Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado
nº 154.783/07
Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Arts.
131 a 139 da lei complementar n. 66, de 17 de janeiro de 2007 e Lei Complementar
n. 98, de 12 de maio de 2011, do Município de Vinhedo. Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Regularização de loteamentos fechados. uso privativo de
bens públicos de uso comum do povo. Violação à liberdade de circulação. Ausência de razoabilidade e interesse
público. Inobservância de participação comunitária no processo
legislativo. Invasão da esfera normativa alheia sobre direito civil, direito urbanístico e normas gerais de licitação. Alteração da destinação de áreas institucionais,
verdes ou de lazer. 1. A regularização de loteamentos fechados, com uso
privativo de bens públicos a particular, é norma urbanística, e como tal a
aprovação de lei desse jaez depende da participação comunitária em seu
respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89). 2. O fechamento de loteamento, anterior ou posterior, com
autorização para o uso privativo de bens públicos de uso comum do povo, é
restrição incompatível com as funções essenciais da cidade, a limitação à
liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum
do povo (art. 180, I, CE/89). 3. Legislação
carente de interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89): aquele
significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de
uso comum do povo, não se coadunando com a restrição, discriminação
incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça,
bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável. 4. Incompatibilidade da lei local com a repartição constitucional
de competências normativas, a que remete o art. 144 da CE/89, pela invasão em competência
alheia para legislar sobre direito civil e direito urbanístico, não havendo no caso espaço para invocação de interesse local em
face da inexistência de sua predominância, nem para suplementação normativa que
contraria regras federais. 5.
Violação ao art. 144 da CE/89, também patenteada pela restrição à liberdade de
circulação, princípio estabelecido como direito fundamental. 6. Inconstitucionalidade dos arts. 131 a 139 da Lei Complementar n. 66, de
17 de janeiro de 2007, pois: a) não veiculam qualquer das exceções
admissíveis à regra da inalterabilidade da destinação original das áreas
definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais, exceções estas expressamente consentidas no art. 180, VII
da Constituição Estadual; b) violam
o princípio da isonomia que deve pautar a licitação (art. 117, CE/89) e, ainda,
afrontam a competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação,
patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art.
144, CE/89.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei
Complementar n. 98, de 12 de maio de 2011, e, por arrastamento, dos arts. 131 a
139 da Lei Complementar n. 66, de 17 de janeiro de 2007, do Município de
Vinhedo,
pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DOs Atos
Normativos Impugnados
1. A Lei Complementar n. 66, de
17 de janeiro de 2007, do Município de Vinhedo, dispôs sobre o Plano
Diretor Participativo de Vinhedo e deu outras providências, tendo disposto
sobre a regularização dos loteamentos fechados nos seus arts. 131 a 139, cuja
cópia segue abaixo:
2. Posteriormente, em 12 de maio de
2011, no mesmo município, foi editada a Lei
Complementar n. 98, de 12 de maio de 2011, que alterou a redação dos
mencionados dispositivos. Vejamos:
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
3. As
leis municipais impugnadas contrariam frontalmente a Constituição do Estado de
São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a
previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
4.
Os preceitos da
Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios
por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.
5. A legislação impugnada é incompatível com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes
e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 117 - Ressalvados os casos
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão
contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de
condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de
pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o
qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis
à garantia do cumprimento das obrigações.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por
lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e
nesta Constituição.
(...)
Artigo 180 - No estabelecimento de
diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os
Municípios assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II - a participação das respectivas entidades
comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos,
programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
VII - as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados, exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de:
a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão;
b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento;
c) imóveis ocupados por organizações religiosas para suas atividades finalísticas.
§1º - As exceções contempladas nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso VII deste artigo serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação, que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação.
§2º - A compensação de que trata o parágrafo anterior poderá ser dispensada, por ato fundamentado da autoridade municipal competente, desde que nas proximidades da área pública cuja destinação será alterada existam outras áreas públicas que atendam as necessidades da população.
