Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº 6226/08

Assunto: Inconstitucionalidade por omissão – reserva de vagas – portadores de necessidades especiais – Tribunal de Contas do Estado.

 

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Omissão do legislador. Dispositivo constitucional que prevê a necessidade de reserva de vagas em concursos públicos para portadores de necessidades especiais (art.115 IX da Constituição Paulista; reprodução do art.37 VIII da CR/88). 2)Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Autonomia e independência institucional. Reserva de iniciativa para elaboração do regime jurídico de seus servidores. Não aplicação da legislação existente, que trata da reserva de vagas para portadores de necessidades especiais (art.75 e 96 da CR, aplicável por força do art.144 da Constituição Paulista; bem como art.31 da Constituição Paulista). 3)Ausência de regulamentação específica, para o Tribunal de Contas, da garantia da reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, passados quase vinte anos da promulgação da Constituição Estadual. Evidente mora legislativa. 4)Ação proposta para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão.

 

 

 

 

 

         O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições (art.116 VI da Lei Complementar Estadual nº 734/93 - Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo -; art.125 §2º e 129 IV da Constituição Federal; art.74 VI e art.90 III da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 6226/08) vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO, pelos fundamentos a seguir expostos.

 

1)Dos fatos que deram origem a esta ação.

 

         O protocolado que rende ensejo à presente propositura é fruto de representação formulada por interessado, Sr. (...), noticiando que em concurso para preenchimento de cargos públicos de Auditor, em andamento junto ao E. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, não foi observado o preceito constitucional que prevê a necessidade de reserva de vagas para portadores de necessidades especiais (cf. fls.4/7).

 

         Da leitura do Edital acima mencionado, verifica-se realmente que não há previsão de reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, no concurso direcionado ao preenchimento de 7 (sete) vagas de Auditor do Tribunal de Contas (cf. fls.8/11).

 

         Foram solicitadas informações à Presidência do E. Tribunal de Contas do Estado, vindo aos autos as que foram elaboradas pelo Gabinete Técnico da Presidência da Corte de Contas, das quais é importante extrair, em síntese, as seguintes afirmações: (a) a Lei Complementar Estadual 683, de 18 de setembro de 1992, com alterações decorrentes da Lei Complementar 932, de 08 de novembro de 1992, prevê a reserva de vagas em concurso público no Estado de São Paulo, aplicando-se exclusivamente a órgãos e entidades da administração direta, indireta e fundacional, restrita ao Poder Executivo do Estado de São Paulo; (b) não há nenhum dispositivo legal que obrigue o E. Tribunal de Contas do Estado a reservar vagas para portadores de necessidades especiais, em concursos públicos para provimento de seus cargos de carreira (fls.71/75).

 

2)Fundamento constitucional da reserva de vagas em concursos públicos para portadores de necessidades especiais.

 

         Não há dúvida quanto à existência de fundamento normativo constitucional determinante da reserva de vagas em concursos públicos, para portadores de necessidades especiais.

 

         Eis o parâmetro contido, a propósito, na Constituição do Estado de São Paulo:

 

“Art.115 (...)

 

IX – a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para os portadores de deficiências, garantindo as adaptações necessárias para a sua participação nos concursos públicos e definirá os critérios de sua admissão; (...)”

 

         Relevante recordar que tal dispositivo reproduz a norma contida no art.37 VIII da Constituição Federal.

 

         Tais preceitos constitucionais, mais que simples regras, são verdadeiros princípios, que se inserem no contexto constitucional de equiparação de pessoas em diferenciada situação de fato, e conseqüente concretização do princípio da igualdade. Em outras palavras, a reserva de vagas para pessoas portadoras de necessidades especiais, em concursos públicos, é uma das manifestações constitucionais do princípio da igualdade.

 

         Afinal, como recorda com precisão Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. E, por fim, consoante averbado insistentemente, cumpre ademais que a diferença do regime legal esteja correlacionada com a diferença que se tomou em conta” (Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3ªed., 12ª tir., São Paulo, Malheiros, 2004, p.35).

 

         Ocorre que a previsão constitucional de reserva de vagas para portadores de necessidades especiais em concursos públicos é dispositivo constitucional que não possui eficácia imediata.

