EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 151.213/13

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 32 e Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 2 de maio de 2012, do Município de Taubaté. Ausência de disposição legal estabelecendo as atribuições das funções de confiança, no âmbito da Universidade de Taubaté e do Colégio Unitau - Autarquia Municipal. Incompatibilidade legislativa com o texto constitucional no tocante à exclusividade da função de confiança a ser exercida por servidores de cargo efetivo. Criação indevida de pro-labore. Violação aos arts. 111; 115, I, II e V; 128  e 144 da CE. 1. A ausência de fixação legal das atribuições inerentes ao desempenho das funções de confiança existentes na estrutura administrativa da autarquia municipal ofende a Carta Paulista (arts. 111 e 115, CE), porquanto resta impossibilitada qualquer aferição de seus pressupostos ensejadores, atentando contra a publicidade exigida no Estado Democrático de Direito, além de ser vedada a atribuição de qualquer vantagem descompassada do interesse público e das exigências do serviço. 2. Inconstitucionalidade do art. 32 da Lei Complementar nº 282/2012, pois confere indevidamente “pro-labore” que corresponde à diferença entre o valor de padrão de seu cargo e o da função ao servidor da Autarquia Municipal, em ofensa aos arts. 115, V, e 128 da Carta Bandeirante.

 

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 151.213/13), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 32 e do Anexo IV, ambos da Lei Complementar n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté, pelos seguintes fundamentos:

 

I - DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

 

Editada em 02 de maio de 2012, no Município de Taubaté, a Lei Complementar nº 282 dispõe sobre o Código de Administração da Universidade de Taubaté, Autarquia Municipal, dando também outras providências.

Dentre as disposições contempladas na lei em epígrafe, destacam-se o artigo 32 e o Anexo IV, por meio dos quais a municipalidade instituiu funções de confiança, atribuindo aos servidores “pro-labore” correspondente à diferença entre o valor de padrão do seu cargo efetivo e o da função de confiança para as quais foram nomeados, no âmbito da Universidade de Taubaté e da Escola de Aplicação Dr. Alfredo José Balbi, nos seguintes termos:

“(...)

Art. 32. Os servidores nomeados para as funções de confiança, exceto de magistério, farão jus a um pro-labore que corresponderá à diferença entre o valor de padrão do seu cargo e o da função.

Parágrafo Único. Sobre a diferença prevista no caput deste artigo incidirão as vantagens pessoais do servidor.”

O Anexo IV da Lei Complementar referida institui funções de confiança, destinadas a servidores efetivos, sem, contudo, estabelecer, ou ao menos mencionar, as atribuições correspondentes a cada uma das funções (fls. 07, 08 e 09 do expediente). Vejamos:

ANEXO IV

SUBQUADRO DE FUNÇÕES DE CONFIANÇA

SERVIDORES DA UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ

E DA ESCOLA DE APLICAÇÃO DR. ALFREDO JOSÉ BALBI

G.O.= Grupo Ocupacional (B=Básico; M=Médio; S=Superior)

REF. = Referência Numérica

NUCC = Nível Universitário Compatível com o Cargo

MS/1 a 10 = Padrão de Professor

RP/OC= Registro Profissional ou inscrição em Órgão de Classe

DA UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ

 

 

CARGO

DENOMINAÇÃO

PADRÃO

(G.O./REF.)

ESCOLARIDADE/

REQUISITOS

CONDIÇÃO PARA NOMEAÇÃO

01

Assessor de Articulação entre Ensino, Pesquisa e Extensão

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Assessor de Atividades Culturais e Comunitárias

MS/1 a 10

 

NUCC

Prof. Efetivo

01

Assessor de Atividades de Extensão

MS/1 a 10

 

NUCC

Prof. Efetivo

01

Assessor de Cooperação Universidade-Sociedade

MS/1 a 10

 

NUCC

Prof. Efetivo

01

Assessor de Difusão Cultural e Institucional

MS/1 a 10

 

NUCC

Prof. Efetivo

06

Assessor Técnico de Pró-reitoria

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Chefe da Clínica de Fisioterapia

MS/1 a 10

NUCC + RP/OC

Prof. Efetivo

01

Chefe da Clínica de Nutrição

MS/1 a 10

NUCC + RP/OC

Prof. Efetivo

01

Chefe da Clínica de Odontologia

MS/1 a 10

NUCC + RP/OC

Prof. Efetivo

01

Chefe da Clínica de Psicologia

MS/1 a 10

NUCC + RP/OC

Prof. Efetivo

01

Chefe da Seção de Carpintaria e Marcenaria

M/18

Ensino Fundamental Completo+ 6 meses exp. na respectiva área profissional

Serv. Efetivo

01

Chefe da Seção de Compras

M/22

Ensino Médio Completo

Serv. Efetivo

01

Chefe da Seção de Digitalização

M/18

Ensino Médio Completo

Serv. Efetivo

01

Chefe da Seção de Manutenção de Máquinas e Equipamentos

M/18

Ensino Médio Completo+ 6 meses exp. na respectiva área profissional

Serv. Efetivo

 

 

 

 

 

CARGO

DENOMINAÇÃO

PADRÃO

(G.O./REF.)

ESCOLARIDADE/

REQUISITOS

CONDIÇÃO PARA NOMEAÇÃO

01

Chefe da Seção de Oficina Gráfica

M/18

Ensino Fundamental Completo+ 6 meses exp. na respectiva área profissional

Serv. Efetivo

 

01

Chefe da Seção de Telefonia

M/18

Ensino Fundamental Completo+ 6 meses exp. na respectiva área profissional

Serv. Efetivo

 

20

Chefe de Seção (Administração Geral)

M/18

Ensino Médio Completo

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Apoio Logístico

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Arquivo Geral

 

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Cobrança Administrativa

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Contabilidade

S/23

NUCC + RP/OC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Controle da Arrecadação e da Dívida Ativa

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Controle de Despesas

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Controle Orçamentário

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Custos

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Diplomas

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Documentação Acadêmica

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Elaboração Orçamentária

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Folha de Pagamento

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Materiais

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Matrícula

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Patrimônio

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Prontuários e Documentação

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Recrutamento, Seleção e Treinamento

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

01

Chefe do Serviço de Tesouraria e Documentação Financeira

S/23

NUCC

Serv. Efetivo

 

 

 

CARGO

DENOMINAÇÃO

PADRÃO

(G.O./REF.)

ESCOLARIDADE/

REQUISITOS

CONDIÇÃO PARA NOMEAÇÃO

01

Controlador Interno

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador da Central de Comunicação Social

MS/1 a 10

NUCC + RP/OC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Apoio à Pesquisa

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Apoio à Pós-graduação

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Atendimento ao Estudante e aos Órgãos Estudantis

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Convênios

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Cooperação Internacional

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Educação Básica, Profissional de Nível Médio e Especial

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Ensino de Graduação Presencial

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Formação de Professores para a Educação Básica

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Relações com a Comunidade Externa

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Relações com a Comunidade Interna

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Relações Externas

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Coordenador de Seleção e Supervisão Docente

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Diretor Clínico do Hospital Universitário

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Diretor Técnico do Hospital Universitário

MS/1 a 10

NUCC + RP/OC

Prof. Efetivo

01

Ouvidor

 

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo com 5 anos de exercício no serv. público

01

Superintendente Geral da Rádio e da Televisão Educativa

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

01

Supervisor da Central de Estágios

MS/1 a 10

NUCC

Prof. Efetivo

CARGO

DENOMINAÇÃO

PADRÃO

(G.O./REF.)

ESCOLARIDADE/REQUISITOS

01

Diretor de Educação Infantil (Creche)

S/30

NUCC

01

Diretor de Educação Infantil (Pré-escola)

S/30

NUCC

03

Vice-diretor de Escola de Educação Básica

S/31

NUCC

 

 

Nesse quadro normativo se funda a presente exordial, por meio da qual buscar-se-á demonstrar a inconstitucionalidade das normas apontadas, tendo em vista a contrariedade destas aos preceitos contidos nos artigos 111; 115, I, II e V; 128 e 144 da Constituição Estadual, conforme se passa a expor.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

Os atos normativos indicados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

O artigo 32 e o Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 2 de maio de 2012 são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Bandeirante.

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preenchem os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;

(...)

Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

 

III – Da inconstitucionalidade das FUNÇÕES DE CONFIANÇA PREVISTAS NO ANEXO iv DA lei complementar nº 282/12, do município dE tAUBATÉ, em razão da falta de descrição legal das RESPECTIVAS atribuições.

 

De início, cumpre mencionar ser inconstitucional a instituição de funções de confiança, no âmbito da Universidade de Taubaté, sem a descrição, por meio de lei, das respectivas atribuições.

Na presente situação, a Lei Complementar nº 282, de 2 de maio de 2012, não cuidou de especificar as atribuições de assessoramento, chefia ou direção das funções de confiança, previstas pelo artigo 31, e descritas no Anexo IV da referida lei, as quais não foram, outrossim, detalhadas em legislações supervenientes.

Como é cediço, não basta a lei criar a função ou dar-lhe uma denominação de assessoramento, chefia ou direção, ou, ainda, reputar-lhe exigência de confiança, se não discriminar minimamente em seu bojo suas atribuições, a fim de viabilizar o controle de sua conformidade com as prescrições constitucionais que evidenciam a natureza excepcional do provimento em comissão.

Tendo em vista que a edição da função e seu respectivo detalhamento encontram-se adstritos à reserva legal absoluta ou formal (art. 24, § 2º, 1 e 4, CE/89), a fim de se permitir a aferição dos requisitos impostos pelo texto constitucional quando da sua instituição, a invalidade da disciplina de funções comissionadas resta presente em razão da omissão legislativa atinente à descrição de atribuições de assessoramento, chefia e direção, porquanto conforme explica a doutrina:

“somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

 

Nesse sentido, mutatis mutandis, confira-se o posicionamento deste E. Tribunal de Justiça:

“(...) Por esse motivo é que a jurisprudência sedimentou que a criação, por lei, de cargos de provimento em comissão (na dicção constitucional, "de livre nomeação e exoneração") deve vir acompanhada da descrição das atribuições destes mesmos cargos, também por meio de lei em sentido estrito. A propósito, este Colendo Órgão Especial já decidiu que a descrição das atribuições e responsabilidades do cargo criado é necessária "para que se possa analisar e concluir que foram criados exclusivamente para os casos constitucionalmente permitidos. Não basta denominar os cargos como sendo de diretor, chefe ou assessor para que se abra uma exceção à regra do concurso público e se justifique seu provimento em comissão, pois o que importa não é o rótulo, mas a substância deles, fazendo-se necessário examinar as atribuições a serem exercidas por seus titulares e tais atribuições devem estar definidas na lei (Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 152.958-0/6, rei. Des. Debatin Cardoso, j. 04.03.2009) (...)”. (TJSP, ADI 0391344-43.2010.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Arthur Marques, 20.04.2011, v.u., Data de registro 02.05.2011).

Cumpre rememorar que a edição de funções de confiança, à luz de preceitos insculpidos na Carta Republicana de 1988, não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional. Deve, em respeito ao art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, reproduzido no art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedado o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em certame de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

Conforme doutrina e jurisprudência majoritárias, não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo, emprego ou função pública, mas tão somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção.

Ou seja, a instituição de funções desse jaez somente encontra fundamento legítimo quando alicerçada em atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), às quais se exige relação de confiança, pouco importando a denominação ou forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei.

Portanto, em obediência aos imperativos da Carta Maior, na edição de funções comissionadas se faz necessária a perquirição de sua natureza excepcional amparada no elemento fiduciário, não satisfeito pela mera declaração do legislador quando da atribuição do nome in iuris à função, sendo assaz relevante uma análise do plexo de atribuições das funções públicas.

É dizer: as funções de provimento em comissão são restritas às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança para com os agentes políticos ao desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não se coaduna a edição de funções dessa natureza – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais ordinárias, passíveis de desempenho por quaisquer agentes.

Nesse sentido, remansosa é a jurisprudência que proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, exigindo que elas demonstrem, de forma efetiva, a presença de funções concernentes a assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Vejamos:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

Quando da edição da função de confiança, cumpre ao legislador traçar em seu texto cada uma das atribuições conferidas ao servidor ocupante de tal cargo, vez que a omissão de mandamento neste sentido impossibilita a aferição da presença dos critérios de assessoramento, chefia e direção exigidos pelo constituinte, conduta esta que não pode ser tolerada em um Estado Democrático de Direito, cuja essência resta alicerçada na ampla publicidade de informação, sendo contrários ao seu espírito atos velados, obscuros, sobre os quais resta impossibilitada qualquer espécie de controle:

“(...) 2. Princípio constitucional de maior densidade axiológica e mais elevada estatura sistêmica, a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da República Federativa brasileira. Democracia que, segundo a Constituição Federal, se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do Poder, seja ele político, seja econômico, seja religioso (art. 220 da CF/88). (...)” (ADPF-MC 130. Relator Min. Carlos Britto. Pleno. Julgamento: 27.02.2008)”

Ou seja, a exigência de reserva legal se faz imperiosa em se tratando de funções de confiança, porquanto serve à mensuração da perfeita subsunção da hipótese concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às atribuições de assessoramento, chefia e direção.

É por isso que esse Sodalício exige que a lei descreva as atribuições de cada uma das funções, pois, do contrário, não é possível ao Poder Judiciário e demais legitimados a tal controle sindicar se foram criadas, efetivamente, para as situações constitucionalmente permitidas.

IV – Da inconstitucionalidade dO PRO-LABORE DEcorrente do exercício de FUNÇÃO DE CONFIANÇA prevista no art. 32 da Lei complementar nº 282/12, do município dE TAUBATÉ, POR AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO LEGAL das atribuições ensejadoras de tal VANTAGEM.

Em seu art. 32, acima transcrito, a Lei Complementar nº 282/12 instituiu, na estrutura organizacional da Universidade de Taubaté e do Colégio Unital uma vantagem aos servidores que desempenham as já exaustivamente mencionadas funções de confiança, denominando-a de pro-labore, que corresponderia à diferença entre o valor de padrão do cargo efetivo e o da função.

Ora, malgrado no quadro normativo em tela não haja a prescrição das atribuições das funções ora examinadas, por meio dele o legislador municipal consagrou a possibilidade de determinados servidores exercerem funções de confiança dentro da estrutura administrativa da autarquia municipal, cujos contornos podem ser compreendidos com maior clareza a partir dos precisos apontamentos de José dos Santos Carvalho Filho:

“A Constituição refere-se também às funções de confiança (art. 37, V). Correspondem elas ao exercício de algumas funções específicas por servidores que desfrutam da confiança de seus superiores, os quais, por isso mesmo, percebem certa retribuição adicional para compensar tal especificidade. Retratam, em última análise, modalidade de gratificação, paga em virtude de tipo especial de atribuição, e somente podem ser exercidas por servidores que ocupem cargo efetivo.” (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 664).

Pois bem.

Em que pese a competência da pessoa política para a edição de gratificação voltada ao pagamento de servidor incumbido de função de confiança, imperioso consignar que a forma eleita pelo município para a instituição da vantagem em apreço não observou os ditames constitucionais, conforme se passa a expor.

Quando o administrador prevê em sua estrutura uma função de confiança, o faz em virtude da necessidade de ter ao seu lado servidores de sua fidúcia, vez que tais agentes desempenham tarefas relevantes à Administração e, consequentemente, ao interesse público, de sorte que se mostra razoável a previsão constitucional inserta no art. 37, V da CF, cujo teor foi reproduzido no art. 115, V da CE/89.

No entanto, partindo-se da premissa de que a função de confiança se vincula ao desempenho de tarefas estratégicas e relevantes dentro de uma unidade administrativa, não seria plausível a indicação de qualquer agente público à sua consecução, pois, acaso fosse possível uma indicação a esmo, se imperaria no funcionalismo público um indesejado subjetivismo por parte do dirigente nomeante, que poderia indicar pessoas de sua preferência, ainda que inaptas, para as funções em comento, afastando-se, destarte, do interesse coletivo primário almejado pelos administrados.

Por este motivo é que, a bem do interesse geral, devem existir requisitos mínimos plasmados em ato normativo genérico e abstrato, indicando em seu bojo quais atribuições serão desempenhadas por estes servidores dotados de função de confiança, a fim de que princípios comezinhos à Administração Pública sejam observados, tais como impessoalidade, eficiência e moralidade.