§3º - A exceção contemplada na alínea ‘c’ do inciso VII deste
artigo será permitida desde que a situação das áreas públicas objeto de
alteração da destinação esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a
devida compensação ao Poder Executivo Municipal, conforme diretrizes
estabelecidas em lei municipal específica”.
6. A regulamentação de loteamentos
fechados é norma urbanística e como tal a aprovação de lei que discipline tais
matérias depende da participação comunitária em seu respectivo processo
legislativo. A leitura dos processos legislativos revela que não foi observada
essa importante formalidade essencial - que aquinhoa legitimidade material ao
seu conteúdo – determinada pelo inciso II do art. 180 da Constituição do Estado
de São Paulo sendo, por esse aspecto, incompatível a legislação local impugnada
com esse parâmetro constitucional.
7. Com
efeito, da análise dos Projetos de Lei Complementar nº 9/2006 e nº 6/2011, que
deram ensejo às Leis Complementares n.
98/201 e n. 66/2007, de Vinhedo, se constata não ter havido participação
popular em seu trâmite. Há apenas a informação do Prefeito (fl. 166) afirmando
que houve discussão e participação de diversos setores da comunidade, sem
todavia ter apresentado documentos que o comprovem.
8. Além disso, cerceando a liberdade
de circulação em vias públicas, as leis locais impugnadas colidem frontalmente
com o inciso I do art. 180 da Constituição do Estado (que reproduz o quanto
disposto no art. 182 da Constituição da República) na medida em que suprimem e
embaraçam uma das funções essenciais da cidade, consistente na liberdade de
circulação e de usufruto dos bens públicos de uso comum do povo.
9. Não há, ademais, nas leis
impugnadas, interesse público nem razoabilidade, patenteando-se seu conflito
com o art. 111 da Constituição Estadual. O interesse público, ao contrário da
providência legislativa adotada, é a garantia do livre acesso e do irrestrito
gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição
instituída nas leis que não tem razoabilidade alguma, uma vez que não possuem
racionalidade, justiça, bom senso, pois, não se deve olvidar que vias e praças, espaços
livres e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos,
passam a integrar o patrimônio público municipal pelo registro do loteamento.
10. Não bastasse a incompatibilidade da
legislação local impugnada com os arts. 111 e 180, I e II, da Constituição
Estadual, ela padece de inconstitucionalidade por outros relevantes motivos.
11. As leis locais vergastadas instituem contenção
do uso e gozo de bens públicos de uso comum do povo, redutora da liberdade de
circulação de bens e pessoas e do desfrute desse patrimônio, contrastando com o
art. 144 da Constituição Estadual, norma que
determina a observância da Constituição Federal e da Constituição Estadual
pelos Municípios no exercício de sua autonomia, reproduzindo o caput do art. 29 da Constituição
Federal.
12. O
art. 144 da Constituição Estadual impondo a observância na esfera municipal,
além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição
Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que,
para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as
disposições constantes da Constituição Federal”, como decidiu o Supremo
Tribunal Federal ao admitir o controle concentrado de constitucionalidade de
lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes,
31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello,
18-10-2010, DJe 26-10-2010). Isso, ademais, é corroborado pelo art. 297, in fine, da Constituição Estadual, in verbis:
“Artigo 297 - São também aplicáveis no Estado,
no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o
corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da
Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não
contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.
13. Destarte, é possível examinar os
preceitos legais municipais impugnados à luz das normas constitucionais
centrais, viabilizando por força da mencionada norma remissiva o seu contraste
com a repartição constitucional de competências legislativas inerentes ao
princípio federativo, em especial os arts. 22, I e 24, I, da Constituição
Federal.
14.
A regulamentação de
loteamentos fechados é matéria inerente aos direitos civil e urbanístico, sobre
os quais o Município não detém competência normativa, não havendo espaço para
invocação de interesse local por não haver sua predominância nem para
suplementação normativa que contraria regras federais.
16. Nos arts. 22, I, e 24, I, da Constituição Federal, o constituinte reservou a disciplina do direito civil à competência normativa privativa da União, enquanto que o direito urbanístico foi inserido no rol de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal.
16. Diante desse quadro, a autonomia municipal legislativa só poderia ser exercida diante da pertinência da matéria para o interesse local e, mutuamente, da oportunidade de suplementar a legislação federal e estadual, quanto às normas de direito urbanístico.
17. Segundo José dos Santos Carvalho Filho, em matéria de urbanismo, a competência do ente municipal reside da seguinte forma:
“1ª)
Suplementar a legislação federal e estadual urbanística, quando couber (art.
30, II);
2ª) promoção
do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso,
do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII);
3ª)
estabelecimento da política de desenvolvimento urbano, observadas as regras de
lei federal (art. 182, caput);
4ª)
elaboração do plano diretor, obrigatório para cidades de mais de vinte mil
habitantes (art. 182, §1º);
5ª)
exigibilidade, em face de proprietários do solo urbano, de adequação de sua
propriedade imobiliária ao plano diretor da cidade (art. 182, §4º);
6ª) aplicação das medidas punitivas de parcelamento e
edificação compulsórios; IPTU progressivo no tempo; e desapropriação
urbanística sancionatória (art. 182, §4º, I a III) (José dos Santos Carvalho
Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro:
2011, p. 17)”.
18. Reconhecida
a instituição de loteamento fechado como matéria inerente às searas civilista e
urbanística, a primeira conclusão é no sentido de que o Município não detém
competência normativa para legislar sobre o instituto apontado, porquanto se as
regras de direito civil são de competência privativa da União, não há espaço
sequer para suplementação. Nesse sentido,
colaciona-se voto do saudoso Min. Moreira Alves, relator do RE 227.384/SP:
“Ora, em se tratando de competência privativa da União, e
competência essa que não pode ser exercida pelos Estados se não houver lei
complementar – que não existe – que a autorize a legislar sobre questões
específicas dessa matéria (artigo 22 da Constituição), não há como pretender-se
que a competência suplementar dos Municípios prevista no inciso II do artigo
30, com base na expressa vaga aí constante “no que couber” se possa exercitar
para a suplementação dessa legislação da competência privativa da União
(...)”.
19. Ademais,
cumpre rememorar que o município também não poderia se amparar no inciso II do
art. 30 da CF para produzir a lei vergastada, por razões bastante claras.
Primeiro, porque a competência legislativa suplementar só se realiza diante do
interesse local e, por óbvio, este interesse é avesso à restrição da liberdade
de circulação, à utilização restrita e parcial de bens públicos de uso comum,
sendo, portanto, diametralmente oposto ao fechamento de áreas livres e as vias
de circulação.
20. José
dos Santos Carvalho Filho, frise-se, acrescentaria um outro motivo, qual seja,
a inexistência de lei federal que viabilizasse a suplementação normativa
municipal. Os loteamentos fechados têm buscado amparo na Lei Federal n.
4.591/64, alterada pela Lei Federal n. 4.864/65, referente ao condomínio em
edificações e às incorporações imobiliárias.
21. Ocorre
que esse regramento é incompatível com a disciplina voltada ao parcelamento do
solo urbano, haja vista a incongruência lógica de se “condominializar” lotes
que nasceram individuais - ao menos não enquanto o Congresso Nacional não tomar
providências para disciplinar as regras gerais dessa matéria.
“A Lei de Condomínio só se impõe se a
hipótese considerada consubstanciar uma edificação. Não se presta, portanto
para fundamentar a formação dos chamados loteamentos em condomínio ou seja lá o
nome que tenham, onde não se tem qualquer edificação. Nessas urbanizações, o
condomínio incidiria sobre gleba nua, daí a insubmissão desses loteamentos à
lei federal que regula a copropriedade em edifícios. Tanto é assim que a sua ementa,
como a fixar os limites de sua aplicabilidade, enuncia que dispõe sobre o
condomínio em edificações e (...) (Diogenes Gasparini, RDP, n. 68, p.317)”.
