em vista a
contrariedade destas aos preceitos contidos nos artigos 111; 115, I, II e V;
128 e 144 da Constituição Estadual, conforme se passa a expor.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
Os atos
normativos indicados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São
Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão
dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
Os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29
daquela e do art. 144 desta.
O artigo 32 e o Anexo IV da Lei Complementar nº 282,
de 2 de maio de 2012 são incompatíveis com os seguintes preceitos da
Constituição Bandeirante.
“Artigo 111 –
A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Artigo 115 –
Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
I – os
cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que
preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na
forma da lei;
II - a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em
concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações
para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as
funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de
carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
(...)
Artigo 128 –
As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando
atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
III – Da inconstitucionalidade das FUNÇÕES DE
CONFIANÇA PREVISTAS NO ANEXO iv DA lei complementar nº 282/12, do município dE
tAUBATÉ, em razão da falta de descrição legal das RESPECTIVAS atribuições.
De início, cumpre mencionar ser inconstitucional a instituição de funções
de confiança, no âmbito da Universidade de Taubaté, sem a descrição, por meio
de lei, das respectivas atribuições.
Na presente situação, a Lei Complementar nº 282, de 2 de maio de 2012, não
cuidou de especificar as atribuições de assessoramento, chefia ou direção das
funções de confiança, previstas pelo artigo 31, e descritas no Anexo IV da
referida lei, as quais não foram, outrossim, detalhadas em legislações
supervenientes.
Como
é cediço, não basta a lei criar a função ou dar-lhe uma denominação de
assessoramento, chefia ou direção, ou, ainda, reputar-lhe exigência de
confiança, se não discriminar minimamente em seu bojo suas atribuições, a fim
de viabilizar o controle de sua conformidade com as prescrições constitucionais
que evidenciam a natureza excepcional do provimento em comissão.
Tendo
em vista que a edição da função e seu respectivo detalhamento encontram-se
adstritos à reserva legal absoluta ou formal (art. 24, § 2º, 1 e 4, CE/89), a
fim de se permitir a aferição dos requisitos impostos pelo texto constitucional
quando da sua instituição, a invalidade da disciplina de funções comissionadas
resta presente em razão da omissão legislativa atinente à descrição de
atribuições de assessoramento, chefia e direção, porquanto conforme
explica a doutrina:
“somente a
lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e
deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X,
da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse
dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público,
por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público
faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a
disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das
competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e
das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei
estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’.
Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa
posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as
regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal
Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p.
581).
Nesse sentido, mutatis mutandis,
confira-se o posicionamento deste E. Tribunal de Justiça:
“(...) Por
esse motivo é que a jurisprudência sedimentou que a criação, por lei, de cargos
de provimento em comissão (na dicção constitucional, "de livre nomeação e
exoneração") deve vir acompanhada da descrição das atribuições destes
mesmos cargos, também por meio de lei em sentido estrito. A propósito, este
Colendo Órgão Especial já decidiu que a descrição das atribuições e
responsabilidades do cargo criado é necessária "para que se possa analisar
e concluir que foram criados exclusivamente para os casos constitucionalmente
permitidos. Não basta denominar os cargos como sendo de diretor, chefe ou
assessor para que se abra uma exceção à regra do concurso público e se
justifique seu provimento em comissão, pois o que importa não é o rótulo, mas a
substância deles, fazendo-se necessário examinar as atribuições a serem
exercidas por seus titulares e tais atribuições devem estar definidas na lei
(Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 152.958-0/6, rei. Des. Debatin
Cardoso, j. 04.03.2009) (...)”. (TJSP, ADI 0391344-43.2010.8.26.0000, Órgão
Especial, Rel. Des. Arthur Marques, 20.04.2011, v.u., Data de registro
02.05.2011).
Cumpre rememorar que a edição de funções de confiança, à luz de preceitos
insculpidos na Carta Republicana de 1988, não pode ser desarrazoada,
artificial, abusiva ou desproporcional. Deve, em respeito ao art. 37, II e V,
da Constituição Federal de 1988, reproduzido no art. 115, II e V, da
Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e
direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedado o exercício
de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo
precedido de aprovação em certame de provas ou de provas e títulos, como
apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
Conforme
doutrina e jurisprudência majoritárias, não é lícito à lei declarar a liberdade
de provimento de qualquer cargo, emprego ou função pública, mas tão somente
àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política
de assessoramento, chefia e direção.
Ou seja, a instituição de funções desse jaez somente encontra fundamento
legítimo quando alicerçada em atribuições de natureza especial (assessoramento,
chefia e direção em nível superior), às quais se exige relação de confiança,
pouco importando a denominação ou forma de provimento atribuídas, pois,
Portanto, em obediência aos imperativos da Carta Maior, na edição de funções
comissionadas se faz necessária a perquirição de sua natureza excepcional
amparada no elemento fiduciário, não satisfeito pela mera declaração do legislador
quando da atribuição do nome in iuris
à função, sendo assaz relevante uma análise do plexo de atribuições das funções
públicas.