 

         A propósito, cumpre recordar que, em que pese existirem diversas classificações quanto à eficácia das normas constitucionais, ou seja, sua aptidão para produção de efeitos no mundo jurídico, ainda hoje encontra aceitação entre estudiosos do tema aquela proposta por José Afonso da Silva, que as separa em: (a) normas de eficácia plena (self-executing ou auto-executáveis); (b) normas de eficácia contida (ou restringível); (c) normas de eficácia limitada (not self-executing, ou não auto-executáveis). Como é pacífico, as primeiras produzem efeitos imediatos, independentemente de regulamentação legal; já as da segunda categoria são aquelas que produzem efeitos imediatos mesmo sem serem regulamentadas, mas estão sujeitas a delimitação ou restrições por ação do legislador infra-constitucional; enquanto as da última categoria são aquelas que configuram simples promessa constitucional, que só se concretizará quando da edição de leis que as regulamentem (autor citado, Aplicabilidade das normas constitucionais, 3ªed., São Paulo, Malheiros, 1998, p.63 e ss).

 

         Naquilo que interessa ao tema em exame, não há dúvida nos dispositivos constitucionais mencionados (art.115 IX da Constituição Paulista, que reproduz o art.37 VIII da CR/88), que a dicção normativa, ao usar as expressões “(...) a lei reservará percentual dos cargos e empregos (...)” deixa clara a adoção do princípio da igualdade, com a utilização de relevante fator de discrímen (condições relevantemente diferenciadas das pessoas portadoras de necessidades especiais, para fins de acesso aos cargos e empregos públicos), fazendo-o, contudo, de forma programática, visto que ineficaz, sem edição de ato normativo de menor densidade normativa, a previsão constitucional.

 

         Em outras palavras, tratando-se de norma de eficácia limitada, a inação do legislador, negando-se a conceder eficácia concreta à promessa constitucional de igualdade, configura a inconstitucionalidade por omissão.

 

3)Regras infraconstitucionais que asseguram a reserva de vagas em concursos.

 

         É importante salientar que tanto o legislador federal como o estadual, ainda que parcialmente, reconheceram a necessidade de dar concreção à reserva de vagas para portadores de necessidades especiais em concursos públicos.

 

         A propósito, é oportuno anotar que:

 

(a)    a Lei Federal 7853/89, em seu art.2º, III, d, prevê a necessidade de “adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho, em favor das pessoas portadoras de deficiência, nas entidades da Administração Pública e do setor privado (...)”;

(b)    o Decreto Presidencial 3298/99, regulamentando a Lei 7853/89, contém regras detalhadas a respeito do tema, prevendo seu art.37 §1º que “o candidato portador de deficiência, em razão da necessária igualdade de condições, concorrerá a todas as vagas, sendo reservado no mínimo o percentual de 5% (cinco por cento) em face da classificação obtida”; e o §2º que “caso a aplicação do percentual de que trata o parágrafo anterior resulte em número fracionado, este deverá ser elevado até o primeiro número inteiro subseqüente”;

(c)    A Lei Complementar Estadual 683/92, que “dispõe sobre a reserva, nos concursos públicos, de percentual de cargos e empregos para portadores de deficiência e dá outras providências correlatas”, no Estado de São Paulo, contém, no respectivo art.1º, a afirmação de que “o provimento de cargos e empregos públicos, nos órgãos e entidades da administração direta, indireta e fundacional, obedecido o princípio do concurso público de provas ou de provas e títulos, far-se-á com reserva do percentual de até 5% (cinco por cento) para pessoas portadoras de deficiência”.

 

            Entretanto, como anotou em suas informações a E. Presidência do Tribunal de Contas do Estado, tais disposições não se aplicam àquele órgão, mas apenas às entidades que integram a administração direta e indireta do Estado, ou seja, no âmbito do Poder Executivo.

 

         Oportuno esclarecer, detidamente, tal ponto.

 

4)Autonomia Constitucional dos Tribunais de Contas.

 

         A propósito, cumpre recordar que o art. 73 caput da Constituição Federal, ao tratar do Tribunal de Contas da União, confere-lhe o exercício, no que couber, das atribuições previstas no art.96 da Carta. De outro lado, o art.75 da CF/88 prevê que “as normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios”.

 

         Acrescente-se a isso que o art.96 II da CR/88, em seus incisos e alíneas, confere aos Tribunais competência privativa para, entre outras coisas: (a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos; (b) organizar seus serviços auxiliares; (c) prover os cargos de juiz de carreira e os dos respectivos serviços auxiliares; (d) propor ao Poder Legislativo a edição de regras relativas ao regime jurídico de seus membros e seus servidores (criação e extinção de cargos, fixação de remuneração, etc.).

