Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 100.432/2011

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei complementar n. 2.462, de 13 de julho de 2011, do Município de Ribeirão Preto. Regulamentação de loteamentos fechados. Ausência de participação comunitária. Permissão de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo. Violação à liberdade de circulação. Ausência de razoabilidade e interesse público. Invasão da esfera normativa alheia sobre direito civil, direito urbanístico e normas gerais de licitação e contratação pública. Violação à liberdade de associação. Desvinculação do Plano Diretor. 1. Lei inconstitucional por não ter sido assegurada a participação comunitária em seu respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89). 2. O fechamento de loteamentos com outorga de uso privativo de bens públicos de uso comum do povo, é restrição incompatível com as funções essenciais da cidade, a limitação à liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum do povo (art. 180, I, CE/89). 3. Legislação a que falta interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89): aquele significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição, discriminação incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça, bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável. 4 Lei local eivada de vício de competência legislativa, devido à usurpação da competência legislativa da União para legislar privativamente sobre direito civil e prever normas gerais sobre direito urbanístico (arts. 22, I, e 24, I, CF/88 c.c. art. 144, CE/89). 5. Violação ao art. 144, CE/89, patenteada pela restrição à liberdade de circulação, princípio estabelecido como direito fundamental. 6. Ofensa à liberdade de associação, a qual pressupõe autonomia de vontade para se associar, permanecer e se retirar quando lhe aprouver (art. 5º, XX, CF/88 c.c. art. 144, CE/89).  7. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 8. Exceção à regra da licitação ao favorecer particular como permissionário de uso privativo de bens públicos que não se investiu nessa qualidade a partir de processo seletivo objetivo, público e imparcial, o que significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art. 144, CE/89.

 

 

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n. 2.462, de 13 de julho de 2011, do Município de Ribeirão Preto, (e, por arrastamento, dos Decretos n. 116/13, n. 207/14, n. 211/14 e n. 228/14) pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

                   A Lei Complementar n. 2.462, de 13 de julho de 2011, do Município de Ribeirão Preto, que dispõe sobre a regularização de loteamentos fechados naquele Município, tem a seguinte redação, vejamos:

“DISPÕE SOBRE A REGULARIZAÇÃO DE LOTEAMENTOS FECHADOS NO MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. 

Faço saber que a Câmara Municipal aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 169/2011, de autoria do Executivo Municipal e eu promulgo a seguinte lei: 

Artigo 1º - Os loteamentos que, na data da publicação desta lei, comprovadamente, já estiverem fechados no seu todo ou em parte, por muro ou outro elemento de vedação de acesso, poderão ter seu fechamento regularizado desde que: 

I - já estivessem regularmente aprovados pelos órgãos públicos e registrados no Cartório de Registro de Imóveis; 

 

II - seja providenciada, previamente, a regularização do parcelamento do solo, caso se trate de loteamento irregular; 

 

III - o fechamento não obstrua ou interfira no trânsito de ruas ou avenidas que façam ligação com outros loteamentos ou outras vias; e nem cause o isolamento de propriedades vizinhas, que tenham acesso unicamente pelas vias do loteamento em questão, exceto se promovida a adequação do sistema viário sem ônus para o município; 

 

IV - seja previamente constituída pessoa jurídica, na modalidade associação civil sem fins lucrativos, que represente, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) dos proprietários de lotes e, que esta comprove, previamente, que convocou, de forma expressa, todos os proprietários de lotes para participarem de assembleia com finalidade específica para deliberação quanto ao fechamento do loteamento, e que houve aprovação de, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) mais um dos presentes na assembleia;

 

V - a Associação de Proprietários responsabilize-se pela manutenção dos bens e execução dos serviços públicos na área fechada; 

 

VI - no prazo máximo de 2 (dois) anos, após a publicação desta lei, a Associação de Proprietários protocole junto à Prefeitura Municipal, pedido de regularização de fechamento, que deverá ser instruído com cópia de Ata de Assembléia cuja pauta específica seja a deliberação dos proprietários pelo fechamento, nos termos do inciso

IV, além dos seguintes documentos: 

a) planta da área a ter seu fechamento regularizado, com indicação de suas divisas e confrontantes, das áreas verdes e de lazer e das vias públicas, bem como de todos os lotes existentes dentro do perímetro fechado, nos moldes dos projetos urbanísticos dos loteamentos; 

b) identificação completa de cada um dos proprietários, bem como o número de inscrição do respectivo imóvel no cadastro imobiliário municipal; 

c) memorial descritivo da área a ser fechada; 

d) prova da constituição de entidade jurídica representante dos proprietários da área em questão; 

e) comprovação de que o loteamento já estava fechado, quando da publicação da presente lei. 

Artigo 2º - Quando da regularização do fechamento, as áreas verdes e de lazer, as vias de circulação fechadas e, excepcionalmente, as áreas institucionais, serão objeto de permissão de uso por tempo indeterminado à Associação de Proprietários a qual ficará responsável pela manutenção das mesmas e pelos serviços a serem prestados conforme disposto no artigo 6º desta lei. 

§ 1º - A permissão de uso outorgada e o fechamento da área poderão ser revogados a qualquer momento pela Prefeitura Municipal, se houver interesse público, sem implicar em qualquer ressarcimento ou gerar indenização, seja a que título for. 

 

§ 2º - Havendo indeferimento do pedido para regularização do fechamento de loteamento, o ato deverá ser motivado e fundamentado de acordo com razões técnicas apontadas pelos órgãos competentes. 

Artigo 3º - Fica a Prefeitura Municipal autorizada a outorgar o uso de que trata o artigo 2º, por meio de permissão, nos seguintes termos: 

I - a permissão de uso será outorgada à Associação de Proprietários, que represente, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) dos proprietários de lotes, ficando dispensada a licitação; 

II - a permissão de uso e a aprovação do loteamento serão formalizadas por decreto do Poder Executivo; 

 

III - a outorga da permissão de uso deverá constar do registro do loteamento no Cartório de Registro de Imóveis; 

 

IV - no decreto de outorga da permissão de uso deverão constar todos os encargos relativos à manutenção e à conservação dos bens públicos em causa; 

V - deverá constar do mesmo decreto, que qualquer outra utilização das áreas públicas somente poderá ocorrer se houver objeto de autorização específica da Administração Direta ou Indireta da Prefeitura Municipal, através do órgão competente. 

Artigo 4º - Para fins de regularização do fechamento de loteamento, quando for possível, no mínimo 50% (cinquenta por cento) do sistema de áreas verdes e de lazer deverá ficar externamente à área fechada e contígua a mesma. 

Parágrafo Único - Quando não for possível o atendimento ao “caput” deste artigo, será admitida porcentagem menor ou mesmo a dispensa de área verde externa, a critério do órgão municipal competente. 

Artigo 5º - Na regularização do loteamento fechado, preferencialmente, as áreas institucionais deverão se situar externamente ao perímetro fechado, podendo ser autorizada a localização interna por deliberação técnica fundamentada do órgão municipal competente, mediante contrato de permissão de uso, ficando sua manutenção e limpeza sob responsabilidade da Associação dos Proprietários, até que a Prefeitura Municipal nelas implante equipamentos institucionais.

 

Parágrafo Único - Não serão admitidas construções e ou arborização nas áreas institucionais sem prévia autorização do órgão municipal competente, tampouco qualquer benfeitoria que altere sua destinação. 

Artigo 6º - Será de inteira responsabilidade da Associação de Proprietários a obrigação de desempenhar, dentre outros: 

 

I - os serviços de manutenção das árvores e poda, quando necessário;

 

II - a manutenção e conservação das vias públicas de circulação, do calçamento e da sinalização de trânsito; 

III - a coleta e remoção de lixo domiciliar internamente à área fechada, o qual deverá ser depositado na portaria onde houver recolhimento da coleta pública; 

 

IV - limpeza das vias públicas; 

 

V - prevenção de sinistros;

 

VI - manutenção e conservação da rede de iluminação pública que seja da responsabilidade da Prefeitura Municipal; 

 

VII - outros serviços que se fizerem necessários; 

VIII - garantir a ação e acesso livres e desimpedidos das autoridades e entidades públicas que zelam pela segurança e bem estar da população.

§ 1º - Os serviços de manutenção da área pública fechada deverão ser identificados por Termo de Compromisso firmado pela Associação dos Proprietários, onde identificar-se-ão todos os detalhes técnicos e operacionais dos serviços a serem executados, antes do decreto de regularização do loteamento fechado. 

§ 2º - Eventuais obras de melhoria a serem executadas nos espaços públicos internos à área fechada deverão ser precedidas de solicitação de licença, por parte da Associação de Proprietários, mediante ofício ao órgão municipal competente, acompanhado dos projetos técnicos e memorial descritivo, devendo o referido órgão, no caso de deferimento, indicar um engenheiro fiscal para o acompanhamento da execução de tais obras. 

§ 3º - A implantação e manutenção de paisagismo e melhorias em geral das áreas verdes e de lazer, sob responsabilidade da Associação de Proprietários, deverão ser submetidas à prévia aprovação e fiscalização da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. 

 

Artigo 7º - Caberá à Prefeitura Municipal a responsabilidade pela determinação, aprovação e fiscalização das obras de manutenção dos bens públicos. 

Artigo 8º - Quando a Associação de Proprietários se omitir na prestação desses serviços e/ou houver desvirtuamento da utilização das áreas públicas, a Prefeitura Municipal assumi-los-á, determinando o seguinte: 

I - cassação da permissão de uso dos bens públicos e da aprovação do fechamento do loteamento; 

II - pagamento de multa correspondente a 1 (uma) UFESP por metro quadrado, aplicável a cada proprietário de lote pertencente ao loteamento fechado. 

Parágrafo Único - A retirada de benfeitorias, tais como fechamentos, portarias e outros, será de responsabilidade dos proprietários e correrão às suas expensas. Se os serviços não forem executados nos prazos determinados pela Prefeitura, esta os realizará e cobrará as despesas da Associação dos Proprietários, podendo inscrever os valores devidos em dívida ativa, se houver inadimplência. 

Artigo 9º - O acesso de pedestres ou condutores de veículos não residentes nas respectivas áreas fechadas deve ser garantido mediante simples identificação, não podendo ocorrer restrição à entrada e circulação.

 

Parágrafo Único - Para fins de identificação dos entrantes, a Associação de Proprietários poderá construir guaritas nas entradas do loteamento fechado, desde que dentro do alinhamento dos muros. 

Artigo 10 - As despesas do fechamento do loteamento, bem como toda a sinalização que vier a ser necessária em virtude de sua implantação, serão de responsabilidade da Associação Proprietários. 

Artigo 11 - As disposições construtivas e os parâmetros de ocupação do solo a serem observados para edificações nos lotes de terrenos deverão atender às exigências definidas pela Lei Complementar nº 2157/2007 e pelo Código de Obras, no que couber, especialmente no que se refere à zona de uso onde o loteamento estiver localizado. 

Artigo 12 - Após a publicação do decreto de outorga de permissão de uso, a utilização das áreas públicas internas do loteamento, respeitados os dispositivos legais vigentes e encargos da permissão de uso, poderão ser objeto de regulamentação própria pela entidade representada pela Associação de Proprietários, enquanto perdurar a citada permissão de uso. 

Parágrafo Único - A fim de dar a devida publicidade ao Regulamento Interno do Uso dos Bens Públicos, para que todos os futuros adquirentes, nas alienações, ou credores, na constituição de direitos reais sobre esses lotes, possam tomar conhecimento das obrigações assumidas pelos proprietários, a Associação deverá providenciar, com base no disposto na parte final do art. 246 da Lei dos Registros Públicos, a averbação do Regulamento na matrícula do Serviço de Registro Imobiliário onde o loteamento foi registrado.

 

Artigo 13 - Quando da descaracterização do loteamento fechado com abertura ao uso público das áreas objeto de permissão de uso, as mesmas reintegrarão automaticamente o sistema viário e o sistema de áreas verdes e de lazer do Município, bem como as benfeitorias nelas executadas, sem qualquer ônus à Municipalidade, sendo que a responsabilidade pela retirada do muro de fechamento e pelos encargos decorrentes será da Associação dos Proprietários. 

 

Parágrafo Único - Se por razões urbanísticas for necessário intervir nos espaços públicos sobre os quais incide a permissão de uso segundo esta lei, não caberá à Associação dos Proprietários qualquer indenização ou ressarcimento por benfeitorias eventualmente afetadas. 

 

Artigo 14 - As Associações de Proprietários terão a obrigação de afixar em lugar visível, na(s) entrada(s) do loteamento fechado, placa(s) com os seguintes dizeres: 

(denominação do loteamento)

 

PERMISSÃO DE USO REGULAMENTADA PELO DECRETO (nº e data) NOS TERMOS DA LEI MUNICIPAL (nº e ano) OUTORGADA À (razão social da associação, nº do CGC e/ou Inscrição Municipal). 

Artigo 15 - Fica expressamente declarada a aplicação subsidiária da Lei Complementar Municipal nº 2157/2007, ou a que vier a substituí-la, no que couber. 

 

Artigo 16 - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

               Com efeito, para outorga da permissão contida no diploma normativo, foram editados os Decretos n. 116/13, n. 207/14, n. 211/14 e n. 228/14.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

                   A lei municipal impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

                   Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

Aludido dispositivo da Constituição Paulista, ao condicionar a autonomia municipal, consiste em norma constitucional remissiva à Constituição Federal, e que incorpora- não bastasse a observância obrigatória da própria norma constitucional central- a repartição de competências administrativas e legislativas delineada pela Constituição Federal de 1988, de tal sorte a admitir o contencioso estadual ou municipal pelo confronto direto e frontal com a norma remissiva adotada pela Constituição Estadual, conforme decidido pelo E. STF, in verbis:

“1. Agravo regimental em reclamação constitucional. 2. Competência dos tribunais de justiça estaduais para exercer controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais contestados em face de constituição estadual. 3. Legitimidade da invocação, como referência paradigmática para controle concentrado de constitucionalidade de leis ou atos normativos municipais/estaduais, de cláusula de caráter remissivo que, inscrita na Constituição estadual, remete a norma constante da própria Constituição Federal, incorporando-a, formalmente, ao ordenamento constitucional do Estado-membro. 4. Invocação de paradigma. Reclamação 7.396. Processo de caráter subjetivo. Efeitos restritos às partes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STF, AgR-Rcl 10.406-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 26-08-2014, v.u., DJe 16-09-2014). - g.n.

“RECLAMAÇÃO. A QUESTÃO DA PARAMETRICIDADE DAS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS, DE CARÁTER REMISSIVO, PARA FINS DE CONTROLE CONCENTRADO, NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL, DE LEIS E ATOS NORMATIVOS ESTADUAIS E/OU MUNICIPAIS CONTESTADOS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. RECLAMAÇÃO A QUE SE NEGA SEGUIMENTO.

- Revela-se legítimo invocar, como referência paradigmática, para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais e/ou municipais, cláusula de caráter remissivo, que, inscrita na Constituição Estadual, remete, diretamente, às regras normativas constantes da própria Constituição Federal, assim incorporando-as, formalmente, mediante referida técnica de remissão, ao plano do ordenamento constitucional do Estado-membro.

Com a técnica de remissão normativa, o Estado-membro confere parametricidade às normas, que, embora constantes da Constituição Federal, passam a compor, formalmente, em razão da expressa referência a elas feita, o ‘corpus’ constitucional dessa unidade política da Federação, o que torna possível erigir-se a própria norma constitucional estadual, de conteúdo remissivo, à condição de parâmetro de confronto, para os fins a que se refere o art. 125, § 2º da Constituição da República. Doutrina. Precedentes” (STF, Rcl 2.462-RJ, Rel. Min. Celso de Mello, 30-04-2015, DJe 06-05-2014). – g.n.

                   A legislação impugnada é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

 

“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 117 - Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Parágrafo único - É vedada à administração pública direta e indireta, inclusive fundações instituídas ou mantidas pelo Poder Público a contratação de serviços e obras de empresas que não atendam às normas relativas à saúde e segurança no trabalho.

(...)

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

(...)

Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Artigo 181 - Lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§ 1º - Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal”.

 

A –  DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL

 

                   A lei impugnada, que dispõe sobre regularização de loteamentos fechados, é norma urbanística e como tal a aprovação de lei que discipline tais matérias depende da participação comunitária em seu respectivo processo legislativo.

                   No caso, não foi observada esta importante formalidade essencial - que aquinhoa legitimidade material ao seu conteúdo – determinada pelo inciso II do art. 180 da Constituição do Estado de São Paulo que reproduz o art. 29, XII, da Constituição Federal – como se verifica da análise do processo legislativo que deu ensejo à Lei Complementar n. 2.462/11, do Município de Ribeirão Preto.

                   O dispositivo constitucional parâmetro do controle de constitucionalidade da lei municipal em foco nesta sede assegura a participação da população em todas as matérias atinentes ao desenvolvimento urbano e ao meio ambiente, inclusive nos anteprojetos e projetos de lei, e, são reiteradamente prestigiados pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).

 “Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).

E, ainda:

“A participação popular na criação de leis versando política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Ela deve ser assegurada não apenas de forma indireta e genérica no ordenamento normativo do Município, mas especialmente na elaboração de cada lei que venha a causar sério impacto na vida da comunidade.” (ADIN n. 0052634-90.2011.8.26.0000 – rel. Elliot Akel – d. j. 27.02.13).

                   A democracia participativa decorrente do art. 180, II, da Constituição Estadual, alcança a elaboração da lei antes e durante o trâmite de seu processo legislativo até o estágio final de sua produção. Ela permite que a população participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de vida e os usos urbanísticos.

Nesse sentido, verbis:

“Por conseguinte, será forçoso reconhecer que, diante das normas disciplinadoras do Estatuto, não há mais espaço para falar em processo impositivo (ou vertical) de urbanização, de caráter unilateral e autoritário e, em consequência, sem qualquer respeito às manifestações populares coletivas. Em outras palavras, abandona-se o velho hábito de disciplinar a cidade por regulamentos exclusivos e unilaterais do Poder Público. Hoje as autoridade governamentais, sobretudo as do Município, sujeitam-se ao dever jurídico de convocar as populações e, por isso, não mais lhe fica assegurada apenas a faculdade jurídica de implementar a participação popular no extenso e contínuo processo de planejamento urbanístico” (José dos Santos Carvalho Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro: 2011, p. 298) – g.n..

                  

                   Além da inobservância da devida participação comunitária no processo legislativo, a legislação impugnada não se atém aos limites do interesse local, círculo da competência normativa dos Municípios, incompatibilizando-se com o princípio federativo que impõe a observância das balizas constitucionais destinadas a delimitar as competências legislativas dos entes federativos, sob pena de atentar ao princípio federativo, e cuja sindicância é viável nesta via por caracterizar-se ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual.

                   Com efeito, o texto normativo impugnado contrasta com o art. 144 da Constituição Estadual, norma que determina a observância da Constituição Federal e da Constituição Estadual pelos Municípios no exercício de sua autonomia, reproduzindo o caput do art. 29 da Constituição Federal.

                   O art. 144 da Constituição Estadual impondo a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Destarte, é possível examinar o preceito legal municipal impugnado à luz das normas constitucionais centrais, viabilizando por força da mencionada norma remissiva o seu contraste com a repartição constitucional de competências legislativas inerentes ao princípio federativo. Conforme os arts. 22, I, e 24, I, da Constituição Federal, reservou-se a disciplina normativa do direito civil à competência privativa da União, enquanto que o direito urbanístico foi inserido no rol de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal.

Diante desse quadro, ao Município caberia exercer a sua autonomia legislativa tão-somente se presente interesse local na matéria urbanística a ser regulada e, ainda, em conformidade com o arcabouço normativo nacional e estadual já existentes sobre o tema.

         Segundo José dos Santos Carvalho Filho, em matéria de urbanismo, a competência do ente municipal consiste em, verbis:

“1ª) suplementar a legislação federal e estadual urbanística, quando couber (art. 30, II);

2ª) promoção do adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII);

3ª) estabelecimento da política de desenvolvimento urbano, observadas as regras de lei federal (art. 182, caput);

4ª) elaboração do plano diretor, obrigatório para cidades de mais de vinte mil habitantes (art. 182, §1º);

5ª) exigibilidade, em face de proprietários do solo urbano, de adequação de sua propriedade imobiliária ao plano diretor da cidade (art. 182, §4º);

6ª) aplicação das medidas punitivas de parcelamento e edificação compulsórios; IPTU progressivo no tempo; e desapropriação urbanística sancionatória (art. 182, §4º, I a III)” (José dos Santos Carvalho Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro: 2011, p. 17).

Reconhecida a regulamentação de loteamento fechado como matéria inerente aos direitos civil e urbanístico, conclui-se que o Município não detém competência normativa, pois, estando a matéria inserida no âmbito do direito civil, de competência privativa da União, não há espaço sequer para suplementação. 

Tampouco é possível que o legislador municipal se ampare no inciso II, do art. 30, da CF/88, vale dizer, em sua competência suplementar, a fim de justificar a elaboração dos preceitos legais impugnados. Isto porque não há espaço para invocação de interesse local por não haver sua predominância nem para suplementação normativa que contraria regras federais. Nesse sentido, colaciona-se o seguinte julgado:

“Ora, em se tratando de competência privativa da União, e competência essa que não pode ser exercida pelos Estados se não houver lei complementar – que não existe – que a autorize a legislar sobre questões específicas dessa matéria (artigo 22 da Constituição), não há como pretender-se que a competência suplementar dos Municípios prevista no inciso II do artigo 30, com base na expressa vaga aí constante ‘no que couber’ se possa exercitar para a suplementação dessa legislação da competência privativa da União (...)” (STF, RE 227.384-SP).

 

                   Portanto, a legislação municipal contestada é incompatível com o art. 144 da Constituição Estadual.

 

B – INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL

 

                        Não obstante as inconstitucionalidades apontadas, o ato normativo objurgado também está maculado por inconstitucionalidade material.

                   Isso porque, ex vi do disposto nos incisos I e V do art. 180 da Constituição Paulista, aos quais a produção normativa municipal está subordinada, o Município, ao traçar as normas de desenvolvimento urbanístico, tem o dever de assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade, dentre as quais a circulação, e observar as normas urbanísticas e de qualidade de vida. José Afonso da Silva assevera que uma vez instituído o sistema viário, por meio da afetação do bem, o acesso público a ele torna-se um poder legal exercitável erga omnes, em face do qual não se opõe nenhum limite – configurado, por exemplo, pela exigência de identificação para ingresso no loteamento fechado:

“O sistema viário é o meio pelo qual se realiza o direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção, direito de ir e vir e também de ficar (estacionar, parar), assegurado na Constituição Federal. Pedro Escribano Collado, em excelente monografia sobre as vias urbanas, coloca muito bem o problema, nas seguintes palavras: `De maneira ampla, e do ponto de vista do usuário, pode definir-se o direito à circulação como a faculdade, enquanto perdure a afetação da via, de deslocar-se através dela de um lugar para outro do núcleo urbano. Enquanto se tratar de bem afetado, a utilização não constituirá uma mera possibilidade, mas um poder legal exercitável erga omnes. Em consequência, a Administração não poderá impedir, nem geral nem singularmente, o trânsito de pessoas de maneira estável, a menos que desafete a via, já que, de outro modo, se produziria uma transformação da afetação por meio de uma simples atividade de polícia” (José Afonso da Silva. Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 5ªed., p. 183-184).     

                   Da leitura do art. 1° e do art. 9°, é cristalina a restrição a ampla liberdade de circulação e de usufruto dos bens públicos de uso comum do povo, enfim, às funções sociais da cidade, rompendo com a diretiva de observância das normas urbanísticas e de qualidade de vida, de modo a colidir com o art. 180, I e V, da Constituição Estadual.

                   Além disso, e por conta da norma remissiva do art. 144 da Constituição Estadual, há notória supressão do direito fundamental à liberdade de locomoção e circulação, previsto no art. 5º, caput e inciso XV, da Constituição Federal. Sobre a temática, importante consignar o posicionamento sedimentado na jurisprudência do Pretório Excelso:

“- LOTEAMENTO. RUA DE ACESSO COMUM. CONDOMÍNIO INEXISTENTE. Com o condomínio singulariza-se a propriedade dos lotes, caindo no domínio público e no livre uso comum a rua de acesso. Não é juridicamente possível, em tais circunstâncias, pretender-se constituir condomínio sobre a rua, à base da Lei 4.591/64. Nulidade da convenção condominial e dos atos dela decorrentes. Recurso extraordinário provido”. (STF, RE 100.467-3, Rel. Min. Francisco Rezek).

                   Em questão similar, assim voltou a se pronunciar a E. Corte Constitucional:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos. Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições, pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às ‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).

                        Gizado nesse venerando aresto que:

“(...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...) 4. O artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos. Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca aos bens de uso comum”.

                   Em conclusão, há novamente ofensa ao art. 144 da Constituição Paulista.

                   A restrição à circulação permitida pelo ato normativo impugnado não se alia ao interesse público nem à razoabilidade. O interesse público, ao contrário da providência legislativa adotada, é a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a limitação instituída nas normas vergastadas que, além de irrazoáveis, são desprovidas de racionalidade, justiça e bom senso, implantando discriminação insuportável.

                   Não se deve olvidar que vias públicas são bens de uso comum do povo, assim como que vias e praças, espaços livres e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos nos loteamentos passam a integrar o patrimônio público municipal a partir de seu registro.

                   E diferente do regulado pela Lei nº 6.766/79 e pelo Código Civil, no fechamento de loteamento, que mais se assemelha a um “condomínio privado”, o particular não está a serviço da administração, mas a serviço próprio; nada é feito em favor da coletividade, trata-se de investimentos privados destinados a seus titulares.

                   Não há preconceito à utilização de bens públicos por particulares, situação essa disciplinada pela autorização, permissão e concessão de uso, precedidas de licitação, inspiradas pela satisfação do interesse geral. O que se pretende nesta exordial é combater a instituição de “condomínios privados” em áreas públicas, visto que contraria o interesse público, a função social da cidade e a ordem jurídica.

                   E nem se alegue, por oportuno, a insuficiência dos órgãos de segurança pública no combate à criminalidade para se legitimar o fechamento de áreas públicas em prol da fruição de pequena parcela da população.

                   No atual estágio civilizatório, todos os cidadãos encontram-se vulneráveis (em diferentes graus) à crescente onda de violência, e a decisão de se privilegiar determinados munícipes com o fechamento de suas vias ou bairros, em detrimento de outros, revela-se ato totalmente refratário ao primado da isonomia, vez que possui traços de pessoalidade e arbitrariedade, isso sem mencionar a possibilidade de óbice ao direito geral de locomoção nos perímetros que compõem a urbe.

                   Em relação ao tema sub judice, lança-se precedente firmado neste Sodalício, in verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21 E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI  MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO - INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA - O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI 9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des. Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).

                   No mesmo sentido, vetusto acórdão do Supremo Tribunal Federal fixou que o interesse público é preservado pela defesa da livre utilização de bem público de uso comum do povo:

“Loteamento. Fechamento de acesso a ruas que interligam lotes e conduzem à orla marítima. - Legalidade de ato da Prefeitura Municipal, removendo obstáculos que impediam aquele livre acesso. - Inconstitucionalidade inocorrente da Lei Municipal nº 557/79, de Ubatuba: assegura direito à utilização de bem público de uso comum do povo. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, RE 94.253-SP, 1ª Turma, Rel.  Min. Oscar Correa, 12-11-1982, v.u., DJ 17-12-1982, p. 13.209).

                   O ato normativo combatido ofende, outrossim, o direito de liberdade de associação previsto no art. 5, incisos XVII e XX, da Constituição Federal, aplicáveis aos municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

                   Pelo que se depreende do inciso V do art. 1° do diploma impugnado, é necessária a constituição de uma entidade representativa dos proprietários, o que significa compelir os proprietários de imóveis a se associarem e manterem-se associados, pois, dessa forma, viabiliza-se o fechamento de loteamentos, vilas e ruas sem saída.

                     Tratando do conteúdo da liberdade de associação, anota Paulo Gustavo Gonet Branco que:

“Os dispositivos da Lei Maior brasileira a respeito da liberdade de associação revelam que, sob a expressão, estão abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações, b) a de ingressar nelas, (c) a de abandoná-las e de não associar, e, finalmente, (d) a de sócios se auto-organizarem e desenvolverem as suas atividades associativas” (Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Saraiva, 2013, pp. 303-305).

                   A associação pressupõe ato de vontade. A jurisprudência é fértil ao censurar a restrição à liberdade de associação resultantes de condomínios atípicos:

“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COBRANÇA DE NÃO ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO 'ENUNCIADO SUMULAR N° 168/STJ. Consoante entendimento sedimentado no âmbito da Eg. Segunda Seção Desta Corte Superior, as taxas de manutenção instituídas por associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que fixou o encargo (Precedentes: AgRg no Ag 1179073/RJ, Rei. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe de 02/02/2010; AgRg no Ag 953621/RJ, Rei. Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe de 14/12/2009; AgRg no REsp 1061702/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho, Quarta Turma, DJe de 05/10/2009; AgRg no REsp 1034349/SP, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 16/12/2008. (...)”. (STJ, AgRg-EREsp 961.927-RJ, Rel. Min. Vasco Della Giustina, DJe 15-09-2010).

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ, ‘as taxas de manutenção criadas por associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo’ (ERESP nº 444.931/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, rel. p/o acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 1º.2.2006’. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRg-REsp 613.474-RJ, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 05-10-2009).

“Existem precedentes concluindo que o condomínio, ainda que atípico, tem legitimidade para propor ação de cobrança de despesas condominiais. No caso, todavia, a autora da ação de cobrança é simples associação de moradores – quando muito, o que se denomina condomínio atípico. As deliberações desses condomínios atípicos não podem atingir quem delas não tomou parte. Vale dizer: as obrigações assumidas pelos que espontaneamente se associaram para ratear as despesas comuns não alcançam terceiros que a elas não aderiram” (TJSP, Apelação 0041203-52.2004.8.26.0114, Rel. Des. Moreira Viegas).

                   Ora, se ninguém pode ser compelido a se associar ou manter-se associado.

                   Todavia, não é o que ocorre na questão apresentada, vez que para materialização do fechamento a lei impugnada acaba por obrigar os proprietários de imóveis a pactuar com essa prática vedada pelo ordenamento, não lhes restando outra opção a não ser aderir aos desmandos da associação, sob pena de não poderem fruir desses bens comuns, além de dificultar-lhes o gozo de seu próprio patrimônio imobiliário situado nessas áreas indevidamente fechadas, já que dependem da condição de associados.

                   A legislação impugnada criou exceção à regra da licitação, violando o art. 117 da Constituição Estadual que reproduz os arts. 37, XXI e 175 da Constituição Federal, ao investir na qualidade de exclusivo prestador de serviços públicos e ao favorecer como usuário privativo de bens públicos pessoa jurídica de direito privado sem que esta tenha participado de processo seletivo objetivo, público e imparcial.

                   Tal significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo sobre uso de bens públicos e execução de serviços públicos (arts. 22, XXVII, 37, XXI, e 175, Constituição Federal), patenteando, novamente, ofensa à competência normativa alheia, sindicável por força do art. 144 da Constituição Estadual, ao remeter ao art. 22, XXVII, da Constituição Federal.

                   As exceções à licitação (inexigibilidade, dispensa, dispensabilidade, proibição) constituem matérias da essência das normas gerais de licitações e contratações públicas, não sendo lícito aos Municípios disciplinarem o assunto em lei para além das prescrições contidas em lei federal. Neste sentido:

MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DE AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA COM REPRESENTAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL PARA DEFLAGRAR O PROCESSO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM TESE. INTELIGÊNCIA DO ART. 103, INCISO VIII, DA MAGNA LEI. REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA ANTECIPADAMENTE SATISFEITO PELO REQUERENTE. IMPUGNAÇÃO DA LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUIU, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUL-RIO-GRANDENSE, A PREFERENCIAL UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE DO AUTOR QUE APONTA INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO, BEM COMO USURPAÇÃO COMPETENCIAL VIOLADORA DO PÉTREO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECONHECE-SE, AINDA, QUE O ATO NORMATIVO IMPUGNADO ESTREITA, CONTRA A NATUREZA DOS PRODUTOS QUE LHES SERVEM DE OBJETO NORMATIVO (BENS INFORMÁTICOS), O ÂMBITO DE COMPETIÇÃO DOS INTERESSADOS EM SE VINCULAR CONTRATUALMENTE AO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (RTJ 192/163).

“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 02-04-2007, v.u., DJe 18-05-2007).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...)” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).

“SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE DIREITO DE EMPRESA TRANSPORTADORA DE OPERAR PROLONGAMENTO DE TRECHO CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. Afastada a alegação do recorrido de ausência de prequestionamento dos preceitos constitucionais invocados no recurso. Os princípios constitucionais que regem a administração pública exigem que a concessão de serviços públicos seja precedida de licitação pública. Contraria os arts. 37 e 175 da Constituição federal decisão judicial que, fundada em conceito genérico de interesse público, sequer fundamentada em fatos e a pretexto de suprir omissão do órgão administrativo competente, reconhece ao particular o direito de exploração de serviço público sem a observância do procedimento de licitação. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e a que se dá provimento” (RT 837/125).

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a partir da vigência da Constituição de 1988, a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração. II – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 792.149-MG, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 19-10-2010, v.u., DJe 16-11-2010).

                   Não bastasse, a norma impugnada também é inconstitucional por ofensa aos arts. 180, V, e 181, § 1º, da Constituição do Estado de São Paulo.

                   Das normas municipais de desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade às normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim, delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas, que instituam conformidade com diretrizes do plano diretor, que deve caráter integral (art. 181, caput e § 1º, da Constituição Paulista).

                   A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:

“(...) Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’ do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).

                   A Constituição do Estado acolhe objetiva e expressamente o princípio do planejamento em matéria urbanística, predicado por integralidade, compatibilidade e globalidade, e que se consubstancia no plano diretor, acolitado pelo princípio da conformidade com as normas urbanísticas e de qualidade de vida.

                   A exigência do plano diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, está assentada no § 1º do art. 182 da Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre da regra contida no art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo, não bastasse o art. 181 desta. E o art.182 caput da Carta Magna disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

                   Se o inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”, seu exercício não pode se distanciar dos demais cânones constitucionais federais e estaduais incidentes, seja qual for o propósito da legislação urbanística municipal.

                   O que se infere dos dispositivos acima apontados que a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei, e as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município.

                   Ora, a sistemática constitucional, quanto à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo, torna patente que o casuísmo resta evidenciado nos atos normativos que regulam situações isoladas, como ocorre na hipótese em apreço, violando diretamente a sistemática constitucional incidente sobre a matéria, vez que qualquer modificação legislativa que envolva a política de desenvolvimento urbano, o zoneamento e a ocupação e uso do solo deve ser realizada dentro de um contexto de planejamento, e de diretrizes gerais, não se admitindo ordenação dissociada da utilização global do solo urbano.

                   Tratando da elaboração do plano diretor, anota Hely Lopes Meirelles que “toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação” e acresce que “a elaboração do plano diretor é tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento do Município e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e utilidade para a população” (Direito Municipal Brasileiro, pp. 393-395).

                   Ainda sobre o tem, pondera Toshio Mukai:

“a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 29).

                   E nem seria despropositado obtemperar que a transformação assentida pelo ato normativo combatido teria potencialidade para incompatibilizar-se com o princípio da impessoalidade, adotado expressamente no art. 111 caput da Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37 caput da Constituição Federal, porque foram instituídas em prol de poucos que pretendem se segregar no usufruto restrito de bens públicos.

                   Deste modo, as inovações legislativas urbanísticas impendem planejamento neutro e objetivo, racional e imparcial, não inculcando mudanças tópicas capazes de criar desequilíbrio subjetivo determinado.

                   Pelas razões expostas, é flagrante a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 2.462, de 13 de julho de 2011, do Município de Ribeirão Preto, e se esparge aos decretos expedidos (Decretos n. 116/13, n. 207/14, n. 211/14 e n. 228/14), em virtude da relação de dependência com a lei impugnada. 

III – Pedido liminar

                   À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da legislação contestada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme com o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo pelo agravo à liberdade de acesso e fruição a bens públicos de uso comum do povo.

                   À luz desta contextura, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar n. 2.462, de 13 de julho de 2011, do Município de Ribeirão Preto, e, por arrastamento, dos Decretos n. 116/13, n. 207/14, n. 211/14 e n. 228/14, daquele Município.

V – Pedido

                   Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 2.462, de 13 de julho de 2011, do Município de Ribeirão Preto, e, por arrastamento, dos Decretos n. 116/13, n. 207/14, n. 211/14 e n. 228/14, daquele Município.                  

Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Ribeirão Preto, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 28 de julho de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj/acssp

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 100.432/11

Interessado: Promotoria de Justiça de Ribeirão Preto

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar n. 2.462, de 13 de julho de 2011, do Município de Ribeirão Preto, e, por arrastamento, dos Decretos n. 116/13, n. 207/14, n. 211/14 e n. 228/14, daquele Município, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 28 de julho de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

wpmj/acssp