É dizer: as funções de provimento em comissão são restritas às
atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais
esteja presente a necessidade de relação de confiança para com os agentes
políticos ao desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e
controle de diretrizes político-governamentais. Não se coaduna a edição de funções
dessa natureza – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com
atribuições ou funções profissionais ordinárias, passíveis de desempenho por
quaisquer agentes.
Nesse sentido, remansosa é a jurisprudência que proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, exigindo que elas demonstrem, de forma efetiva, a presença de funções concernentes a assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Vejamos:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II),
7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA
PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do
pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional
norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a
alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de
cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna
prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da
Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se
harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a
investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador
estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a
exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público.
Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo
regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3.
Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de
inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição
estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a
legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem
criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter
de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de
argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a
que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar
Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).
Quando
da edição da função de confiança, cumpre ao legislador traçar em seu texto cada
uma das atribuições conferidas ao servidor ocupante de tal cargo, vez que a
omissão de mandamento neste sentido impossibilita a aferição da presença dos
critérios de assessoramento, chefia e direção exigidos pelo constituinte,
conduta esta que não pode ser tolerada em um Estado Democrático de Direito,
cuja essência resta alicerçada na ampla publicidade de informação, sendo
contrários ao seu espírito atos velados, obscuros, sobre os quais resta
impossibilitada qualquer espécie de controle:
“(...) 2.
Princípio constitucional de maior densidade axiológica e mais elevada estatura
sistêmica, a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da República
Federativa brasileira. Democracia que, segundo a Constituição Federal, se apóia
em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima
qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do Poder, seja ele político,
seja econômico, seja religioso (art. 220 da CF/88). (...)” (ADPF-MC 130. Relator Min. Carlos
Britto. Pleno. Julgamento: 27.02.2008)”
Ou
seja, a exigência de reserva legal se faz imperiosa em se tratando de funções
de confiança, porquanto serve à mensuração da perfeita subsunção da hipótese
concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento
às atribuições de assessoramento, chefia e direção.
É por isso que esse Sodalício exige que a lei descreva as atribuições de cada uma das funções, pois, do contrário, não é possível ao Poder Judiciário e demais legitimados a tal controle sindicar se foram criadas, efetivamente, para as situações constitucionalmente permitidas.
IV – Da inconstitucionalidade dO PRO-LABORE
DEcorrente do exercício de FUNÇÃO DE CONFIANÇA prevista no art. 32 da Lei
complementar nº 282/12, do município dE TAUBATÉ, POR AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO
LEGAL das atribuições ensejadoras de tal VANTAGEM.
Em
seu art. 32, acima transcrito, a Lei Complementar nº 282/12 instituiu, na
estrutura organizacional da Universidade de Taubaté e do Colégio Unital uma
vantagem aos servidores que desempenham as já exaustivamente mencionadas funções
de confiança, denominando-a de pro-labore,
que corresponderia à diferença entre o valor de padrão do cargo efetivo e o da
função.
Ora,
malgrado no quadro normativo em tela não haja a prescrição das atribuições das
funções ora examinadas, por meio dele o legislador municipal consagrou a
possibilidade de determinados servidores exercerem funções de confiança dentro
da estrutura administrativa da autarquia municipal, cujos contornos podem ser
compreendidos com maior clareza a partir dos precisos apontamentos de José dos
Santos Carvalho Filho:
“A
Constituição refere-se também às funções de confiança (art. 37, V).
Correspondem elas ao exercício de algumas funções específicas por servidores
que desfrutam da confiança de seus superiores, os quais, por isso mesmo,
percebem certa retribuição adicional para compensar tal especificidade.
Retratam, em última análise, modalidade de gratificação, paga em virtude de
tipo especial de atribuição, e somente podem ser exercidas por servidores que
ocupem cargo efetivo.” (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2010, p. 664).
Pois
bem.
Em
que pese a competência da pessoa política para a edição de gratificação voltada
ao pagamento de servidor incumbido de função de confiança, imperioso consignar
que a forma eleita pelo município para a instituição da vantagem em apreço não
observou os ditames constitucionais, conforme se passa a expor.
Quando
o administrador prevê em sua estrutura uma função de confiança, o faz em
virtude da necessidade de ter ao seu lado servidores de sua fidúcia, vez que
tais agentes desempenham tarefas relevantes à Administração e,
consequentemente, ao interesse público, de sorte que se mostra razoável a
previsão constitucional inserta no art. 37, V da CF, cujo teor foi reproduzido
no art. 115, V da CE/89.
No
entanto, partindo-se da premissa de que a função de confiança se vincula ao
desempenho de tarefas estratégicas e relevantes dentro de uma unidade
administrativa, não seria plausível a indicação de qualquer agente público à
sua consecução, pois, acaso fosse possível uma indicação a esmo, se imperaria
no funcionalismo público um indesejado subjetivismo por parte do dirigente nomeante,
que poderia indicar pessoas de sua preferência, ainda que inaptas, para as
funções em comento, afastando-se, destarte, do interesse coletivo primário
almejado pelos administrados.
Por
este motivo é que, a bem do interesse geral, devem existir requisitos mínimos
plasmados em ato normativo genérico e abstrato, indicando em seu bojo quais
atribuições serão desempenhadas por estes servidores dotados de função de
confiança, a fim de que princípios comezinhos à Administração Pública sejam
observados, tais como impessoalidade, eficiência e moralidade.
Isso
porque, como já se disse, a falta de lei stricto
sensu contemplando as atribuições mencionadas impede os órgão legitimados
ao controle dos atos administrativos de sindicar a validade da nomeação de
determinados agentes, o que não se pode admitir sob nenhuma hipótese em um
Estado Democrático, conforme já explanado em tópico anterior quando da menção
ao entendimento edificado na jurisprudência do E. STF (ADPF-MC 130. Relator Min. Carlos Britto. Pleno.
Julgamento: 27.02.2008)”.
É por esse motivo, portanto, que se visualiza a
incompatibilidade dos atos normativos ora vergastados com os preceitos da Carta
Bandeirante.
Aliás,
na temática concernente à indicação de servidores ao desempenho de funções de
confiança dentro da Administração, se faz relevante tecer algumas
considerações.
É
sabido que em determinados atos administrativos o próprio ordenamento confere
ao dirigente a possibilidade de escolher uma opção dentre algumas alternativas
postas à sua disposição.
No
caso, trata-se dos atos discricionários, nos quais o administrador, segundo
critérios de conveniência e oportunidade sopesados à luz da situação concreta,
procura materializar o ato mais compatível com os anseios da coletividade,
havendo, portanto, uma maior margem decisória por parte do dirigente, que não
fica vinculado a uma conduta imposta pela lei, como ocorre nos atos vinculados.
Contudo,
a referida margem de liberdade conferida ao administrador não pode ser
confundida com arbitrariedade. Quando o ordenamento lhe outorga a possibilidade
de escolher uma dentre várias soluções possíveis na situação levada à sua
apreciação, segundo um exame de conveniência e oportunidade do ato que mais se
aproximaria ao interesse geral, o faz estabelecendo limites ao seu poder
decisório.
Ou
seja, o agente competente ao ato não pode tomar qualquer decisão, se arvorando
de um poder soberano que não possuiu, uma vez que está sujeito a tão somente
materializar a vontade da Administração que se encontra insculpida nos textos
legislativos, como há muito sustenta a doutrina sob a égide da “teoria do
órgão” de Otto Gierke e à luz da legalidade pública insculpida no art. 37, caput, da Lei Fundamental de 1988.
Nesse
diapasão, sustentar a possibilidade de instituição de função de confiança a
esmo, estabelecendo gratificação denominada de pro-labore, a determinado
servidor público, sem qualquer menção a suas atribuições, atenta ao espírito
constitucional da República, que não tolera condutas obscuras, veladas e
descompassadas da vontade popular, sob pena de arrefecimento drástico da força
normativa da Constituição, que se reduziria a uma mera carta de papel, como há
muito já preconizava Ferdinand Lassalle em seus escritos.
Em
vista disso, pelos motivos exaustivamente expostos, invoca-se o presente
controle concentrado de constitucionalidade para afastar do ordenamento local o
art. 32 e o Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 02 de maio de 2012, do
Município de Taubaté, devendo este E. Tribunal de Justiça se manifestar pela
procedência do pedido em questão.
V – Pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura dos dispositivos municipais apontados como
violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se lesão irreparável ou
de difícil reparação que incide sobre o erário.
Ademais, resta claramente demonstrado que
a mantença das funções gratificadas, sem a descrição de suas respectivas
atribuições, atenta a diversos preceitos das Constituições Federal e Estadual.
Na questão em apreço, o perigo da demora
decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e
da eficácia das disposições normativas questionadas, subsistirá a sua manutenção.
Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres
públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
Basta lembrar que as remunerações,
subsídios e gratificações dispendidos pela municipalidade com servidores
públicos comissionados não serão revertidas ao erário, pela argumentação usual,
em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação, de sorte
que com
a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer
o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia
dos atos normativos impugnados evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além
dos que já se verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa
singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da
medida.
Com efeito, no contexto das ações diretas
e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de
conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos
do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p.
3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ
142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da
eficácia dos dispositivos impugnados, até final e definitivo julgamento desta
ação.
VI – Pedido
Posto isso, requer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade do art. 32 e do Anexo IV da Lei Complementar n. 282, de 02 de maio
de 2012, do Município de Taubaté.
Pede-se ainda
sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Taubaté, bem
como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista para
manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 09 de dezembro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
mao
Protocolado n. 151.213/2013
Objeto: representação para controle de constitucionalidade do
art. 32 e do Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 02 de maio de 2012, do
Município de Taubaté.
1. Promova-se a distribuição de ação
direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face
do art. 32 e do Anexo IV
da Lei Complementar nº 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté.
2. Comunique-se o interessado.
São Paulo, 09 de dezembro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
mao