Isso porque, como já se disse, a falta de lei stricto sensu contemplando as atribuições mencionadas impede os órgão legitimados ao controle dos atos administrativos de sindicar a validade da nomeação de determinados agentes, o que não se pode admitir sob nenhuma hipótese em um Estado Democrático, conforme já explanado em tópico anterior quando da menção ao entendimento edificado na jurisprudência do E. STF (ADPF-MC 130. Relator Min. Carlos Britto. Pleno. Julgamento: 27.02.2008)”.

É por esse motivo, portanto, que se visualiza a incompatibilidade dos atos normativos ora vergastados com os preceitos da Carta Bandeirante.

Aliás, na temática concernente à indicação de servidores ao desempenho de funções de confiança dentro da Administração, se faz relevante tecer algumas considerações.

É sabido que em determinados atos administrativos o próprio ordenamento confere ao dirigente a possibilidade de escolher uma opção dentre algumas alternativas postas à sua disposição.

No caso, trata-se dos atos discricionários, nos quais o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade sopesados à luz da situação concreta, procura materializar o ato mais compatível com os anseios da coletividade, havendo, portanto, uma maior margem decisória por parte do dirigente, que não fica vinculado a uma conduta imposta pela lei, como ocorre nos atos vinculados.

Contudo, a referida margem de liberdade conferida ao administrador não pode ser confundida com arbitrariedade. Quando o ordenamento lhe outorga a possibilidade de escolher uma dentre várias soluções possíveis na situação levada à sua apreciação, segundo um exame de conveniência e oportunidade do ato que mais se aproximaria ao interesse geral, o faz estabelecendo limites ao seu poder decisório.

Ou seja, o agente competente ao ato não pode tomar qualquer decisão, se arvorando de um poder soberano que não possuiu, uma vez que está sujeito a tão somente materializar a vontade da Administração que se encontra insculpida nos textos legislativos, como há muito sustenta a doutrina sob a égide da “teoria do órgão” de Otto Gierke e à luz da legalidade pública insculpida no art. 37, caput, da Lei Fundamental de 1988.

Nesse diapasão, sustentar a possibilidade de instituição de função de confiança a esmo, estabelecendo gratificação denominada de pro-labore, a determinado servidor público, sem qualquer menção a suas atribuições, atenta ao espírito constitucional da República, que não tolera condutas obscuras, veladas e descompassadas da vontade popular, sob pena de arrefecimento drástico da força normativa da Constituição, que se reduziria a uma mera carta de papel, como há muito já preconizava Ferdinand Lassalle em seus escritos.

Em vista disso, pelos motivos exaustivamente expostos, invoca-se o presente controle concentrado de constitucionalidade para afastar do ordenamento local o art. 32 e o Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté, devendo este E. Tribunal de Justiça se manifestar pela procedência do pedido em questão.

V – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos dispositivos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se lesão irreparável ou de difícil reparação que incide sobre o erário.

Ademais, resta claramente demonstrado que a mantença das funções gratificadas, sem a descrição de suas respectivas atribuições, atenta a diversos preceitos das Constituições Federal e Estadual.

Na questão em apreço, o perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia das disposições normativas questionadas, subsistirá a sua manutenção. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que as remunerações, subsídios e gratificações dispendidos pela municipalidade com servidores públicos comissionados não serão revertidas ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação, de sorte que com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia dos atos normativos impugnados evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia dos dispositivos impugnados, até final e definitivo julgamento desta ação.

VI – Pedido

Posto isso, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32 e do Anexo IV da Lei Complementar n. 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté.

Pede-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Taubaté, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista para manifestação final.

 

 

Termos em que, pede deferimento.

 

 

São Paulo, 09 de dezembro de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 151.213/2013

Objeto: representação para controle de constitucionalidade do art. 32 e do Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté.

 

 

 

1.     Promova-se a distribuição de ação direta de inconstitucionalidade, instruída com o protocolado incluso, em face do art. 32 e do Anexo IV da Lei Complementar nº 282, de 02 de maio de 2012, do Município de Taubaté.

2.     Comunique-se o interessado.

                  

São Paulo, 09 de dezembro de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

mao