22. Destarte,
conclui-se que o Município de Vinhedo exorbitou os limites de sua autonomia
normativa outorgada pelo Constituinte Originário de 1988, na medida em que se
imiscuiu em competência alheia quando disciplinou instituto de cunho civilista
e urbanístico, atentando, por conseguinte, ao princípio federativo, cláusula
pétrea expressa no art. 60, §4º, I, da Constituição Federal.
23. Portanto,
é patente a ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual, o qual preconiza que
no âmbito municipal também incidem os princípios estabelecidos na Constituição
Federal, considerada norma remissiva que, no caso, incorpora o princípio
federativo que se articula na repartição constitucional de competências e que
inscreve o direito civil na esfera de competência normativa privativa da União
e o direito urbanístico na competência normativa concorrente entre a União e os
Estados-membros (arts. 22, I e 24, I, CF/88).
24.
O Supremo Tribunal Federal
examinando questão similar assim se pronunciou:
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE
1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA
SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE
MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS
QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO.
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito
Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da
Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito
Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é
obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato
do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de
propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições,
pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É
incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às
‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na
medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.
1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
25.
Gizado nesse venerando aresto
que:
“(...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito
que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...) 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum”.
26. Essas
premissas têm inteira pertinência com o caso exposto. A liberdade de
circulação, posta em relevo nesse paradigma, é princípio estabelecido na
Constituição Federal e, portanto, é condiciona a autonomia municipal por conta
da remissão contida no art. 144 da Constituição Estadual, de tal sorte que
afrontado o direito fundamental à liberdade tal como previsto no art. 5º, caput e seu inciso XV da Carta Magna.
27.
Específico precedente neste
colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
censura a instituição de loteamento fechado, como se constata da ementa do
seguinte aresto:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL
QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS
SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE
INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO
NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS
RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO
SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA -
O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO
FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO
DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI
9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).
28. Em relação aos
arts. 131 a 139 da Lei Complementar n.
66, de 17 de janeiro de 2007, do Município de Vinhedo, além de apresentarem
todas as inconstitucionalidades anteriormente apontadas, outros fundamentos
também conduzem à necessidade da sua extirpação do ordenamento jurídico.
29. Os arts. 131 a 139 da LC 66/07, em
sua redação original, contrariam o art. 180, VII da Constituição Estadual, pois
não veiculam qualquer das exceções admissíveis à regra da inalterabilidade da
destinação original das áreas definidas em projetos de loteamento como áreas
verdes ou institucionais, pois, não espelham loteamentos, cujas áreas verdes ou
institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais
de interesse social destinados à população de baixa renda, e cuja situação
esteja consolidada ou seja de difícil reversão, nem equipamentos públicos
implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente
previstos quando da aprovação do loteamento– e cuja compensação prevista destoa
do § 1º do art. 180 da Constituição do Estado de São Paulo.
30. Predica
a Constituição Estadual no tocante ao desenvolvimento urbano o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus
habitantes. A dotação de áreas verdes ou institucionais no parcelamento do solo
objetiva exatamente atender essa diretriz normativa, sendo reforçada, ademais,
com a exigência de criação e manutenção de áreas de especial interesse
urbanístico e ambiental. Não bastasse, quando a Constituição Estadual
excepcionalmente dispensa a alteração de áreas verdes ou institucionais,
subordina-a às situações taxativamente descritas nas alíneas do inciso VII do
art. 180, e nenhuma delas se encontra presente nas disposições dos arts. 131 a
139 da LC 66/07.
31. A
LC n. 66/2007 incide em outro vício de constitucionalidade, no que tange aos
seus arts. 133 e 134. Mencionados dispositivos estabelecem que a desafetação
das áreas institucionais objeto de compensação para fins de alienação pelo
Poder Público Municipal será realizada através de licitação, na qual o
Loteamento terá preferência na aquisição da área institucional.
32. A
licitação “é um procedimento que visa à satisfação do interesse público,
pautando-se pelo princípio da isonomia. Seu fundamento, bem assim o dos
concursos públicos, encontra-se no princípio republicano. Dele decorre, na
abolição de quaisquer privilégios, a garantia formal da igualdade de
oportunidade de acesso de todos, não só às contratações que pretenda a
Administração avençar, mas também aos cargos e funções públicas. Daí porque a
escolha do licitante com o qual a Administração há de contratar deve ser, na
República, a melhor escolha ou a escolha do melhor contratante.” (Cf. Eros
Roberto Grau, “A Ordem Econômica na Constituição de 1988”, Malheiros, São
Paulo, 1998, 4.ª edição, p. 135)
33. Não
é por outro motivo, aliás, que a Lei n.º 8.666/96, no seu art. 3.º, “caput”,
prevê que “a licitação destina-se a garantir a observância do princípio
constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a
Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os
princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da
igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao
instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são
correlatos”.
34. Em
simetria com a Lei Maior e o Estatuto Federal de Licitações, a Constituição do
Estado, no seu art. 117, “caput”, também resguarda no processo de licitação
pública a igualdade de condições a
todos os concorrentes. Assim, ao assegurar direito de preferência ao
Loteamento, o legislador municipal desarrazoadamente estabeleceu vantagem que
afronta o princípio da isonomia que deve pautar os processos licitatórios.
35. De
outra parte, o disposto nos arts. 133 e 134 da LC n. 66/2007 também afronta a
competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato
administrativo (arts. 22, XXVII e 37, XXI Constituição Federal), patenteando,
novamente, ofensa à competência normativa alheia, sindicável por força do art.
144 da Constituição Estadual. O interesse local não pode
ser invocado para contrariar normas gerais de licitação e contratação,
instituídas pela União (cf. art. 22, XXVII, CF).
36. Por
todas essas razões, revela-se cristalina a inconstitucionalidade dos arts. 131
a 139 da LC n. 66/2007.
37. Dessa
forma, requer-se a declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 98, de 12 de maio de 2011, do Município de Vinhedo, bem como dos arts. 131 a 139 da Lei Complementar n. 66, de 17 de janeiro de
2007, por arrastamento, pois além de apresentar os mesmos vícios da LC
n. 98/2011, afrontam também os arts. 117 e 180, VII da Constituição Estadual e
os arts. 22, XXVII e 37, XXI da Constituição Federal.
III – Pedido liminar
38. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura da lei apontada como violadora de princípios e
regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo pelo agravo à liberdade de
acesso e fruição a bens públicos de uso comum do povo.
39. À luz desta contextura, requer a
concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento
desta ação, da Lei Complementar n. 98,
de 12 de maio de 2011, e, por arrastamento, dos arts. 131 a 139 da Lei Complementar
n. 66, de 17 de janeiro de 2007, do Município de Vinhedo.
IV – Pedido
40. Face ao exposto, requerendo o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 98, de 12 de maio de 2011, e, por arrastamento,
dos arts. 131 a 139 da Lei Complementar n. 66, de 17 de janeiro de 2007, do Município
de Vinhedo.
41. Requer-se
ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Vinhedo,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São
Paulo, 19 de março de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
wpmj/mam
Protocolado n. 154.783/07
Interessado: Centro
de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio AMbiente
1.
Distribua-se a
petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar n. 98, de 12 de maio de 2011, e,
por arrastamento, dos arts. 131 a 139 da Lei Complementar n. 66, de 17 de
janeiro de 2007, do Município de Vinhedo,
junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2.
Oficie-se ao
interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição
inicial.
São Paulo, 19 de março de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
wpmj/mam