 

         Em outras palavras, a Constituição Federal equiparou, para fins de tratamento institucional, os Tribunais de Contas às Cortes de Justiça. A esse propósito observe-se, v.g., que o art.73 §3º da CR/88 prevê, inclusive, que “os Ministros do Tribunal de Contas da União terão as mesmas garantias, prerrogativas, impedimentos, vencimentos e vantagens dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça”.

 

         A matéria, ademais, foi reiterada nos art.31 e 151 da Constituição do Estado, que têm a seguinte redação:

 

“Art.31. O Tribunal de Contas do Estado, integrado por sete Conselheiros, tem sede na Capital do Estado, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território estadual, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art.96 da Constituição Federal.

 

(...)

 

Art.151. O Tribunal de Contas do Município de São Paulo será composto por cinco Conselheiros e obedecerá, no que couber, aos princípios da Constituição Federal e desta Constituição.”

 

         O que pretendeu o constituinte, para tornar efetiva a atuação das Cortes de Contas, foi conferir-lhes a mesma independência e autonomia que recebeu o Poder Judiciário.

 

         Anote-se que há precedentes do E. STF que permitem afirmar a premissa segundo a qual os Tribunais de Contas do Estado e do Município são órgãos constitucionais que, por força dos artigos 73, caput (in fine) e 75, c.c. o artigo 96 da Constituição Federal, gozam da autonomia política, funcional e administrativa que ela também confere aos Tribunais integrantes do Poder Judiciário. Isso inclusive no que concerne à sua estruturação interna, à organização dos seus serviços auxiliares, à definição do seu quadro de pessoal, ao provimento destes cargos e à iniciativa de lei para criá-los ou para dispor sobre sua remuneração (Cf. STF, Pleno, ADIn 789/DF, j. 26.5.1994, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.12.1994, p. 35180; ADIn 1.044-MA, j. 4.6.1998, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 31.8.2001, p. 00034).

 

         Não há dúvida de que, reverente a esse estatuto constitucional das Cortes de Contas, a Constituição do Estado de São Paulo reproduz aquelas normas da C.F. em seus arts. 31 e 151.

 

         Aliás, conforme a orientação do E. Supremo Tribunal Federal, tal iniciativa reservada de lei também abrange a criação dos cargos destinados a compor o Ministério Público especial, que oficia junto às Cortes de Contas (Cf. Pleno,  ADIn 789/DF, j. 26.5.1994, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.12.1994, p. 35180; ADIn 160/TO, j. 23.4.1998, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 20.11.1998, p. 00002; ADIn 1858 MC/GO, j. 16.12.1998, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 18.5.2001, p. 00431; ADIn 2378 MC/GO, j. 22.3.2001, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 5.4.2004, p. 00037), isto é, o que deve atuar perante o próprio Tribunal de Contas (Cf. Pleno, ADIn 1791/PE, j. 23.11.2000, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ 176/610; ADIn 2.068/MG, j. 3.4.2003, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 16.5.2003, p. 00090) e cujas funções não podem ser exercidas pelo Ministério Público comum (Cf. Pleno, ADIn 2884/RJ, j. 2.12.2004, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20.5.2005).

 

         A solução acolhida tranqüilamente pelo E. STF também é ressaltada pela doutrina (Cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.754; e Pedro Roberto Decomain, Tribunais de Contas no Brasil, São Paulo, Dialética, 2006, p.42 e 55).

 

         Em suma: há reserva de iniciativa legislativa do próprio Tribunal de Contas do Estado para leis que criem cargos e órgãos administrativos internos, ou tratem da remuneração de seus servidores, bem como do respectivo regime jurídico, o que envolve o provimento dos cargos auxiliares ao desempenho de suas funções constitucionais.

 

         Disso é possível extrair os elementos normativos que dão sustentação à conclusão tirada pela E. Presidência do Tribunal de Contas do Estado, no sentido da inexistência de regra que se aplique àquela Corte de Contas, com determinação da previsão de vagas, em concursos públicos, para portadores de necessidades especiais.

 

         Em outras palavras: embora exista lei estadual regulamentando a questão, pelos motivos antes expostos ela não se aplica à Corte Estadual de Contas.

 

5)A omissão normativa inconstitucional e sua solução.

 

         Diante do quadro aqui sintetizado, é inevitável concluir que há situação de grave omissão normativa, em torno do tema examinado. Esta impede a concretização do princípio constitucional da igualdade, na hipótese, voltado à asseguração de vagas, em concursos públicos para provimento de cargos junto ao E. Tribunal de Contas do Estado, para pessoas portadoras de necessidades especiais.

 

         A imposição constitucional é clara, pois decorre do art.115 IX da Carta Paulista (que reproduz, como frisado anteriormente, o art.37 VIII da CR/88).

 

         São insuficientes para equacionar a quaestio iuris, em função da autonomia institucional do E. Tribunal de Contas, as normas infraconstitucionais já existentes, que àquele não se aplicam (Lei Federal 7853/89, Decreto Presidencial 3298/99, e Lei Complementar Estadual 683/92).

 

         E a gravidade da omissão normativa se evidencia, na medida da constatação de que ela perdura por mais de vinte anos, considerada a data da promulgação da Constituição da República, ou quase vinte, se tomada como referência a data da promulgação da Constituição Paulista, em 05 de outubro de 1989.

 

         Note-se que, em tempo infinitamente inferior, a mora legislativa foi suficiente para que o E. STF declarasse a inconstitucionalidade por omissão em certa situação. Eis o trecho relevante do referido julgado:

 

“(...) A Emenda Constitucional n. 15, que alterou a redação do § 4º do art. 18 da Constituição, foi publicada no dia 13 de setembro de 1996. Passados mais de 10 (dez) anos, não foi editada a lei complementar federal definidora do período dentro do qual poderão tramitar os procedimentos tendentes à criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios. Existência de notório lapso temporal a demonstrar a inatividade do legislador em relação ao cumprimento de inequívoco dever constitucional de legislar, decorrente do comando do art. 18, § 4º, da Constituição. Apesar de existirem no Congresso Nacional diversos projetos de lei apresentados visando à regulamentação do art. 18, § 4º, da Constituição, é possível constatar a omissão inconstitucional quanto à efetiva deliberação e aprovação da lei complementar em referência. As peculiaridades da atividade parlamentar que afetam, inexoravelmente, o processo legislativo, não justificam uma conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, conduta esta que pode pôr em risco a própria ordem constitucional. A inertia deliberandi das Casas Legislativas pode ser objeto da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. (...). Ação julgada procedente para declarar o estado de mora em que se encontra o Congresso Nacional, a fim de que, em prazo razoável de 18 (dezoito) meses, adote ele todas as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo art. 18, § 4º, da Constituição, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão. (...)." (ADI 3.682, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-5-07, DJ de 6-9-07).

 

         A inércia do legislador, e, mais que isso, da E. Presidência do Tribunal de Contas do Estado, com a devida vênia, considerada sua iniciativa reservada na matéria em decorrência da sua autonomia constitucional, não nos autoriza imaginar que, sem a intervenção jurisdicional, com o reconhecimento da inconstitucionalidade por omissão, esse quadro terá solução.

 

6)Ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão: adequação e efeitos.

 

         A omissão do legislador para tornar efetiva norma constitucional de eficácia limitada encontra reparo através da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

 

         É o que dispõe o art.90 §4º da Constituição Paulista (que reproduz, com as devidas adaptações, a previsão contida no art.103 §2º da CR/88):

 

“Art.90. (...)

 

§4º. Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma desta Constituição, a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.”

 

         A respeito desse instrumento de defesa da Constituição, mostra-se oportuna a transcrição do seguinte excerto de julgado do E. STF:

 

“O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.” (ADI 1.458-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23-5-96, DJ de 29-9-96). No mesmo sentido: ADI 1.439-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-5-96, DJ de 30-5-03 .”

 

         A doutrina especializada pondera do mesmo modo, que “a finalidade da ação direta de inconstitucionalidade por omissão também não é a defesa de um direito subjetivo, ou seja, de um interesse juridicamente protegido lesado ou na iminência de sê-lo. Trata-se, ao contrário, de mecanismo voltado, precipuamente, para a defesa da Constituição. Aliás, para a defesa da integralidade da vontade constitucional. É procedimento apropriado para a declaração da mora do legislador, com o conseqüente desencadeamento, por iniciativa do próprio órgão remisso, do processo de suprimento da omissão inconstitucional” (Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2ªed., São Paulo, RT, 2000, p.339/340). Confira-se ainda: Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, p.195/198; Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2ªed., São Paulo, RT, 2001, p.285/291.

 

         Nítido, pois, que a ação direta é instrumento adequado para o reconhecimento da mora legislativa, é oportuno assentar quais os efeitos pretendidos com a esperada procedência desta ação.

 

         De acordo com o dispositivo constitucional antes referido (art.90 §4º da Constituição Bandeirante), a decisão será comunicada ao Poder competente para a adoção das providências necessárias à prática do ato que lhe compete ou início do processo legislativo, e, em se tratando de órgão administrativo, para a sua ação em trinta dias, sob pena de responsabilidade.

 

         Entretanto, tal determinação não pode ser entendida no sentido estritamente literal. A finalidade do controle abstrato de normas, como é cediço, é assegurar a eficácia da força normativa da Constituição. Supondo que haja mera determinação de suprimento da omissão legislativa, e que essa não seja cumprida, ainda que fosse perquirida a responsabilidade do agente político omisso, persistiria a situação de desrespeito ao texto constitucional.

 

         Daí a construção doutrinária voltada a conferir uma eficácia concreta ao controle abstrato da omissão do legislador.

 

         Dirley da Cunha Júnior, embora reconhecendo que esse não é o pensamento dominante do E. STF, afirma que “impõe-se defender um plus àquele efeito literal previsto no §2º do art.103 da Constituição, de tal modo que, para além da ciência da declaração da inconstitucionalidade aos órgãos do Poder omissos, é necessário que se estipule um prazo razoável para o suprimento da omissão. Mas não é só. A depender do caso, expirado esse prazo sem que qualquer providência seja adotada, cumprirá ao Poder Judiciário, se a hipótese for de omissão de medida de índole normativa, dispor normativamente sobre a matéria constante da norma constitucional não regulamentada. Essa decisão, acentue-se, será provisória, terá efeitos gerais (erga omnes) e prevalecerá enquanto não for realizada a medida concretizadora pelo poder público omisso”(Controle judicial das omissões do poder público, São Paulo, Saraiva, 2004, p.547). No mesmo sentido é o pensamento de Luís Roberto Barroso, formulando críticas ao posicionamento restritivo e simplesmente literal do E. STF, propugnando por uma interpretação mais avançada do instituto (O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p.208/214). Reforço a tais críticas é declinado, enfim, por Clèmerson Merlin Clève (A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, cit., p.349/350).

 

         Seja como for, é imperativo o reconhecimento da omissão normativa, no caso em exame, pois, ao menos, declarada a omissão, com seu efeito vinculante e erga omnes, inerente às decisões proferidas no controle abstrato de normas (art.102 §2º da CR/88), ficará balizada a questão, para eventual análise, em casos concretos, de ações individuais propostas em face do tema, v.g., por meio de mandados de injunção (art.5ºLXXI da CR/88).

 

7)Conclusão e pedido.

 

         Diante de todo o exposto, requer-se que, recebida e autuada esta, sejam instadas a se manifestar, mediante requisição de informações, a E. Presidência do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, bem como a Assembléia Legislativa do Estado.

 

         Prestadas as informações, aguarda-se a procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade por omissão, para:

 

(a)    declaração da existência de mora legislativa, quanto à edição de lei específica para concretizar a reserva de vagas a pessoas portadoras de necessidades especiais, no âmbito dos concursos realizados no E. Tribunal de Contas do Estado, com fundamento no art.115 IX da Constituição Paulista;

 

(b)    seja dada ciência à Assembléia Legislativa, bem como ao E. Tribunal de Contas, fixando-se prazo razoável para a edição do ato normativo imprescindível à concretização do dispositivo constitucional mencionado acima;

 

(c)    findo o prazo acima mencionado, e persistindo a omissão legislativa, seja concretizada, por determinação desse. E. Tribunal de Justiça, a necessidade de reserva de vagas em concursos públicos do Tribunal de Contas do Estado, determinando-se provisoriamente, até que venha a ser sanada a omissão normativa, a aplicação analógica da legislação estadual anteriormente mencionada, que trata do mesmo tema.

 

         Termos em que,

         Pede-se deferimento.

 

 

 

São Paulo, 06 de maio de 2008.

 

 

 

 

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça