EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 167.838/13
Ementa:
1) Parágrafo único do artigo 125 da Lei Orgânica do Município de Pederneiras. Autorização para que lei m unicipal dispense a licitação quando a concessão de direito real de uso sobre bem imóvel tenha destinatário certo, “havendo interesse público manifesto”.
2) Parágrafo 5º do artigo 5º da Lei Municipal nº 2.903, de 07 de julho de 2011, de Pederneiras. Dispensa de licitação para concessão de direito real de uso de bem imóvel.
3) Impossibilidade de Lei Municipal dispor sobre dispensa de licitação.
4) Violação do princípio da licitação (art. 117 da Constituição Paulista).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda com fundamento no art. 74, inciso VI, e art. 90, inciso III,
da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 167.838, que segue como anexo), vem perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do parágrafo único do artigo
125 da Lei Orgânica do Município de Pederneiras e do parágrafo 5º do artigo 5º
da Lei nº 2.903, de 07 de julho de 2011, do mesmo Município, pelos fundamentos expostos a seguir.
I - DOS ATOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS.
O
artigo 125 da Lei Orgânica do Município de Pederneiras tem a seguinte redação,
com o nosso destaque:
“Art.
125. A concessão de direito real de uso sobre um bem imóvel do Município
dependerá de prévia avaliação, autorização legislativa e licitação.
Parágrafo único – Lei
Municipal poderá dispensar a licitação quando o uso tiver destinatário certo
havendo interesse público manifesto.”
De
outro lado, a Lei nº 2.903, de 07 de julho de 2011, “que dispõe sobre a
alienação de imóveis do Município nos Distritos Industriais, Comerciais e de
Serviços”, no que interessa, assim prescreve, também com o nosso destaque:
“Art.
1º. Fica o Executivo Municipal autorizado a proceder a Permissão de uso de
lotes existentes nos Distritos Industriais, Comerciais e de Serviços do
Município, que ainda não tenham recebido escritura definitiva.
(...)
Art.
3º. O Município bem como a empresa permissionária, poderá, caso haja interesse
público e obedecida a legislação superior a respeito, fracionar as glebas e ou
lotes dos Distritos Industriais, Comerciais e de Serviços, para a respectiva
alienação como incentivo às empresas interessadas em ali se instalarem.
Art.
4º. O pretendente ou a empresa deverá apresentar requerimento dirigido ao
Executivo Municipal, justificando a área ou lote desejados.
Art.
5º. Após o deferimento do requerimento apresentado e devidamente cientificada a
empresa por rescrito do Loteamento, Lote, Quadra e Numeração, deverá no prazo
de 90 (noventa) dias, sob pena de arquivamento do requerimento, apresentar os
seguintes documentos:
(...)
§ 2º
Haverá obrigatoriedade da empresa beneficiária de construir um mínimo de 15%
(quinze por cento) da área alienada, em edificações cobertas, bem como iniciar
a construção das obras num prazo máximo de 06 (seis) meses a contar da data do
termo de permissão de uso que será outorgado pelo Município, sob pena de
revogação da permissão e retomada da área pelo Município
§ 5º Cumpridos os requisitos
dos §§ 2º e 4º, e após os trâmites legais, a empresa beneficiária receberá a
concessão de direito real de uso do bem, ficando dispensada a licitação,
conforme disciplina o art. 125, parágrafo único da Lei Orgânica do Município.
Art.
6º O Executivo no prazo de 5 (cinco) anos, desde que o loteamento esteja livre
e desimpedido de qualquer ônus ou pendência judicial, e que tenha a empresa
cumprido todas as obrigações contidas na presente lei, outorgará à mesma, a
escritura definitiva do imóvel.
(...)”
Concessão
de uso, como anota Hely Lopes Meirelles, é “contrato
administrativo pelo qual o Poder Público atribui a utilização exclusiva de um
bem de seu domínio particular, para que o explore segundo sua destinação
específica. O que caracteriza a concessão de uso e a distingue dos demais
institutos assemelhados – autorização e permissão de uso – é o caráter
contratual e estável da outorga do uso do bem público ao particular, para que o
utilize com exclusividade e nas condições convencionadas com a Administração”
(Direito Administrativo Brasileiro,
33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 529).
O
parágrafo único do artigo 125 da Lei Orgânica do Município e o § 5º do artigo
5º da Lei nº 2.903, de 07 de julho de 2011, de Pederneiras, são verticalmente
incompatíveis com nossa sistemática constitucional, por violação ao princípio constitucional
da licitação, que decorre do art. 117 da Constituição do Estado, aplicável aos
Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.
Com
efeito, dispõe o artigo 117 da Constituição Estadual:
“Art. 117. Ressalvados os casos
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o
qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
É
verdade que o dispositivo constitucional acima transcrito, que reproduz o art. 37,
XXI, da Constituição da República faz ressalva quanto à possibilidade de não
realização de licitação, “nos casos especificados na legislação”.
Entretanto,
cabendo à União legislar a respeito de regras gerais sobre licitação e
contratos da Administração Pública direta e indireta (art. 22, XXVII, da
CR/88), regula a matéria a Lei nº 8.666/93.
As
hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, como é cediço, estão
previstas no art. 24 e no art. 25 da Lei nº 8.666/93, e, quando presentes,
exigem a justificação formal, em processo administrativo, nos termos do
art. 26 da referida lei, a partir de hipóteses de dispensa ou inexigibilidade
previstas na própria Lei de Licitações.
Previsões
contidas em outros diplomas, estaduais ou municipais, no sentido da dispensa ou
inexigibilidade da licitação, calcados, por exemplo, no “interesse público”, ou
na “existência de destinatário certo”, violam o artigo 22, inciso XXVII, da
Constituição da República, configurando invasão da competência normativa da
União para legislar sobre o tema, norma que deve ser obedecida pelos
Municípios, por força do artigo 29 da Constituição Federal e do artigo 144 da
Constituição Estadual.
De
outra banda, tais previsões só podem ser compreendidas e interpretadas, de
forma sistemática, em conjunto com os dispositivos da Lei nº 8.666/93, que
contemplam os casos de dispensa ou inexigibilidade do certame. São apenas essas
hipóteses, da lei federal, que podem configurar o “interesse público”, para
fins de não realização da licitação.
Ao
simplesmente dispensar a licitação para a realização de contrato de concessão
de direito real de uso de bem imóvel com determinada empresa, criando uma
hipótese sui generis de dispensa, o
legislador fere diretamente o próprio princípio da licitação, assente no
ordenamento constitucional.
É o
que anota José Afonso da Silva ao afirmar que “o princípio da licitação significa que essas contratações ficam
sujeitas, como regra, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas
para a Administração Pública. Constitui um princípio instrumental de realização
dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos
eventuais contratantes com o Poder Público” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., São Paulo,
Malheiros, 2007, p. 672).
II - DA LIMINAR.
Estão
presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a
suspensão dos atos normativos hostilizados.
A
razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a
propositura desta ação direta, antes declinados.
Quanto
ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a
presunção de constitucionalidade das leis glosadas nesta ação direta, atos materiais
serão realizados no sentido de concretização de suas previsões normativas,
gerando situações cuja reversão ao status
quo ante, futuramente, será de considerável grau de dificuldade.
As
situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido
da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos,
desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado
de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte
Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Requer-se,
destarte, a concessão da liminar, determinando-se a suspensão da eficácia do parágrafo único do artigo 125 da Lei Orgânica
do Município de Pederneiras e do parágrafo 5º do artigo 5º da Lei nº 2.903, de
07 de julho de 2011, do mesmo Município, até o julgamento definitivo desta
ação.
III - CONCLUSÃO E PEDIDO.
Posto
isso, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação, para que ao
final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade
do parágrafo único do
artigo 125 da Lei Orgânica do Município de Pederneiras e do parágrafo 5º do
artigo 5º da Lei nº 2.903, de 07 de julho de 2011, do mesmo Município.
Requer-se
ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal
de Pederneiras, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado
para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 26 de novembro de
2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao
Protocolado nº 167.838/13
Interessado: Promotoria
de Justiça de Pederneiras
Assunto: Inconstitucionalidade
do parágrafo único do artigo 125 da Lei Orgânica do Município de Pederneiras e
do parágrafo 5º do artigo 5º da Lei nº 2.903, de 07 de julho de 2011, do mesmo
Município.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do parágrafo único do artigo 125 da Lei Orgânica do Município de Pederneiras e do parágrafo 5º do artigo 5º da Lei nº 2.903, de 07 de julho de 2011, do mesmo Município, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 26 de novembro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao