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Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Ementa: 1) Inciso
VIII do art. 21 da Lei Municipal n. 270-A, de 22.08.94, acrescentado pela Lei
n. 1.583-A, do município de São Vicente, que dispõe sobre os requisitos para
ser candidato ao Conselho Tutelar; 2) Exigência de que o candidato comprove o
exercício de, no mínimo, 2 (dois) anos em entidades devidamente registradas
no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente; 3)
Inconstitucionalidade material por ofensa aos princípios constitucionais da
isonomia e da razoabilidade; 4) Ação direta ajuizada.
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O Procurador-Geral de Justiça
de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125,
§ 2.º, e 129, inciso IV, da Lei Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III,
da Constituição Estadual, com base nos elementos de convicção existentes no
incluso protocolado (PGJ n. 72.124/08), vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
do inciso
VIII do art. 21 da Lei Municipal n. 270-A, de 22.08.94, acrescentado pela Lei
n. 1.583-A, do município de São Vicente, dispõe sobre os requisitos para ser
candidato ao Conselho Tutelar, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:
A
Lei Municipal n. 1.583-A, do município de São Vicente, alterou o art. 21 da Lei
Municipal n. 270-A, de 22.08.94, que dispõe
sobre a política municipal de atendimento e defesa dos direitos da criança e do
adolescente e acrescentou o inciso VIII, ora impugnado, que estabelece o
seguinte:
VIII – Comprovar o exercício de, no mínimo, 2
(dois) anos em entidades devidamente registradas no Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente;
Como se vê,
a lei municipal impugnada por meio da presente ação direta é incompatível com a
Carta Paulista, especialmente com os seus arts. 111 e 144 que asseguram o
respeito aos princípios da isonomia e da razoabilidade, assim redigidos:
Art. 111 – A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação e interesse público.
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei
Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição.
Ocorre que
o legislador municipal, ao dispor sobre a política municipal de atendimento e
defesa dos direitos da criança e do adolescente e exercer a sua competência de
suplementar a legislação federal que regula a matéria, acabou por afrontar os
princípios da isonomia e da razoabilidade, conforme restará demonstrado.
DO CONSELHO TUTELAR E DO PODER
SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO
O Conselho
Tutelar, nos termos do art. 113 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
Federal n. 8.69/90), é órgão permanente e
autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo
cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta lei.
O art. 133
da Lei Federal citada estabelece quais são os requisitos exigidos para que o
cidadão seja candidato a integrar mencionado Conselho.
Reconhece a
doutrina a competência do legislador municipal para suplementar a legislação
federal, estabelecendo outros requisitos.
Nesse
sentido a lição de Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino[1][1]:
“A lei
federal preocupou-se, tão-somente, em estabelecer os requisitos mínimos de
admissibilidade à candidatura dos conselheiros tutelares.
Pelo
princípio da municipalização contido no art. 88, I, do ECA, fica a critério do
Município suplementar a norma citada, com fulcro no art. 30, II, da CF, para
ampliar esses requisitos, adequando-os às peculiaridades locais”.
Reconhece a
doutrina, ainda, a possibilidade de que esses requisitos estejam relacionados à
experiência no trata com crianças e adolescentes.
Nesse
sentido os dispositivos da Constituição Federal a seguir citados:
Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XV - proteção à infância e à juventude (...)
§ 1.º No âmbito da legislação concorrente, a
competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2.º A competência da União para legislar
sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
§ 3.º Inexistindo lei federal sobre normas
gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a
suas peculiaridades.
§ 4.º A superveniência de lei federal sobre
normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
Art. 30 - Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
II - suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber...
Todavia, a
autonomia legislativa consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e
soberano, pois é limitada por diversos princípios previstos na Constituição do
Estado de São Paulo.
Referidos princípios funcionam como
uma limitação à autonomia municipal de autolegislação,
consistente na edição de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua
competência exclusiva e suplementar.
Por isso, a autonomia legislativa
consagrada aos Municípios está sujeita a algumas regras fundamentais e
impostergáveis.
Nesse
contexto, é inconstitucional o dispositivo legal impugnado na presente ação
direta, pois, sob o pretexto de agir nos estritos limites de sua autonomia
legislativa, o inciso VIII do art. 21 da Lei Municipal n. 270-A, de 22.08.94,
acrescentado pela Lei n. 1.583-A, do município de São Vicente, exigiu, de forma
irrazoável e ofensiva ao princípio da isonomia, que o candidato ao Conselho
Tutelar comprove o exercício de, no mínimo, 2 (dois) anos em entidades
devidamente registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente.
Ocorre que
a Constituição do Estado de São Paulo, em seu art. 111, impõe aos Poder
Públicos a observância dos mencionados princípios fundamentais, por força do
art. 144 da Lei Maior Paulsita.
Pode-se,
pois, cotejar o conteúdo normativo do dispositivo legal impugnado aos arts. 111
e 144 da Constituição do Estado e concluir-se pela inconstitucionalidade.
Cabe
observar que a Constituição Federal de 1988 contém previsão expressa, no artigo
125, § 2º, para que o constituinte estadual adote o controle abstrato de normas
destinado à aferição da constitucionalidade de leis estaduais ou municipais em
face da Constituição estadual. Nesta linha, a Constituição do Estado de São
Paulo, no art. 74, VI, determina que compete ao Tribunal de Justiça processar e
julgar originariamente “a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo estadual ou municipal, contestados em face desta Constituição
(...)".
Daí a
propositura da presente ação direta de inconstitucionalidade.
DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
ISONOMIA
O
princípio da isonomia restou ofendido pela dispositivo legal impugnado, uma vez
que esse princípio vincula todas as instâncias de poder e tem por função
precípua evitar indevidas discriminações, sendo de ser reconhecida a
inconstitucionalidade de atos normativos que venham a desrespeitá-lo.
Nesse
sentido decidiu o Pretório Excelso, ao apreciar o Agravo Regimental no Agravo
de Instrumento n. 360.461/MG, em que foi Relator o Ministro CELSO DE MELLO (2ª
T, julgamento ocorrido no dia 06/12/2005 e publicado no DJe-055, divulg. Em
27-03-2008). Do acórdão, destacamos a seguinte passagem:
“O
POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA - A QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA
IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE
MELLO). - O princípio da isonomia - que vincula, no plano institucional, todas
as instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de
ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar
discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob
a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igualdade perante a lei (RTJ
136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do Estado
democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento da absoluta
desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado”.
De
lembrar que o Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a possibilidade de
controle de constitucionalidade por ofensa ao princípio da isonomia. Assim foi
afirmado no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.655/AP, em
que foi Relator o Ministro MAURÍCIO
CORRÊA (Pleno, julgamento ocorrido em 03/03/2004 e publicado no DJ de
02-04-2004, p. 08):
“AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 356/97, ARTIGOS 1º E 2º.
TRATAMENTO FISCAL DIFERENCIADO AO TRANSPORTE ESCOLAR VINCULADO À COOPERATIVA DO
MUNICÍPIO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA. CONTROLE ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE. CANCELAMENTO DE MULTA E ISENÇÃO DO
PAGAMENTO DO IPVA. MATÉRIA AFETA À COMPETÊNCIA DOS ESTADOS E À DO DISTRITO
FEDERAL. TRATAMENTO DESIGUAL A CONTRIBUINTES QUE SE ENCONTRAM NA MESMA
ATIVIDADE ECONÔMICA. INCONSTITUCIONALIDADE”.
A
ofensa à isonomia consiste em estabelecer requisito discriminatório, que alija
do concurso de ingresso ao Conselho Tutelar cidadãos que preencham os
requisitos da Lei Federal, mas que não tenham exercido por, no mínimo dois
anos, atividade em entidades devidamente registradas no Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente, o que acaba por restringir indevidamente
a competição.
DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
RAZOABILIDADE
Mesmo
que não se entenda violado o princípio da isonomia, há que se reconhecer a inconstitucionalidade
por afronta ao princípio da razoabilidade, que encontra assento no art. 111 da
Constituição do Estado de São Paulo.
Como anota Diogo de Figueiredo
Moreira Neto, o princípio da razoabilidade “visa a afastar o arbítrio que
decorrerá da desadequação entre meios e fins”, tendo importância tanto quando
da criação da norma como quando de sua aplicação. Ademais, prossegue o autor,
“o princípio da proporcionalidade, uma vez admitido como um princípio
substantivo autônomo, como é considerado na doutrina alemã do Direito Público,
e não apenas com o sentido estrito contido no conceito de razoabilidade,
prescreve, especificamente, o justo equilíbrio entre os sacrifícios e os
benefícios resultantes da ação do Estado” (Curso de direito administrativo, Rio
de Janeiro, Forense, 14ª ed., p. 101). Também neste sentido Maria Sylvia
Zanella Di Pietro (Direito administrativo, São Paulo, Atlas, 19ª ed., p.95).
Ainda em sede doutrinária, Gilmar
Ferreira Mendes, examinando a aplicação do princípio da proporcionalidade pelo
Pretório Excelso, anotou “de maneira inequívoca a possibilidade de se declarar
a inconstitucionalidade da lei em caso de sua dispensabilidade
(inexigibilidade), inadequação (falta de utilidade para o fim perseguido) ou de
ausência de razoabilidade em sentido estrito (desproporção entre o objetivo
perseguido e o ônus imposto ao atingido)” (“A proporcionalidade na
jurisprudência do STF”, em Direitos fundamentais e controle de
constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional
e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83).
No
caso, há ausência de razoabilidade em sentido estrito, isto é, desproporção entre o objetivo perseguido
(seleção de cidadão apto para atuar no Conselho Tutelar) e o ônus imposto ao
candidato para concorrer ao Conselho (ter atuado em entidade cadastrada pelo
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente).
Afinal,
embora não se negue a competência suplementar do Município, é imperioso que o
legislador observe o princípio da razoabilidade ao estabelecer os requisitos
para o ingresso na função pública.
Ocorre que as restrições e exigências
emanadas de ato normativo não podem exceder os parâmetros constitucionais,
restringindo o acesso para uns e estabelecendo privilégios para outros, os
cadastrados.
Além
disso, deve-se observar que o dispositivo impugnado acaba por atentar contra o
próprio interesse público ao alijar do concurso público inúmeros cidadãos que
tenham atuado na defesa dos direitos da criança e do adolescente, mas que
tenham atuado em entidades não cadastradas pelo órgão municipal.
Além
disso, como demonstrou a autora da representação para o ajuizamento da presente
ação direta, o dispositivo legal impugnada acaba por obrigar aquele que quer
integrar o Conselho Tutelar a integrar uma Entidade, isto é, a se associar, o
que não é razoável: “Tal procedimento tirou do cidadão idôneo e atuante que não
esteja ligado a uma Entidade o direito de postular uma vaga ao Conselho Tutelar
Municipal. São cidadãos que por uma questão de escolha não estão atrelados a
uma entidade (associação), direito este estabelecido no art. 5º, XX, da
Constituição Federal, que estabelece que ninguém poderá ser compelido a
associar-se a qualquer entidade” (fls. 02 do protocolado que acompanha a
presente).
Está
demonstrada, portanto, a irrazoabilidade do dispositivo legal impugnado.
DA LIMINAR
Estão
presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum
in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do
dispositivo legal impugnado pela presente ação direta.
A razoável fundamentação jurídica
decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, a irrazoabilidade do
requisito para integrar o Conselho Tutelar Municipal veiculado pelo dispositivo
legal impugnado.
O
perigo da demora decorre especialmente da idéia de que sem a imediata suspensão
da vigência e eficácia do ato normativo questionado, subsistirá a sua
aplicação, com realização de despesas (e imposição de obrigações à Municipalidade),
que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese
provável de procedência da ação direta. Além disso, são evidentes os danos
decorrentes da realização de concurso público de ingresso maculado.
A
idéia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a
apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de
inconstitucionalidade. Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões
declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da
eficácia do dispositivo legal impugnado evitará a ocorrência de maiores
prejuízos.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão
liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90,
DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64;
ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se a
concessão de medida liminar para a suspensão imediata do dispositivo legal
impugnado.
Requeiro,
portanto, o processamento da presente ação direta, notificando-se o Prefeito
Municipal e a Câmara de Vereadores de São Vicente para apresentar informações
no prazo regimental (art. 669, § 2º), sobre as quais me manifestarei
oportunamente, vindo, ao final, a ser declarada a inconstitucionalidade do
inciso VIII do art. 21 da Lei Municipal n. 270-A, de 22.08.94, acrescentado
pela Lei n. 1.583-A, do município de São Vicente, por violação aos arts. 111 e
144 da Carta Paulista.
São Paulo,
06 de janeiro de 2009.
FERNANDO GRELLA
VIEIRA
Procurador-Geral
de Justiça
Protocolado PGJ nº 72.124/2008
Interessado: (...)
Assunto: Inconstitucionalidade
do inciso VIII do art. 21 da Lei Municipal nº 270-A, acrescentado pela Lei nº
1.583-A, do Município de São Vicente.
1. Distribua-se a petição inicial da ação
direta de inconstitucionalidade, em face do inciso VIII do art. 21 da Lei
Municipal nº 270-A, acrescentado pela Lei nº 1.583-A, do Município de São
Vicente, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 6 de janeiro de 2009
FERNANDO GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral
de Justiça
(2)
Parecer em Ação
Direta de Inconstitucionalidade
Autor: Procurador-Geral de
Justiça
Objeto de impugnação: inciso VIII do art. 21 da Lei Municipal n. 270-A, de 22.08.94,
acrescentado pela Lei n. 1.583-A, do município de São Vicente
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo
Órgão Especial
A
presente ação direta foi ajuizada objetivando a declaração de
inconstitucionalidade do inciso VIII do art. 21 da Lei Municipal n. 270-A, de
22.08.94, acrescentado pela Lei n. 1.583-A, do município de São Vicente, que dispõe
sobre os requisitos para ser candidato ao Conselho Tutelar.
Requisitadas
as necessárias informações, a municipalidade manifestou-se a fls. 234/245.
Devidamente
citado, o Procurador-Geral do Estado manifestou-se a fls. 255/257.
É
o breve relato.
A
presente ação direta é procedente. Vejamos.
A
Lei Municipal n. 1.583-A, do município de São Vicente, alterou o art. 21 da Lei
Municipal n. 270-A, de 22.08.94, que dispõe sobre a política municipal de
atendimento e defesa dos direitos da criança e do adolescente e acrescentou o
inciso VIII, ora impugnado, que estabelece o seguinte:
VIII
– Comprovar o exercício de, no mínimo, 2 (dois) anos em entidades devidamente
registradas no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Demonstrou-se
a incompatibilidade do dispositivo legal impugnado com os arts. 111 e 144 da
Lei Maior paulista, uma vez que o legislador municipal, ao dispor sobre a
política municipal de atendimento e defesa dos direitos da criança e do adolescente
e exercer a sua competência de suplementar a legislação federal que regula a
matéria, acabou por afrontar os princípios da isonomia e da razoabilidade.
Ocorre
que, como destacado na inicial, o art. 133 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei Federal n. 8.69/90) estabelece quais são os requisitos
exigidos para que o cidadão seja candidato a integrar o Conselho Tutelar.
Reconhece
a doutrina a competência do legislador municipal para suplementar a legislação
federal, estabelecendo outros requisitos.
Nesse
sentido a lição de Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino (Conselhos e fundos no Estatuto da Criança e
do Adolescente, São Paulo: Malheiros, 1993, p. 127):
“A
lei federal preocupou-se, tão-somente, em estabelecer os requisitos mínimos de
admissibilidade à candidatura dos conselheiros tutelares.
Pelo
princípio da municipalização contido no art. 88, I, do ECA, fica a critério do
Município suplementar a norma citada, com fulcro no art. 30, II, da CF, para
ampliar esses requisitos, adequando-os às peculiaridades locais”.
Reconhece
a doutrina, ainda, a possibilidade de que esses requisitos estejam relacionados
à experiência no trato com crianças e adolescentes.
Todavia,
a autonomia legislativa consagrada aos Municípios não tem caráter absoluto e
soberano, pois é limitada por diversos princípios previstos na Constituição do
Estado de São Paulo.
Referidos
princípios funcionam como uma limitação à autonomia municipal de
autolegislação, consistente na edição de leis municipais sobre áreas que são reservadas
à sua competência exclusiva e suplementar.
Por
isso, a autonomia legislativa consagrada aos Municípios está sujeita a algumas
regras fundamentais e impostergáveis.
Nesse
contexto, é inconstitucional o dispositivo legal impugnado na presente ação direta,
pois, sob o pretexto de agir nos estritos limites de sua autonomia legislativa,
o inciso VIII do art. 21 da Lei Municipal n. 270-A, de 22.08.94, acrescentado
pela Lei n. 1.583-A, do município de São Vicente, exigiu, de forma irrazoável e
ofensiva ao princípio da isonomia, que o candidato ao Conselho Tutelar comprove
o exercício de, no mínimo, 2 (dois) anos em entidades devidamente registradas
no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Ocorre
que a Constituição do Estado de São Paulo, em seu art. 111, impõe aos Poder
Públicos a observância dos mencionados princípios fundamentais, por força do
art. 144 da Lei Maior Paulista.
Pode-se,
pois, cotejar o conteúdo normativo do dispositivo legal impugnado aos arts. 111
e 144 da Constituição do Estado e concluir-se pela inconstitucionalidade.
Embora
a intenção do legislador municipal seja nobre, não pode deixar de ser
reconhecido o caráter absolutamente excepcional de dispositivos legais que
restringem o direito de acesso aos órgãos públicos.
Não
se nega que as entidades não governamentais de atendimento à criança e
adolescente devem se registrar.
Todavia,
parece-nos irrazoável que somente o cidadão que tenha atuado em entidade
registrada no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, pelo
prazo de dois anos, possa ter o direito de acesso ao Conselho Tutelar.
Vários
exemplos podem ser invocados.
Cite-se,
por exemplo, a situação de um médico pediatra que tenha por vários anos
desenvolvido atividade em consultório particular ou, então, junto a um hospital
público. Está impedido de integrar o Conselho Tutelar de São Vicente.
Ou,
ainda como exemplo, um oficial de promotoria altamente vocacionado, um
assistente técnico do Ministério Público, com notória atuação na área.
O
requisito estipulado pelo legislador municipal, com a devida vênia, permite indevidas
discriminações, sendo de ser reconhecida a sua inconstitucionalidade, seja pela
ofensa ao princípio da isonomia, seja por afronta ao princípio da
razoabilidade, que encontra assento no art. 111 da Constituição do Estado de
São Paulo.
Ocorre
que as restrições e exigências emanadas de ato normativo não podem exceder os
parâmetros constitucionais, restringindo o acesso para uns e estabelecendo
privilégios para outros, os cadastrados.
Além
disso, deve-se observar que o dispositivo impugnado acaba por atentar contra o
próprio interesse público ao alijar do concurso público inúmeros cidadãos que
tenham atuado na defesa dos direitos da criança e do adolescente, mas que
tenham atuado em entidades não cadastradas pelo órgão municipal.
Além
disso, como demonstrou a autora da representação para o ajuizamento da presente
ação direta, o dispositivo legal impugnada acaba por obrigar aquele que quer
integrar o Conselho Tutelar a integrar uma Entidade, isto é, a se associar, o
que não é razoável: “Tal procedimento tirou do cidadão idôneo e atuante que não
esteja ligado a uma Entidade o direito de postular uma vaga ao Conselho Tutelar
Municipal. São cidadãos que por uma questão de escolha não estão atrelados a
uma entidade (associação), direito este estabelecido no art. 5º, XX, da
Constituição Federal, que estabelece que ninguém poderá ser compelido a
associar-se a qualquer entidade” (fls. 02 do protocolado que acompanha a
presente).
Está
demonstrada, portanto, a irrazoabilidade do dispositivo legal impugnado.
Em
tais circunstâncias, e com a reiteração dos argumentos expostos na inicial,
aguardo o julgamento de procedência da presente ação direta a fim de que seja
declarada a inconstitucionalidade do inciso VIII do art. 21 da Lei Municipal n.
270-A, de 22.08.94, acrescentado pela Lei n. 1.583-A, do município de São
Vicente.
São Paulo, 27 de julho de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos –
/md